segunda-feira, 4 de julho de 2011

CAPÍTULO XIX

Do Papel dos Médiuns nas Comunicações Espíritas

Influência do Espírito pessoal do médium - Sistema dos médiuns inertes -Aptidão de certos médiuns para coisas de que nada conhecem: línguas, música, desenho - Dissertação de um Espírito sobre o papel dos médiuns

Influência do Espírito pessoal do médium

223. 1ª No momento em que exerce a sua faculdade, está o médium em estado perfeitamente normal?

"Está, às vezes, num estado, mais ou menos acentuado, de crise. É o que o fadiga e é por isso que necessita de repouso. Porém, habitualmente, seu estado não difere de modo sensível do estado normal, sobretudo se se trata de médiuns escreventes."

2ª As comunicações escritas ou verbais também podem emanar do próprio Espírito encamado no médium'?

"A alma do médium pode comunicar-se, como a de qualquer outro. Se goza de certo grau de liberdade, recobra suas qualidades de Espírito. Tendes a prova disso nas visitas que vos fazem as almas de pessoas vivas, as quais muitas vezes se comunicam convosco pela escrita, sem que as chameis. Porque, ficai sabendo, entre os Espíritos que evocais, alguns há que estão encarnados na Terra. Eles, então, vos falam como Espíritos e não como homens. Por que não se havia de dar o mesmo com o médium?"

a) Não parece que esta explicação confirma a opinião dos que entendem que todas as comunicações provêm do Espírito do médium e não de Espírito estranho?

"Os que assim pensam só erram em darem caráter absoluto à opinião que sustentam, porquanto é fora de dúvida que o Espírito do médium pode agir por si mesmo. Isso, porém, não é razão para que outros não atuem igualmente, por seu intermédio."

3ª Como distinguir se o Espírito que responde é o do médium, ou outro?

"Pela natureza das comunicações. Estuda as circunstâncias e a linguagem e distinguirás. No estado de sonambulismo, ou de êxtase, é que, principalmente, o Espírito do médium se manifesta, porque então se encontra mais livre. No estado normal é mais difícil. Aliás, há respostas que é impossível atribuir-lhe. Por isso é que te digo: estuda e observa."

NOTA. Quando uma pessoa nos fala, distinguimos facilmente o que vem dela daquilo de que ela é apenas o eco. O mesmo se verifica com os médiuns.

4ª Desde que o Espírito do médium pôde adquirir, em existências anteriores, os conhecimentos que esqueceu sob seu envoltório corporal, mas dos quais se lembra como Espírito, não pode tirar do seu próprio eu as ideias que parece ultrapassar a capacidade sua instrução?

"Isso ocorre com frequência, no estado de crise sonambúlica, ou extática, porém, ainda uma vez repito, há circunstâncias que não permitem dúvida. Estuda longamente e medita."

5ª As comunicações que provêm do Espírito do médium, são sempre inferiores às que possam ser dadas por outros Espíritos?

"Sempre, não; pois um Espírito, que não o do médium, pode ser de ordem inferior à deste e, então, falar menos sensatamente. É o que se vê no sonambulismo. Aí, as mais das vezes, quem se manifesta é o Espírito do sonâmbulo, o qual não raro diz coisas muito boas."

6ª O Espírito, que se comunica por um médium, transmite diretamente seu pensamento, ou esse pensamento tem por intermediário o Espírito encamado no médium?

"O Espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao corpo que serve para falar, é preciso um laço entre vós e os Espíritos que se comunicam, como é necessário um fio elétrico para transmitir uma noticia ao longe, e no fim do fio uma pessoa inteligente a recebe e a transmite."

7ª O Espírito encarnado no médium exerce alguma influência sobre as comunicações que deva transmitir, provindas de outros Espíritos?

"Sim, porque, se estes não lhe são simpáticos, pode alterar suas respostas e assimilá-las às suas próprias ideias e as suas tendências; não influencia, porém, os próprios Espíritos, autores das respostas; constitui-se apenas em mau intérprete."

8ª Será essa a causa da preferência dos Espíritos por certos médiuns?

"Não há outra. Os Espíritos procuram o intérprete que mais simpatize com eles e que lhes exprima com mais exatidão os pensamentos. Não havendo entre eles simpatia, o Espírito do médium é um antagonista que oferece certa resistência e se toma um intérprete de má qualidade e muitas vezes infiel. É o que se dá entre vós, quando a opinião de um sábio é transmitida por intermédio de um estouvado, ou de uma pessoa de má-fé."

9ª Compreende-se que seja assim, tratando-se dos médiuns intuitivos, porém, não, relativamente aos médiuns mecânicos.

"É que ainda não percebeste bem o papel que desempenha o médium. Há aí uma lei que ainda não compreendeste. Lembra-te de que, para produzir o movimento de um corpo inerte, o Espírito precisa utilizar-se de uma parcela de fluido animalizado, que tira do médium, para animar momentaneamente a mesa, a fim de que esta obedeça à sua vontade. Pois bem. Compreendei também que, para uma comunicação inteligente, ele precisa de um intermediário inteligente e que esse intermediário é o Espírito do médium."

a) Isto parece que não tem aplicação ao que se chama mesas falantes, visto que, quando objetos inertes, como as mesas, pranchetas e cestas dão respostas inteligentes, o Espírito do médium, ao que se nos afigura, nenhuma parte toma no fato.

"É um erro; o Espírito pode dar ao corpo inerte uma vida fictícia momentânea, mas não lhe pode dar inteligência. Jamais um corpo inerte foi inteligente. É, pois, o Espírito do médium que recebe o pensamento, com o seu desconhecimento, e o transmite, sucessivamente, com a ajuda de diversos intermediários."

10ª Dessas explicações resulta, ao que parece que o Espírito do médium nunca é completamente passivo?

"É passivo, quando não mistura suas próprias ideias com as do Espírito que se comunica, mas nunca é inteiramente nulo. Seu concurso é sempre indispensável, como o de um intermediário, mesmo naqueles que chamais médiuns mecânicos."

11ª Não haverá maior garantia de independência no médium mecânico, do que no médium intuitivo?

"Sem dúvida alguma e, para certas comunicações, é preferível um médium mecânico; mas, quando se conhecem as faculdades de um médium intuitivo, isso se torna indiferente, conforme as circunstâncias. Quero dizer que há comunicações que exigem menos precisão."

Sistema dos médiuns inertes

12ª Entre os diferentes sistemas, que foram emitidos para explicar os fenômenos espíritas, há um que proclama estar a verdadeira mediunidade num corpo completamente inerte, na cesta, ou no papelão, por exemplo, que serve de instrumento; que o Espírito manifestante se identifica com esse objeto e o torna, além de vivo, inteligente, donde o nome de médiuns inertes dado a esses objetos. Que pensais desse sistema?

"Não há senão uma palavra a dizer quanto a isso, é que, se o Espírito transmitisse inteligência ao papelão, ao mesmo tempo que a vida, aquele escreveria sozinho, sem o concurso do médium. seria singular que o homem inteligente se tornasse máquina e que um objeto inerte se tornasse inteligente. Esse é um dos muitos sistemas oriundos de ideias preconcebidas e que caem, como tantos outros, ante a experiência e a observação."

13ª Um fenômeno bem conhecido poderia abonar a opinião de que há nos corpos inertes animados, mais do que a vida, mas também a inteligência, como é o das mesas, cestas, etc.., que exprimem por seus movimentos a cólera ou a afeição?

"Quando um homem agita colérico um pau, não é o pau que está preso de cólera, nem mesmo a mão que o segura, mas o pensamento que dirige a mão. As mesas e as cestas não são mais inteligentes do que o pau, nenhum sentimento inteligente apresentam; apenas obedecem a uma inteligência. Numa palavra, não é o Espírito que se transforma em cesta, nem nela se domicilia."

14ª Se não é racional atribuir inteligência a esses objetos, pode-se considerá-los como uma categoria de médiuns, dando-se lhes o nome de médiuns inertes'?

"É uma questão de palavras, que pouco nos importa, contanto que vos entendais. Sois livres para chamar o homem de boneco."

Aptidão de certos médiuns para coisas de que nada conhecem: línguas, música, desenho.

15ª Os Espíritos só têm a linguagem do pensamento; não tem a linguagem articulada, pelo que só há para eles uma só língua. Assim sendo, poderia um Espírito se exprimir, por via mediúnica, numa língua que Jamais falou quando vivo? E, nesse caso, de onde tira as palavras de que se serve?

"Acabaste tu mesmo de responder à pergunta que formulaste, dizendo que os Espíritos só têm uma língua, que é a do pensamento. Essa língua todos a compreendem, tanto os homens como os Espíritos. O Espírito errante, quando se dirige ao Espírito encarnado do médium, não lhe fala francês, nem inglês, porém, a língua universal que é a do pensamento. Para exprimir suas ideias numa língua articulada, transmissível, toma as palavras ao vocabulário do médium."

16ª Se é assim, só na língua do médium deveria ser possível ao Espírito exprimir-se. Entretanto, é sabido que escreve em idiomas que o médium desconhece. Não há aí uma contradição?

"Nota, primeiramente, que nem todos os médiuns são aptos a esse gênero de exercício e, depois, que os Espíritos só acidentalmente a ele se prestam, quando julgam que isso pode ter alguma utilidade. Para as comunicações usuais e de certa extensão, preferem servir-se de uma língua que seja familiar ao médium, porque lhes apresenta menos dificuldades materiais a vencer."

17ª A aptidão de certos médiuns para escrever numa língua que lhes é estranha não provirá da circunstância de lhes ter sido familiar essa língua em outra existência e de haverem guardado a intuição dela?

"É certo que isto se pode dar, mas não constitui regra. Com algum esforço, o Espírito pode vencer momentaneamente a resistência material que encontra. É o que acontece quando o médium escreve, na língua que lhe é própria, palavras que não conhece."

18ª Poderia uma pessoa analfabeta escrever como médium?

"Sim, mas se concebe que há ai ainda uma grande dificuldade mecânica a vencer, por faltar à mão o hábito do movimento necessário a formar letras. O mesmo sucede com os médiuns desenhistas, que não sabem desenhar."

19ª Poderia um médium, muito pouco inteligente, transmitir comunicações de ordem elevada?

"Sim, pela mesma razão que um médium pode escrever numa língua que não conhece. A mediunidade propriamente dita independe da inteligência, bem como das qualidades morais. E na falta de um melhor instrumento, pode o Espírito servir-se daquele que tem à mão. Porém, é natural que, para as comunicações de certa ordem, prefira o médium que lhe ofereça menos obstáculos materiais. Acresce outra consideração: o idiota muitas vezes só o é pela imperfeição de seus órgãos, podendo, entretanto, seu Espírito ser mais adiantado do que o julguem. Tens a prova disso em certas evocações de idiotas, mortos ou vivos."

NOTA. Este é um fato que a experiência comprova. Por muitas vezes temos evocado idiotas vivos que hão dado patentes provas de identidade e responderam com muita sensatez e mesmo de modo superior. Esse estado é uma punição para o Espírito, que sofre o constrangimento em que se encontra. Um médium idiota pode, por, algumas vezea, oferecer ao Espírito que quer se manifestar, mais recursos do que se crê. (Veja-se: Revue Spirite, julho de 1860, artigo sobre a Frenologia e a Fisiognomia.)

20ª Donde vem a aptidão de certos médiuns para escrever em verso?

"A poesia é uma linguagem. Eles podem escrever em verso, como podem escrever numa língua que desconheçam. Depois, é possível que tenham sido poetas em outra existência e, como já te dissemos, os conhecimentos adquiridos jamais os perde o Espírito, que tem de chegar à perfeição em todas as coisas. Nesse caso, o que conheceram, lhes dá, sem que o saibam, uma facilidade que não tem no estado normal."

21ª O mesmo ocorre com aqueles médiuns ignorantes em relação a musica e a pintura e que têm uma aptidão especial para o desenho e a música?

"Sim; o desenho e a música também são maneiras de expressar o pensamento. Os Espíritos se servem dos instrumentos que mais facilidades lhes oferecem."

22ª A expressão do pensamento pela poesia, pelo desenho, ou pela música depende unicamente da aptidão especial do médium, ou também da do Espírito que se comunica?

"Às vezes, do médium; às vezes, do Espírito. Os Espíritos superiores possuem todas as aptidões. Os Espíritos inferiores só dispõem de conhecimentos limitados."

23ª Por que é que um homem de extraordinário talento numa existência já não o tem na existência seguinte?

"Nem sempre assim é, pois que muitas vezes ele aperfeiçoa, numa existência, o que começou na precedente. Mas, pode acontecer que uma faculdade extraordinária adormeça durante certo tempo, para deixar que outra se desenvolva. É um germe latente, que tornará a ser encontrado mais tarde e do qual sempre ficam alguns traços, ou pelo menos uma vaga intuição."

224. O Espírito que se quer comunicar compreende, sem dúvida, todas as línguas, pois que as línguas são a expressão do pensamento e é pelo pensamento que o Espírito tem a compreensão de tudo; mas, para exprimir esse pensamento, torna-se-lhe necessário um instrumento e este é o médium. A alma do médium, que recebe a comunicação estranha, não a pode transmitir, senão pelos órgãos de seu corpo. Ora, esses órgãos não podem ter, para uma língua que o médium desconheça a flexibilidade que apresentam para a que lhe é familiar.

Um médium, que apenas saiba o francês, poderá, acidentalmente, dar uma resposta em inglês, por exemplo, se ao Espírito apraz fazê-lo; porém, os Espíritos, que já acham muito lenta a linguagem humana, em confronto com a rapidez do pensamento, tanto assim que a abreviam quanto podem se impacientam com a resistência mecânica que encontram; daí, nem sempre o fazerem. Essa também a razão por que um médium novato, que escreve penosa e lentamente, ainda que na sua própria língua, em geral não obtém mais do que respostas breves e sem desenvolvimento. Por isso, os Espíritos recomendam que, com um médium assim, só se lhes dirijam perguntas simples. Para as de grande alcance, faz-se mister um médium desenvolvido, que nenhuma dificuldade mecânica ofereça ao Espírito. Não tomaríamos para nosso leitor um escolar que soletre. Um bom obreiro não gosta de servir-se de más ferramentas.

Acrescentemos outra consideração de grande gravidade no que concerne às línguas estrangeiras. Os ensaios deste gênero são sempre feitos por curiosidade e por experimentação. Ora, nada mais antipático aos Espíritos do que as provas a que tentem sujeitá-los. A elas jamais se prestam os Espíritos superiores, os quais se afastam, logo que se pretende entrar por esse caminho. Tanto se comprazem nas coisas úteis e sérias, quanto lhes repugna ocuparem-se com coisas fúteis e sem objetivo. E, dirão os incrédulos, para nos convencermos e esse fim é útil, porque pode granjear adeptos para a causa dos Espíritos. A isto respondem os Espíritos: "A nossa causa não precisa dos que têm orgulho bastante para se suporem indispensáveis. Chamamos a nós os que queremos e estes são quase sempre os mais pequeninos e os mais humildes. Fez Jesus os milagres que lhe pediam os escribas? E de que homens se serviu para revolucionar o mundo? Se quereis vos convencer, tendes outros meios além da força; começai por submeter-vos; não é regular que o discípulo imponha sua vontade ao mestre."

Daí decorre que, salvo algumas exceções, o médium exprime o pensamento dos Espíritos pelos meios mecânicos que lhe estão à disposição e também que a expressão desse pensamento pode e deve mesmo, as mais das vezes, ressentir-se da imperfeição de tais meios. Assim, o homem inculto, o camponês, poderá dizer as mais belas coisas, expressar as mais elevadas e as mais filosóficas ideias, falando como camponês, porquanto, conforme se sabe, para os Espíritos o pensamento domina a tudo. Isto responde a certas críticas a propósito das incorreções de estilo e de ortografia, que se imputam aos Espíritos, mas que tanto podem provir deles, como do médium. Apegar-se a tais coisas não passa de futilidade. Não é menos pueril que se atenham a reproduzir essas incorreções com exatidão minuciosas, conforme o temos visto fazerem algumas vezes. Lícito é, portanto, corrigi-las, sem o mínimo escrúpulo, a menos que caracterizem o Espírito que se comunica caso em que é bom conservá-las, como prova de identidade. Assim é, por exemplo, que temos visto um Espírito escrever constantemente Jule (sem o s), falando de seu neto, porque, quando vivo, escrevia desse modo, muito embora o neto, que lhe servia de médium, soubesse perfeitamente escrever o seu próprio nome.

Dissertação de um Espírito sobre o papel dos médiuns

225. A dissertação que se segue, dada espontaneamente por um Espírito superior, que se revelou mediante comunicações de ordem elevadíssima, resume, de modo claro e completo, a questão do papel do médium:

"Qualquer que seja a natureza dos médiuns escreventes, quer mecânicos ou semimecânicos, quer simplesmente intuitivos, nosso procedimento de comunicação com eles não varia essencialmente. De fato, nós nos comunicamos com os Espíritos encarnados dos médiuns, da mesma forma que com os Espíritos propriamente ditos, unicamente pela irradiação do nosso pensamento.

"Nossos pensamentos não precisam da vestidura da palavra, para serem compreendidos pelos Espíritos e todos os Espíritos percebem os pensamentos que lhes desejamos transmitir, só pelo fato de que dirigimos nossos pensamentos até eles e isso em razão de suas faculdades intelectuais. Quer dizer que tal pensamento pode ser compreendido por tais e tais segundo o adiantamento deles, ao passo que, para tais outros, esse pensamento não revela nenhuma lembrança, nenhum conhecimento no fundo do seu coração ou do seu cérebro não lhes é perceptível. Neste caso, o Espírito encarnado, que nos serve de médium, é mais apto a exprimir o nosso pensamento a outros encarnados, se bem que não compreenda, que um Espírito desencarnado e pouco adiantado, não poderia fazê-lo, se estivéssemos forçados a recorrer à sua intermediação porquanto o ser terreno põe seu corpo, como instrumento, à nossa disposição, o que o Espírito errante não pode fazer.

“Assim, quando encontramos, num médium, o cérebro enriquecido de conhecimentos adquiridos na sua vida atual e o seu Espírito rico de conhecimentos anteriores latentes, próprios para facilitar nossas comunicações, dele nos servimos de preferencia, porque com ele o fenômeno da comunicação nos é muito mais fácil do que com um médium de inteligência limitada e cujos conhecimentos anteriores fossem insuficientes. Vamos nos fazer compreender por meio de algumas explicações claras e precisas.

"Com um médium, cuja inteligência atual, ou anterior, se ache desenvolvida, o nosso pensamento se comunica instantaneamente de Espírito a Espírito, por uma faculdade peculiar à essência mesma do Espírito. Nesse caso, encontramos no cérebro do médium os elementos próprios para darem ao nosso pensamento a vestidura da palavra correspondente a esse pensamento, e isso embora seja o médium intuitivo, semimecânicos, ou mecânico puro. Por isso, qualquer que seja a diversidade dos Espíritos que se comuniquem por um médium, os ditados obtidos por ele, inteiramente procedentes de espíritos diversos levam um selo de forma e de cor pessoal desse médium. Sim, se bem que o pensamento lhe seja inteiramente estranho, se bem que o assunto esteja fora do âmbito em que ele habitualmente se move, se bem que aquilo que queremos dizer não provenha de nenhum modo de si, nem por isso deixa o médium de exercer influência, no tocante à forma, pelas qualidades e propriedades inerentes à sua individualidade. É exatamente como quando observais panoramas diversos, com óculos coloridos, verdes, brancos, ou azuis; embora os panoramas, ou objetos observados, sejam inteiramente opostos e independentes um dos outros, não deixam por isso de afetar uma tinta que provém da cor dos óculos. Ou, melhor: comparemos os médiuns a esses frascos cheios de líquidos coloridos e transparentes, que se vêem nos mostruários dos laboratórios farmacêuticos. Pois bem, nós somos como luzes que clareiam certos pontos de vista morais, filosóficos e internos, através dos médiuns, azuis, verdes, ou vermelhos, de tal sorte que os nossos raios luminosos, obrigados a passarem através de vidros mais ou menos bem facetados, mais ou menos transparentes, isto é, de médiuns mais ou menos inteligentes, não chegam sobre os objetos que desejamos iluminar, se não tomando a tinta, ou, melhor, a forma própria e particular desses médiuns. Enfim, para terminar por uma última comparação, nós, Espíritos, somos como compositores de musica que compusemos ou queremos improvisar uma musica, e não temos a mão senão um piano, ou um violino, uma flauta, ou um baixo ou uma gaita barata. E incontestável que, com o piano, o violino, ou a flauta, executaremos a nossa composição de modo muito compreensível para os ouvintes. Se bem que os sons provenientes do piano, do baixo, ou pela clarineta, sejam essencialmente diferentes uns dos outros, nossa composição não deixará de ser identicamente a mesma, em qualquer desses instrumentos, salvos os matizes dos sons. Mas, se só tivermos à nossa disposição uma gaita barata, ou um funil de água, ai está para nós à dificuldade.

"Efetivamente, quando somos obrigados a servir-nos de médiuns pouco avançados, muito mais longo e penoso se torna o nosso trabalho, porque nos vemos forçados a lançar mão de formas incompletas, o que é para nós uma complicação, porque então somos forçados a decompor os nossos pensamentos e a ditar palavra por palavra, letra por letra, constituindo isso uma fadiga e um aborrecimento, assim como um entrave real à prontidão e ao desenvolvimento das nossas manifestações.

"Por isso é que ficamos felizes ao encontrarmos médiuns bem apropriados, bem aparelhados, munidos de materiais prontos a serem utilizados, numa palavra: bons instrumentos, porque então o nosso perispírito, agindo sobre o daquele que medianimizamos, nada mais tem que fazer senão impulsionar a mão que nos serve de lapiseira, ou caneta, enquanto que, com os médiuns insuficientes, somos obrigados a fazer um trabalho análogo ao que fazemos, quando nos comunicamos mediante pancadas, isto é, formando, letra por letra, palavra por palavra, cada uma das frases que traduzem os pensamentos que queremos transmitir.

"É por estas razões que de preferência nos dirigimos para a divulgação do Espiritismo e para o desenvolvimento das faculdades mediúnicas escreventes, às classes cultas e instruídas, embora seja nessas classes que se encontram os indivíduos mais incrédulos, mais rebeldes e mais imorais. E que, assim como deixamos hoje, aos Espíritos galhofeiros e pouco avançados, o exercício das comunicações tangíveis, de pancadas e transportes, assim também os homens pouco sérios preferem o espetáculo dos fenômenos que lhes afetam os olhos ou os ouvidos, aos fenômenos puramente espirituais, puramente psicológicos.

"Quando queremos transmitir ditados espontâneos, agimos sobre o cérebro, sobre os arquivos do médium e preparamos os nossos materiais com os elementos que ele nos fornece e isto com seu inteiro desconhecimento. É como se tomássemos de seu bolso as somas que ele aí possa ter e puséssemos as moedas que as formam na ordem que mais conveniente nos parecesse.

"Mas, quando o próprio médium quer nos interrogar de tal ou tal modo, é bom que reflita seriamente, a fim de nos perguntar de um modo metódico , facilitando, assim, nosso trabalho de resposta. Porque, como já te dissemos em instrução anterior, o vosso cérebro está frequentemente em uma desordem inextricável e, nos é bastante penoso e difícil, nos movermos no labirinto dos vossos pensamentos. Quando seja um terceiro quem nos haja de interrogar, é bom e conveniente que a série de perguntas seja comunicada de antemão ao médium, para que este se identifique com o Espírito do evocador e dele, por assim dizer, se impregne, porque, então, nós mesmos teremos mais facilidade para responder, por efeito da afinidade existente entre o nosso perispírito e o do médium que nos serve de intérprete.

“Certamente, podemos falar de matemáticas, servindo-nos de um médium a quem estas sejam absolutamente estranhas; porém, quase sempre, o Espírito desse médium possui, em estado latente, conhecimento do assunto, isto é, conhecimento peculiar ao ser fluídico e não ao ser encarnado, por ser o seu corpo atual um instrumento rebelde, ou contrário, a esse conhecimento. O mesmo se dá com a astronomia, com a poesia, com a medicina, com as diversas línguas, assim como com todos os outros conhecimentos peculiares à espécie humana.

"Finalmente, ainda temos como meio penoso de elaboração, para ser usado com médiuns completamente estranhos ao assunto de que se trate o da reunião das letras e das palavras, uma a uma, como em tipografia.

"Conforme acima dissemos, os Espíritos não precisam vestir seus pensamentos; eles os percebem e transmitem, reciprocamente, pelo só fato de os pensamentos existirem neles. Os seres corpóreos, ao contrário, só podem perceber os pensamentos, quando revestidos. Enquanto que a letra, a palavra, o substantivo, o verbo, a frase, em suma, vos são necessários para perceber, mesmo mentalmente, as ideias, nenhuma forma visível ou tangível nos é necessária." ERASTO e TIMÓTEO

NOTA. Esta análise do papel dos médiuns e dos processos pelos quais os Espíritos se comunicam é tão clara quanto lógica. Dela decorre, como princípio, que o Espírito toma, não as suas ideias, porém, os materiais de que necessita para exprimi-las, no cérebro do médium e que, quanto mais rico em materiais for esse cérebro, tanto mais fácil será a comunicação. Quando o Espírito se exprime num idioma familiar ao médium, encontra neste, inteiramente formadas, as palavras necessárias ao revestimento da ideia; se o faz numa língua estranha ao médium, não encontra neste as palavras, mas apenas as letras. Por isso é que o Espírito se vê obrigado a ditar, por assim dizer, letra a letra, tal qual como quem quisesse fazer que escrevesse alemão uma pessoa que desse idioma não conhecesse uma só palavra. Se o médium é analfabeto, nem mesmo as letras fornecem ao Espírito. Preciso se torna a este conduzir-lhe a mão, como se faz a uma criança que começa a aprender. Ainda maior dificuldade a vencer encontra aí, o Espírito. Estes fenômenos, pois, são possíveis e há deles numerosos exemplos; compreende-se, no entanto, que semelhante maneira de proceder pouco apropriada se mostra para comunicações extensas e rápidas e que os Espíritos hão de preferir os instrumentos de manejo mais fácil, ou, como eles dizem, os médiuns bem aparelhados do ponto de vista deles.

Se aqueles que pedem esses fenômenos, como meios de se convencerem, estudassem previamente a teoria, haviam de saber em que condições excepcionais eles se produzem.

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