sexta-feira, 5 de agosto de 2011

LAÇOS DE AFETO

WANDERLEY S. DE OLIVEIRA

DITADO PELO ESPÍRITO ERMANCE DUFAUX


“Nisto todos reconhecerão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros”.

Jesus – João, capítulo 13, versículo 35


Sumário

Apresentação = Harmonia Interior

Laços de Afeto deflagra uma série que carinhosamente intitulamos “Harmonia Interior”, cujo objetivo é enfatizar particularidades contidas dentro do universo de sabedoria das obras elementares da revelação nova do Espiritismo. Nesse projeto somamos esforços um grupo de corações que palmilharam as vivências da educação e ciências afins, todos, além de dispostos, muito esperançosos e felizes por terem a benfazeja oportunidade de estabelecer pontes com o mundo físico, cooperando com nossas teorias, agora redimensionadas pela ótica da Imortalidade na qual estagiamos em exuberante vida e plenitude.

Prefácio = O Milênio de Jesus

Sociedades espíritas fraternas só serão construídas por homens e mulheres mais dóceis e cordiais, mais confiantes e afáveis, mais amigos e amáveis. A criação dessas novas relações é garantia de uma aprendizagem mais sólida e bem aproveitada em nossas casas espirituais, facultando melhor assimilação dos conteúdos doutrinários e sua conseqüente aplicação no desenvolvimento de habilidades morais e emocionais, tão escassas na convivência entre as criaturas perante a pressão das lutas da vida terrena. Teremos assim, mais afeto, melhor

ambiente e bem-estar para conviver e maior motivação para servir e aprender!

PRIMEIRA PARTE

A Pedagogia do Afeto na Educação do Espírito

Capítulo 1 = A Pedagogia do “Ser”

Aprender a amar é pois a competência essencial que deveria fundamentar quaisquer conteúdos de nossas escolas espirituais. Aprender a amar o próximo, aprender a amar a si, aprender a amar a Deus.

Capítulo 2 = Aprender a Amar

Não existe Amor ou desamor à primeira vista, e sim simpatia ou antipatia. Amor não pode ser confundido com um sentimento ocasional e especialmente dirigido a alguém. Devemos entendê-lo como O Sentimento Divino que alcançamos a partir da conscientização de nossa condição de operários na obra universal, um “estado afetivo de plenitude”, incondicional, imparcial e crescente.

Capítulo 3 = Pestalozzi e a Educação do Coração

A visão “Pestaloziana” de educar, além de precursora, é perfeitamente compatível com a meta maior do Espiritismo, ou seja, o melhoramento moral da humanidade, a educação integral do homem bio-sócio-psíquico-espiritual.

Capítulo 4 = Kardec e a Educação Integral

O objetivo maior da vinda do homem à Terra é a sua melhora espiritual. Tal mister só será planificado na medida em que aprender a amar, porque o Amor é o decreto sublime do universo para o crescimento e a felicidade de todos os seres.

Capítulo 5 = Maioridade Afetiva

A “reconstrução do afeto’, portanto, é fator de reeducação do coração que vai burilando e refazendo as vivências, dia após dia, através da convivência na busca do abastecimento da sensibilidade.

Capítulo 6 = Educação do Afeto

Força descomunal tem a o afeto sobre a inteligência dos raciocínios, manifestando a intuição, a fé e a capacidade de escolha com mais sintonia com o bem.

Capítulo 7 = Corrosivos da Sensibilidade

Existem sulcos psico-emocionais profundos no “aparelho mental” que funcionam ativamente como “inibidores do afeto”, compondo entraves vigorosos nas fibras da sensibilidade junto ao sistema da afetividade do ser integral. Adquiridos em milênios de renitente rebeldia no erro, tais óbices fazem parte desse desafiante processo auto-educativo nos rumos da aquisição do patrimônio do Amor.

Capítulo 8 = Desenvolvimento da Sensibilidade

Jesus, na condição de eminente psicólogo, asseverou que por causa da iniqüidade o Amor de muitos esfriaria, conforme se lê em Mateus, capítulo 24, versículo doze. Essa iniqüidade também presente na seara espírita não deve nos impedir a idealização de projetos doutrinários nas agremiações, cujo perfil seja centrado em relações afetuosas e compensativas.

Capítulo 9 = Centro Espírita e Afeto

Como o centro espírita pode ajudar no fortalecimento de laços de amor entre seus integrantes? Como pode auxiliar na dilatação da sensibilidade?

Capítulo 10 = Kardec e a Unificação

Após viagem cansativa é recebido em Broteaux, Lyon, por um casal simples e amorável e, naquele instante magnânimo de aperto de mãos, sela-se entre o Sr. Rivail - aristocrata de Yverdon - e aquele operário humilde um clima de concórdia e respeitabilidade que jamais se apagou na retina mental de ambos. Ali consagrou-se, no regime do mais puro amor, o primeiro encontro de dirigentes espíritas que consolidou laços de estima e duradoura fraternidade - alma das idéias espíritas.

SEGUNDA PARTE

Caminhos do Amor na Convivência

Capítulo 1 = Humanização na Seara Espírita

Quando falamos em humanização, referimo-nos à contextualização, que é oferecer aos profitentes espíritas os instrumentos para que possam fazer dessa informação espírita a sua transformação espiritual. Conhecimento no cérebro quando é contextualizado tem o nome de saber. E saber, em outras palavras, quer dizer aprender as respostas e os caminhos para desenvolver seus potenciais humanos na edificação da felicidade própria e daqueles que nos rodeiam. O saber é o conhecimento intelectivo que foi absorvido pelo coração.

Capítulo 2 = Relações Sócio-afetivas

A presença de pessoas afetuosas em nossas vidas nunca é esquecida, cria “marcas”, deixa lembranças para o futuro e é forte dose de estímulo ao idealismo superior no presente. Sobretudo, essas pessoas deixam saudades...E saudade é o sentimento de quem sente falta de alguém. Amigos verdadeiros deixam saudades...

Capítulo 3 = Amor e Alteridade

Isso é alteridade: o estabelecimento de uma relação de paz com os diferentes, a capacidade de conviver bem com a diferença da qual o “outro” é portador.

Capítulo 4 = Recepção, Atendimento e Integração

Espontaneidade com moderação, preparo interior pela oração para espargir magnetismo salutar, conhecimento das necessidades alheias, disposição íntima de ser útil e servir, finura de trato, o sorriso afetuoso, são algumas das diretrizes dos recepcionistas fraternos.

Capítulo 5 = Comportamentos Hipócritas

Eis um assunto para nossos debates. Como ajudar esses trabalhadores? O centro espírita tem arregimentado um programa para ensinar a transformação íntima? Tem havido clima nos grupos para que os tarefeiros possam dialogar construtivamente sobre seus conflitos? Ou temos nos iludido, transferindo responsabilidades pessoais para as ações obsessivas de desencarnados?

Capítulo 6 = Habilidade Essencial

Jesus, como sempre, é o modelo. Em momento algum do seu ministério de Amor o percebemos em atitude de destaque ao mal; embora astuto e vigilante, sabia sempre onde ele se ocultava e procurava erradicá-lo sem que o evidenciasse.

Capítulo 7 = Condutores Afetuosos

Como dispõem sempre de afeto cristão, fazem-se fonte de estímulo, esperança e diretriz no encaminhamento das soluções a quem recorrerem os que lhe partilham a convivência.

Capítulo 8 = Rebeldia, Matriz de Distúrbios

Com felicidade indaga o lúcido Allan Kardec na referência de apoio: Que adianta conhecer o Espiritismo e não se tornar melhor? Façamos continuamente essa auto-avaliação para jamais esquecermos que as linhas libertadoras do comportamento espírita vão bem além do dever, penetrando as esferas do amor incondicional e da humildade obediente aos desígnios do Pai.

Capítulo 9 = Cuidados de Amor

Cuidar é uma palavra que merece atenção especial de todos nós. Os cuidados com a vida, com o próximo, com a natureza e conosco próprio traduzem a atenção e o empenho para com as questões pertinentes ao coração e às responsabilidades de cooperadores na obra do universo.

Capítulo 10 = Meditação Emocional

A meditação emocional é uma forma de lidarmos com a afetividade, estimulando-a sob a influência de visualizações mentais criativas, sadias e moralmente enobrecedoras. Por isso, inserimos abaixo pequenas frases indutivas que poderão servir de intróito para projetarmos a mente no dia-a-dia da faina doutrinária, e extrairmos os conteúdos de reavaliação e auto-exame, brindando-nos com pequenos lampejos no despertamento do afeto.

Capítulo 11 = Resgatando os Sonhos

Nesse prisma, a função do centro espírita será resgatar a capacidade de sonhar e instrumentalizar o homem de recursos morais-espirituais, que o auxiliem a tornar reais os seus ideais nas linhas do dever e da libertação incorruptível.

Capítulo 12 = Divergência e Dissidência

A divergência de idéias é uma necessidade a quaisquer grupos ou pessoas que desejem o crescimento real. Onde todos pensam uniformemente há muito campo para o radicalismo de opiniões, à dissimulação de sentimentos e à fragilidade de elos emocionais para formação de relações sadias. Saber conviver com opiniões contrárias é saber emitir idéias sem a carga emocional da vaidosa pretensão.

Capítulo 13 = Paixão e Amor

O verdadeiro amor, ao contrário de tudo isso, é uma construção lenta, feita dia após dia, é um desenvolvimento efetivado pela entrega integral e a responsabilidade com os deveres assumidos junto ao outro. É uma parceria que tende a crescer, na medida em que o par ou grupo cultivam os valores da cooperação espontânea, do apoio incondicional, da valorização mútua, do diálogo e outros tantos caminhos que fazem da relação uma amizade preciosa e boa de viver, sem os ímpetos infantis e arriscados da paixão.

Capítulo 14 = O Teste dos Cargos

Allan Kardec não se furtou de aplicar sobre ele a sua lente de observações sensatas e meticulosas. Vejamos que em nosso item de apoio, no capítulo 29 de O Livro dos Médiuns, o Codificador constata a relação existente entre o título de sócio e a visão pessoal que pode estabelecer perturbações ao conjunto, quando o cargo é utilizado para fazer valer direitos.

Capítulo 15 = Espíritas no Além

“Filha, os dramas espirituais são resultados da semeadura terrena, obrigando o lavrador da vida a colher os frutos do que plantou, conforme a lei dos méritos. Assim sendo, o maior drama daqueles que se internam na “Enfermaria do Espiritismo” não está na infeliz colheita de sofrimento aqui na vida extrafísica, mas sim no dia a dia da experiência terrena quando recusam-se, na condição de doentes, a ingerir o remédio da renovação interior. Conscientes do que existe para além da morte, deveriam submeter-se a urgente metamorfose afetiva, acionando os recursos da educação com vontade firme e muita oração. O esclarecimento, mesmo constituindo luz e lenitivo, por si só, não basta ao sublime tentame.”

Capítulo 16 = Sob a Luz do Amor

A despeito de erguermos juntos o estandarte da caridade, vezes sem conta abandonamos o imperativo de aplicá-la também nas nossas relações com quantos nos partilham o clima das atividades doutrinárias.

Capítulo 17 = Severa Inimiga

Como acentua o lúcido Kardec, agem através de “surdos manejos, que passam despercebidos’, e no campo do afeto “espalham a dúvida, a desconfiança e a desafeição”. São instrumentos da cizânia. Sentindo-se inferiorizados face às comparações que estabelecem com os bem-sucedidos, destacam os aspectos menos úteis da ação alheia...

Capítulo 18 = Flexibilidade nos Julgamentos

Difícil tema dos relacionamentos, porque além de convivermos com aquilo que os outros pensam que somos, ainda temos que separar aquilo que pensamos que somos, daquilo que realmente somos, deixando claro que nem mesmo nós próprios, em muitos lances, sabemos avaliar com a precisão necessária as causas de nossas ações.

Capítulo 19 = Nos Leitos da Caridade

Estudemos mais sobre a caridade relacional e compreendamos melhor os benefícios da vivência do afeto em favor de nosso futuro espiritual, porque então descobriremos, pelo estudo e pela vivência, que amar é vigoroso preventivo que elimina grande parte de nossas dores provacionais na escola da convivência.

Capítulo 20 = Plenitude na Gratidão

Ser grato é ser melhor e crescer; é ter na lembrança os benfeitores de ontem, é aprender a fixar-se nas circunstâncias felizes da existência, é devolver à vida os créditos que nos beneficiaram, é aprender a superar queixas e desgostos com a reencarnação dilatando o Espírito de desprendimento e aceitação, sem deixar de buscar o progresso.

Capítulo 21 = Melindre nos Centros Espíritas

As criaturas educadas emocionalmente têm sempre respostas adequadas ao teste do melindre. Reagir com equilíbrio, elaborar soluções criativas aos impasses e agir com espontâneo amor são respostas de quem é dotado de farta inteligência emotiva, lograda em refregas nas vivências do Espírito que amadureceu para a vida, O melindre é a pobre resposta do sentimento agredido.

Capítulo 22 = Casas ou Grupos?

O centro espírita, enquanto Casa, precisa reciclar seus paradigmas, contextualizar seus métodos, renovar sua forma de agir e decidir, agilizar suas atividades para atendimento dos inumeráveis e surpreendentes desafios que ora solapam as vidas humanas com dores acerbas.

Capítulo 23 = Calabouços dos Sentimentos

Dá-lhe tudo que tens, assim como fez a viúva pobre do Evangelho, depositando nesse coração que esmola carinho e piedade, a honra das atitudes nobres, ensejando-lhe uma mensagem, pelo exemplo, de que se pode amar sem possuir e gostar sem dominar, conclamando-o a comportamentos novos, íntegros moralmente.

Capítulo 24 = Amizade, Elixir dos Relacionamentos

Essa ausência de ternura entre os membros de um mesmo núcleo, guardando distanciamento, é empobrecedor para nossas realizações. Quando os componentes se amam, se conhecem, quando se estabelecem relações de confiança e respeito, as atividades ganham viço, estímulo, produtividade.

Capítulo 25 = Elos Entre Dois Mundos

Como tens acolhido os desencarnados? Como dispensar afeto a quem não se vê na vida extrafísica, se não dispões a cativar os que ombreiam contigo na vida da carne? Que recepção terão os que vagueiam itinerantes em busca de rota e luz, se a ancoragem na casa espírita é feita entre farpas de discórdia e do entrechoque de idéias, em litígios enfermiços entre seus próprios trabalhadores?

Capítulo 26 = Benefícios do Conflito

Os homens estiveram em desatinado conflito com Jesus, com suas idéias, com suas movimentações, embora Ele, pacífico e sereno, conduzia os provocantes a mergulharem em si mesmos e a descobrirem suas insatisfações, frustrações e as raízes de suas emoções perturbadoras, com as quais intentavam afetar o equilíbrio do Mestre.

Capítulo 27 = Homogeneidade no Grupo

Grupos homogêneos são os que guardam uma certa atração para um ideal comum, um objetivo claro, e que têm uma visão compartilhada de seu futuro, de onde querem chegar, para onde se dirigem. Em torno desse ideal compartilhado, nascido de dentro para fora e constituindo as aspirações de todos, tem-se a chave da homogeneidade.

Capítulo 28 = Auto-Amor

Aprender o auto-amor é arar a terra mental para “ser”. Quando o lograrmos, recuperaremos a serenidade, o estado de gratificação com a vida, a compreensão de nós mesmos, porque o sentimento será então um espelho translúcido das potencialidades excelsas depositadas em cada um de nós pela “inteligência suprema do universo”.

Capítulo 29 = Humanização e Segurança

Por isso, se verdadeiramente queremos segurança e estabilidade, busquemo-la na vivência do afeto, e afeto não se desenvolve sem convivência e proximidade, sem permuta e disposição de aprender, sem servir e trabalhar. Eis porque as atividades assistenciais de nossa Seara, entre inúmeras vantagens, propicia ao homem solitário e inseguro vigorosos estímulos não encontrados em quase nenhuma experiência social.

Capítulo 30 = Educandário do Amor

Nesse comenos chamamos a atenção de grande parte de nossos dirigentes espíritas que têm ouvido e amparado muitos corações, não possuindo, por sua vez, quem lhes possa orientar ou avaliar seus esforços. Sozinhos, sentindo-se na obrigação de darem o melhor de si, terminam por chafurdar-se em posturas de aparente vitalidade moral; entretanto, seu mundo interior, freqüentemente, deambula para as fronteiras com o colapso da sua saúde mental e afetiva.

Apêndice 1 = Campanha pelo Amor

A vitória sobre o maior inimigo do homem, o egoísmo, solicita a renovação dos modelos institucionais e a transformação do comportamento na aquisição de novos valores que o capacitem para longa batalha interior. Recriar as relações e repensar a sistematização das nossas organizações espíritas são investimentos sólidos, que atendem ao programa inspirado sob a tutela do incansável Bezerra de Menezes, no atendimento às “novas determinações” do Espírito Verdade, a fim de construirmos, no futuro, um movimento espírita plenamente identificado com a mensagem de Amor trazida por Jesus à humanidade há dois milênios, e atualizada pelo trabalho nobre de Allan kardec.

Apêndice 2 = Programa de Bezerra de Menezes pelos Valores Humanos no Centro Espírita

O núcleo espiritista deve sair do patamar de templo de crenças e assumir sua feição de escola capacitadora de virtudes e formação do homem de bem, independentemente de fazer ou não com que seus transeuntes se tornem espíritas e assumam designação religiosa formal.


Apresentação

Harmonia Interior

“Convidamos, pois, todas as Sociedades Espíritas a colaborar nessa grande obra. Que de um extremo ao outro do mundo elas se estendam fraternalmente as mãos e eis que terão colhido o mal em inextricáveis malhas.

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 350

Pestalozzi estabeleceu em sua filosofia o princípio da interação afetiva como fonte estimuladora da cognição e da aprendizagem. A autora de Laços de Afeto segue-lhe os passos e preceitua, como fio condutor de suas abordagens, as relações afetivas que ensejam uma convivência educativa e plenificadora.

Esse interacionismo na vida relacional, pródigo de Amor, constitui a essência da educação onde quer que ele se manifeste nas atividades humanas, conquanto Ermance Dufaux ressalte o centro espírita na condição de escola em potencial para a construção de relacionamentos afetuosos, libertadores e gratificantes. Chama a comunidade espírita para uma reflexão sobre a necessidade de se criar metodologias e mecanismos que incentivem o cultivo da amizade e da fraternidade, como esteio aos projetos do bem levados a efeito por essas entidades.

Vínculos emocionais superiores despertam forças sublimes do ser que apelam para condições excepcionais de sensibilidade para vir a luz. Por outro prisma, bloqueios que dormitam há séculos nas zonas abissais da subconsciência solicitam elos consistentes de confiança e respeito, para ebulirem sob cuidados que funcionarão como extrema medicação profilática.

Ermance, discreta por estilo, procura quase sempre evitar citações nominais, embora sua pesquisa se inspire em muitos pensadores que abrilhantaram as academias humanas na conquista de sólidos saberes para o progresso social. É assim que, sofrendo as necessárias adaptações e abstraindo-se da técnica, ela busca subsídios em Carl Gustav Jung, Sigmund Freud, Jean Piaget, Howard Gardner, Daniel Goleman, Emmanuel Lévinas, Vygotski, Jürgen Habermas, Antoine de Saint Exupery, apenas para citar alguns dos expoentes a que recorreu em seu trabalho. Deve-se frisar, no entanto, que a base estrutural de sua literatura é Pestalozzi, o senhor Allan Kardec e Jesus, o pedagogo sublime e insuperável.

Laços de Afeto deflagra uma série que carinhosamente intitulamos “Harmonia Interior’, cujo objetivo é enfatizar particularidades contidas dentro do universo de sabedoria das obras elementares da revelação nova do Espiritismo. Nesse projeto somamos esforços um grupo de corações que palmilharam as vivências da educação e ciências afins, todos, além de dispostos, muito esperançosos e felizes por terem a benfazeja oportunidade de estabelecer pontes com o mundo físico, cooperando com nossas teorias, agora redimensionadas pela ótica da Imortalidade na qual estagiamos em exuberante vida e plenitude.

Semelhante iniciativa vem em boa hora, considerando os avanços culturais do mundo nesse setor; justo agora em que a UNESCO prioriza a inspirada diretriz dos pilares educacionais para a humanidade do século 21, propostos pelo relatório Jacques Delors (1). Inaugura-se um tempo novo para os roteiros e curriculos de aprendizagem assentados nos quatro pontos: aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a conhecer, em favor de uma educação mais humanitária e centrada em valores e habilidades do homem, assumindo sua verdadeira condição de sujeito de sua jornada de crescimento em direção à felicidade e à paz.

Agradeçamos juntos a Deus, Pai de Amor infinito, pelas perspectivas de Laços de Afeto através da palavra confortadora e afetuosa, repleta de estímulo e ponderação, de nossa amiga Ermance. Ante a responsabilidade que nos aguarda, renovemos nossos ideais e caminhos para atendermos ao convite sábio exarado pelo senhor Allan Kardec há mais de cento e quarenta anos, trabalhando para que todas as sociedades espíritas colaborem na grande obra regenerativa da humanidade, solidificando, primeiramente, entre suas paredes o clima do Amor cristão e humanitário, envolvendo em seguida todas as demais instituições similares, de um a outro extremo do mundo, com abundante fraternidade, dissipando as sombras do mal.

(1) A fundação francesa Jacques Delors se encarregou de organizar o relatório desenvolvido por vários especialistas de todo o mundo, que compõem a Comissão Internacional sobre Educação para o Século 21. Este relatório, concluido em 1996 é a base da UNESCO para orientar seus projetos de ação. Maiores informações no livro “Educação - Um Tesouro a Descobrir’ - Editora Cortez - MEC.

Helena Antipoff

25 de Fevereiro de 2001


Prefácio

O Milênio de Jesus

“Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus”.

Jesus, Mateus, capítulo 5, versículo 8

Com essa obra homenageamos os dois mil anos do nascimento de Jesus comemorados hoje na Terra.

Celebramos a data relembrando o Amor - cerne das propostas educacionais do Mestre.

E a inspiração para nossas anotações buscamo-la no Seu discípulo da Era Nova, Allan Kardec, tomando por base o excelente tratado de vida interpessoal contido no capítulo 29 de O Livro dos Médiuns, “Das Reuniões e das Sociedades Espíritas”. A atualidade das questões enfocadas pelo Codificador sobre relacionamentos entre companheiros de ideal é roteiro consistente e seguro para a edificação da convivência harmoniosa.

Objetivamos, em “Laços de Afeto”, propor a meditação e o estudo conjunto a partir de fatos colhidos aqui e acolá, na faina doutrinária, destacando a importância da afetividade como degrau para autênticas relações de Amor e base para a criação de um clima espiritual ideal nas instituições fraternais do Espiritismo.

A afetividade é tema de profundos estudos e pesquisas científicas na humanidade, porém, objetivando conduzir os textos para o coração e a meditação, abstraimo-nos do rigor técnico que exigiria pesquisa intelectual dos conteúdos abordados, tarefa essa que vem sendo desenvolvida por competentes cooperadores, em ambos os planos de vida, com expressiva clareza e utilidade.

Alertamos os leitores, especialmente os espíritas, para evitarem conceber nossas abordagens como “manual prático de vida”, transformando os apontamentos em psicologismo ou regras de felicidade imediata. Chamamos a atenção para esse ponto por constatarmos uma tendência humana a “canonizar” idéias provenientes de intercâmbios mediúnicos, convertendo-as em caminhos coletivos da verdade ou normas de soluções fáceis ante os problemas da existência. Cada um deverá absorver nessa ou naquela consideração algo que contribua para seu crescimento, utilizando sempre a “relativização” do saber, do entendimento e da experiência.

Portanto, nada além fizemos que reunir temas sugestivos para o debate amigo e sincero entre equipes de serviço e estudo, priorizando ângulos que emergem como imperativos misteres nas agremiações bafejadas pela luz espírita. Pinçamos alguns ítens de valor do capítulo 29 de O Livro dos Médiuns, e sugerimos o estudo minucioso desse texto da obra basilar, por acreditarmos que constituirá investimento incomparável para a instrumentalização das equipes espiritistas.

Educadores e outros especialistas maduros e cônscios de seus deveres sociais e espirituais poderão, no futuro, contribuir em muito para o desenvolvimento de nossas idéias, levando ao centro espírita os recursos diversos de sensibilização e aprimoramento relacional entre as criaturas, colaborando com o desenvolvimento da vida afetiva em suas nuanças através de técnicas que facilitem a compreensão das “leis e mecanismos do coração”.

Programas educativos do afeto farão parte dos círculos de Amor do Espiritismo em tempo não muito longínquo...

Sociedades espíritas fraternas só serão construídas por homens e mulheres mais dóceis e cordiais, mais confiantes e afáveis, mais amigos e amáveis. A criação dessas novas relações é garantia de uma aprendizagem mais sólida e bem aproveitada em nossas casas espirituais, facultando melhor assimilação dos conteúdos doutrinários e sua conseqüente aplicação no desenvolvimento de habilidades morais e emocionais, tão escassas na convivência entre as criaturas perante a pressão das lutas da vida terrena. Teremos assim, mais afeto, melhor ambiente e bem-estar para conviver e maior motivação para servir e aprender!

Os resultados serão percebidos e sentidos na dilatação da criatividade para soluções dos problemas, na solidariedade aos projetos de Amor desenvolvidos por outros colaboradores, na superação das fronteiras institucionais, no suporte emocional às lutas individuais para alcançar as metas de melhoria interior e, sobretudo, na disposição com os deveres assumidos junto à comunidade que serão executados com mais comprometimento e cuidados nascidos na prestabilidade espontânea.

Assim, laços de confiança e fraternidade tecidos com o fio da sensibilidade resultam em alegria para os encontros, ânimo para a luta diária, força para os instantes de fragilidade e prova, e inclinação para o altruísmo no rompimento dos costumeiros limites, aos quais, quase sempre, guindamo-nos sob o domínio do egoísmo pessoal ou grupal, distanciando-nos uns dos outros na Vinha que é a mesma, e é de todos...

Trabalhar por essa meta é o desafio que a todos nos compete ante as responsabilidades delegadas pelo Divino Rabi e pelo exemplar Allan Kardec.

As bases fraternais na convivência entre os espíritas são os sinais da esperança acenando com as melhores perspectivas nos serviços a serem encetados no porvir do terceiro milênio. Essa é a única garantia de relações capazes a empreendimentos enobrecedores no campo do Espírito.

Trabalhar nas fibras do sentimento, para desenvolver o potencial do afeto cristão, significa direcioná-lo para realizações elevadas do relacionamento na expansão do “ser” - árdua tarefa reeducativa, considerando-se os extensos reflexos de narcisismo e paixão vividos por nós ao longo dos séculos.

Sociedades espíritas afetivas só se concretizam com corações dispostos a amar, e o Amor é suscetível de “treino” e educação para a consolidação de uma conduta amorosa, libertadora e preenchedora.

O Espiritismo abre-nos as portas do entendimento esclarecendo a razão para compreendermos Deus, mas após milênios de naufrágios nas águas turbulentas do religiosismo sem Amor, convém-nos, além de “saber Deus”, o “sentir Deus”, pois é pelas vias sagradas do sentimento que ocorre a fixação dos valores Divinos em nós, conduzindo a crença para os domínios da fé racional, transformando o coração no espelho daquilo que realmente lograremos ser, orientando-nos sempre pelas luzes da imortalidade da alma.

O “Guia e Modelo”, consciente desse assunto, exarou que quem mantivesse o coração limpo veria a Deus, e ver Deus é criar a sublime empatia com Sua obra, vibrando em uníssono com Sua criação, condição essa somente alcançada quando envolvemo-nos na aura do Amor.

O centro espírita, como unidade social do Espiritismo, precisa ser promovido a esse patamar de “escola de afeto cristão”, a fim de não estancar na superficialidade da proposta do Espírito Verdade para a humanidade do terceiro milênio, onde a afetividade será o centro das esperanças de um tempo melhor e a bússola segura para encontrarmos a felicidade em relacionamentos gratificantes e libertadores.

Espiritismo estudado, preciosa chave da informação no cérebro. Espiritismo sentido, alforria espiritual pela transformação do coração.

O terceiro milênio será o verdadeiro tempo de Jesus, liberto do dogmatismo e das negativas tradições passadas, vivido em Espírito e realidade.

Esperançosa em ter colaborado, mesmo que palidamente, com esse objetivo de instaurar um novo tempo para nossas agremiações, muito nos alentará saber que nossas palavras, pelo menos, serviram para deixar claro que a grande causa de nossas vidas é o Amor uns pelos outros acima de quaisquer postulados de caráter doutrinário ou religioso, conforme já fora asseverado pelo Pastor de nossas vidas:

“Meus discípulos serão conhecidos por muito se amarem”.

Dois milênios sem ti Senhor, dois milênios que proclamamos teu nome sem honrar-te os ensinos. Ampara-nos para fazermos nos augúrios do terceiro milênio a era do Espírito imortal, ensejando nosso encontro contigo. Fortalece-nos para transformarmos nossos grupos em celeiros de paz e harmonia, lídimos Educandários do Amor, fiéis a teus postulados, conduzindo a sociedade para um milênio de justiça e lucidez sob a égide de Tua bonança. Auxilia-nos Senhor a limpar nosso coração para merecermos a tão almejada condição de Bem­-aventurados.

Obrigado Jesus pelo Teu Amor durante esses últimos dois mil

Ermance Dufaux

25 de dezembro de 2000


PRIMEIRA PARTE

A Pedagogia do Afeto na Educação do Espírito


Capítulo 1

A Pedagogia do “Ser”

Jesus, o Mestre.

Nós, os aprendizes.

A reencarnação, sublime matrícula no aprendizado.

A Terra, incomparável escola do Espírito.

O Amor, lição essencial.

O afeto, pedagogia do ‘ser”.

O centro espírita, excepcional núcleo educativo da alma.

Eis uma síntese a qual nos propomos desenvolver nessa Primeira Parte, destacando as nossas agremiações doutrinárias como educandários, sem precedentes na sociedade, para o desenvolvimento da competência essencial do Amor.

O afeto é um dos pilares do desenvolvimento humano saudável. Uma habilidade que abre largas portas para a entrada do Amor, porque ser afetivo é laborar com o sentir. Diríamos assim que a afetividade éum degrau para o Amor. E amar é desenvolver-se para “ser”, verbo que traduz o existir Divino ou existir para a felicidade. “Ser” é educar-se, externar o amplo contingente de valores e potencialidades celestes que dormitam há milênios em nosso eu Divino, que nos conduzem ao destino glorioso de Filhos de Deus, à plenitude. Portanto, a pedagogia do “ser” tem no afeto um de seus principais potenciais didáticos.

Ninguém pode “ser” permanecendo agrilhoado aos trâmites expiatórios do “sentir mórbido”, ou seja, essa forma inferior de viver a vida do “homem fisiológico”, voltado somente para as sensações, o prazer, a competitividade selvagem.

Afeto é uma força da alma de incalculável poder. Sua boa utilização demanda sólida formação moral para que o vigor dos sentimentos seja abençoada estrada de libertação nos passos das atitudes.

Esse ‘existir humano” apela para valores nobres a fim de consagrar uma ética do “ser” em identidade com aquilo que de fato é “ser”. Verificamos assim o quanto é relevante o papel do centro espírita, associação que busca, essencialmente, burilar o caráter, a virtude, desenvolver o moral da criatura.

Sob os auspícios de uma casa doutrinária bem conduzida, o desafio do “existir humano” torna-se uma proposta atraente, motivadora, clara e simples.

Nesse tempo de materialismo e do império da razão nossas casas de Amor devem fixar-se na função social reeducativa do sentimento, aprimorando-se cada vez mais para honrar o título de escola da alma, desenvolvendo pessoas felizes, realizadas, dignas e solidárias.

Aprender a amar é pois a competência essencial que deveria fundamentar quaisquer conteúdos de nossas escolas espirituais. Aprender a amar o próximo, aprender a amar a si, aprender a amar a Deus.

E como ensinar o Amor no centro espírita?

Fala-se muito no que devemos fazer, mas pouquíssimas vezes em como fazer. Como amar o outro, a si e a Deus contextualizando?

Contextualizar o conteúdo espírita abstraindo o excesso de informações e trazê-lo para a realidade de seu grupo, priorizar respostas, soluções, discutir vivências, refletir sobre horizontes novos de velhos temas do viver, reinventar a vivência em direção aos apelos da consciência, propiciar à criatura externar sonhos, limitações e valores já conquistados, fazendo da sala de estudos espíritas um laboratório de idéias na ampliação da capacidade de pensar com acerto, lógica e bom senso. Isso se chama educar.

A esse mister somos convocados para uma mudança de paradigmas urgente nas metodologias pedagógicas da casa espírita. Somos convocados a reestruturar essa visão “sacra”, que faz de muitas de nossas células templos de religiosismo, conduzindo seus profitentes a fórmulas de imediatismo e acomodação, ou à absorção do conhecimento espírita em lamentável dogmatismo, recheado de presunção com a verdade.

A pedagogia do “ser” inclui os valores da participação, da interatividade, da cooperação. Não temos outro caminho para arregimentar essas opções didáticas que não seja a formação de equipes, pequenos grupos de amigos voltados para o estudo e o trabalho, congregados em torno de ideais incentivadores da evolução de nossas potencialidades. Grupos que absorvam para a rotina das sociedades doutrinárias projetos de trabalho, ousando o inusitado, o incomum, implantando novas e mais ajustadas propostas de ensino e trabalho no atendimento das demandas humanas, e na consolidação de habilidades e valores que promovam o homem a uma vida mais íntegra, gratificante e libertadora, sob as luzes da imortalidade.

Grupos nos quais a imaginação, o desejo, os sonhos, os limites, as conquistas, as dores, a criatividade, as idiossincrasias, as dúvidas, as respostas, a experiência e, sobretudo, o afeto, possam fazer parte desse projeto de “ser”. Permitir à criatura apresentar-se como está e ensejá-la serviço e conhecimento - o antigo lápis e papel da educação - é matriculá-la na escola da vida sob a tutela dos princípios redentores do Evangelho e do Espiritismo, a fim de que ela, por si mesma, aprenda o caminho do Amor na transformação e no existir de cada instante, em busca de sua felicidade.

A pedagogia do “ser” prioriza o homem, sua experiência pessoal, o relacionamento humano, tendo como pólo de atração o idealismo, que é o centro indutor dos valores morais e a defesa vigilante contra nossas intempéries, provenientes das bagagens vivenciais seculares.

Grupos que se amam e se querem bem, formando ambientes agradáveis para conviver, estabelecem as premissas para esse “ser”, e isso, inevitavelmente, além de felicitar a criatura com o que ela precisa para seu crescimento, também trará reflexos, acentuadamente benéficos, para as realizações doutrinárias graças à alegria e comprometimento com os quais o trabalhador fará sua adesão aos deveres na escola da alma, honrando os princípios espíritas-cristãos com uma vida reta, plena de sobriedade e identidade com a base social da fraternidade e da transformação para o bem, onde quer que esteja participando.


Capítulo 2

Aprender a Amar

Escutamos freqüentemente frases que constituem atestados de incompatibilidade ou admiração instantânea em relacionamentos, emitidas rotineiramente nas diversas rodas de convivência, definindo alguns sentimentos que temos pelo outro como se fossem predestinados e definitivos.

Convivemos, comumente, “ao sabor” daquilo que sentimos espontaneamente por alguém.

Consideremos nesse tema que o Amor não é um automatismo do sentir no aprendizado das relações humanas, como se houvessem fatores predisponentes e inderrogáveis para gostar ou não gostar dessa ou daquela criatura.

Amar é uma aprendizagem. Conviver é uma construção.

Não existe Amor ou desamor à primeira vista, e sim simpatia ou antipatia. Amor não pode ser confundido com um sentimento ocasional e especialmente dirigido a alguém. Devemos entendê-lo como O Sentimento Divino que alcançamos a partir da conscientização de nossa condição de operários na obra universal, um “estado afetivo de plenitude”, incondicional, imparcial e crescente.

Ninguém ama só de sentir. Amor verdadeiro é vivido. O atestado de Amor verdadeiro é lavrado nas atitudes de cada dia. Sentir é o passo primeiro, mas se a seguir não vêm as ações transformadoras, então nosso Amor pode estar sendo confundido com fugazes momentos de felicidade interior, ou com os tenros embriões dos novos desejos no bem que começamos a acalentar recentemente.

O Amor é crescente no tempo e uniforme no íntimo, não tem hiatos.

Mesmo entre aqueles que a simpatia brota instantaneamente, Amor e convivência sadia serão obras do tempo no esforço diário do entendimento e do compartilhamento mútuo do desejo de manter essa simpatia do primeiro contato, amadurecendo-a com o progresso dos elos entre ambos.

Sabendo disso, evitemos frases definitivas que declarem desânimo ou precipitação em razão do que sentimos por alguém. Relações exigem cuidados para serem edificadas no Amor, e esse aprendizado exige os testes de aferição no transcorrer dos tempos.

Se nos guardamos na retaguarda moral e afetiva, esperando que os outros melhorem e se adaptem às nossas expectativas para com eles, a fim de permitirmo-nos amá-los, então, certamente, a noção de gostar que acalentamos é aquela na qual ainda acreditamos que Deus faculta isso como Dom Divino e natural em nossos corações conforme a sua Vontade.

Encontrando-nos nesse patamar de evolução, nada mais fazemos que transferir para o Pai a responsabilidade pessoal do testemunho sacrificial, na criação de elos de libertação junto a quantos esposam nossos caminhos nas refregas da vida.

Amor não é empréstimo Divino para o homem e sim aquisição de cada dia na aprendizagem intensiva de construir relacionamentos propiciadores de felicidade e paz.

Espíritas que somos temos bons motivos para crer na força do Amor, enquanto a falta de razões convincentes tem induzido multidões de distraídos aos precipícios da dor, porque palmilham em decidida queda para as furnas do desrespeito, da lascividade, da infidelidade, da vingança e da injustiça, em decrépitas formas de desamor.

A terapêutica do Amor é, sem dúvida, a melhor e mais profilática medicação do Pai para seus filhos na criação. Compete-nos, aos que nos encontramos à míngua de paz, experimentá-la em nossos dias, gerando fatos abundantes de Amor, vibrando em uníssono com as sábias determinações cósmicas estatuídas para a felicidade do ser na aquisição do glorioso e definitivo título de Filhos de Deus.

E se esse sentimento sublime carece aprendizagem, somente um recurso poderá promover semelhante conquista: a educação.


Capítulo 3

Pestalozzi e a Educação do Coração

Pestalozzi definiu a educação como sendo o desenvolvimento harmônico de todas as potencialidades do ser, considerando como elementos latentes básicos no interior da criatura humana a inteligência, o sentimento e a vontade. Para ele, essa tríade, sintetizada em educar a cabeça, o coração e as mãos, ganhava uma amplitude incomensurável quando se cria a relação de Amor entre educador e educando.

Johann Heinrich Pestalozzi, sem dúvida, foi o educador do Amor. A ele devemos o mérito indiscutível de estabelecer as linhas afetivas da educação em maior proporção que outros pedagogos, demonstrando na sua própria vivência a eficácia de conduzir o processo educacional em elos de afeto.

Assinalamos em suas palavras na “Carta de Stans”(1) a grandeza de suas concepções, como segue:

“Minha meta principal direcionou-se, antes de mais nada, a tomar as crianças irmãs, cultivando os primeiros sentimentos da vida em comum e desenvolvendo suas primeiras faculdades nesse sentido. Com isso, minha intenção era fundir a casa no Espírito simples de uma grande comunidade familiar e, sobre a base de tal relacionamento e da predisposição por ele gerada, suscitar em todos um sentimento de justiça e moralidade.

Atingi meu objetivo com razoável sucesso. Em breve, viam-se setenta crianças mendigas, embrutecidas viverem juntas numa paz, num Amor, numa atenção recíproca e cordial que raramente se encontram entre irmãos de uma mesma família.

Minha ação, nessas circunstâncias, partia do seguinte princípio: procura em primeiro lugar fazer tuas crianças generosas. Pela satisfação diária de suas necessidades, impregnarás sua sensibilidade, sua experiência e sua ação de Amor e de caridade, que se estabelecerão e se consolidarão em seu íntimo. Depois, acostuma-as às práticas em que poderão exercitar e espalhar seguramente a benevolência em seu próprio círculo.”

A grande conquista da educação, segundo o mestre suíço, é a autonomia do homem pela maturidade de suas potências morais, que já se encontram em gérmen em seu mundo íntimo ao nascer.

As teorias modernas da psicologia têm demonstrado a importância essencial da emoção em todas as realizações humanas, confirmando por experiências e pesquisas sérias que o homem é dotado de múltiplas inteligências, sendo que suas habilidades emocionais são as mais aptas a fazer-lhe feliz e bem sucedido.

A visão “Pestaloziana” de educar, além de precursora, éperfeitamente compatível com a meta maior do Espiritismo, ou seja, o melhoramento moral da humanidade, a educação integral do homem bio-sócio-psíquico-espiritual.

Kardec, como aluno da escola de Yverdon, fundada por Pestalozzi, foi notadamente influenciado pela didática da tríade conhecida mais tarde como “Princípio do Equilíbrio de Potencialidades”, ou seja, mãos, corações e cabeça em harmonia. Nota-se em seu comentário na questão 917 de “O Livro dos Espíritos” o quanto essa cultura do emérito pensador suíço marcou sua formação quando diz:

“A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecera arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejaras inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação”.

Esse desenvolvimento harmônico implica fazer crescer o intelecto, o afeto e a ação, não sendo demais afirmar que a coerência entre pensar, sentir e fazer respondem pelo equilíbrio do ser integral.

Temos desenvolvido a razão, mas, temos trabalhado o afeto? Temos disseminado conteúdos espíritas a mancheias, mas os temos contextualizado à vida?

Trabalhamos pela aquisição da fé racional, contudo, semelhante valor só será angariado na ética do “ser”, ou seja, na vivência das “Virtudes Paternas” ínsitas em nosso patrimônio sublime, prestes a descobrirmos pelas vias da evolução.

(1) Trecho da “carta de Stans” na qual é narrada a experiência vivida por esse educador incomparável. Em Stans, ele cuidou sozinho de 80 crianças órfãs da guerra civil deflagrada pela revolução Helvética. “Educação e Ética - Pestalozzi” — Dora Incontri - Editora Scipione.


Capítulo 4

Kardec e a Educação Integral

“Para agradar a Deus e assegurar a sua posição futura, bastará que o homem não pratique o mal?

“Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porqüanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o bem.”

O Livro dos Espíritos questão 642

Conhecida parábola da cultura oriental fala de uma senhora que resolveu abrigar um sábio gurú no quintal de sua residência. Deu-lhe comida, abrigo e tranqüilidade para que o homem de meditações pudesse cumprir sua missão.

Certa feita, desconfiada sobre a integridade do guru, resolveu aplicar-lhe uma prova.

Contratou a preço de cinco moedas de ouro uma belíssima vendedora de ilusões e bailarina para aferir a resistência do homem santo.

Na noite aprazada lá estava ela na cabana, tentando incendiar os apetites inferiores do guru com a sensualidade e a beleza. Bailou, despiu-se, provocou, mas o homem era de “gelo”, mantinha-se impassível, quieto, em estado de plenitude. Então, depois de longo tempo ela desistiu e retornou até a senhora dizendo:

- Tentei de tudo e nada, ele é um homem santo.

Intrigada, a hospedeira do guru indaga:

- Mas ele não lhe disse nada, não fez nada, uma só palavra?

- Não, senhora!

- Então toma tuas moedas, você fez sua parte.

Inusitadamente, a seguir ela tomou de uma larga vassoura e seguiu aos gritos em direção à cabana, assustando a vizinhança que conhecia o carinho com o qual tratava o meditador. Em lá chegando, espancou o homem, destruiu a cabana e em alta voz disse para que todos ouvissem:

- Testei esse homem com a luxúria, ele resistiu por três noites ao apelo de atraente e sedutora jovem, permaneceu em estado de oraçÕes, e quanto a isso eu o aplaudo. Porém, suas práticas são de nenhuma utilidade para o mundo, porque ele nada disse àquela jovem que pudesse servir de orientação e força na restauração de um caminho novo. Se é um homem de Deus, deveria agir pelo bem e não somente evitar o mal.

* * * *

Evitar o mal necessariamente não edifica valores, enquanto fazer o bem significa acionar os recursos divinos latentes através do dinamismo da caridade.

Evitar o mal é contenção e disciplina, sendas formadoras de caráter, entretanto as realizações no bem sulcam a profundidade do sistema afetivo, fixando e dinamizando forças morais nobres.

Educação resume-se em transformar impulsos e desenvolver potencialidades. O ato de apenas conter sem renovar, pode levar aos mais sofridos caminhos da radicalização, do fanatismo e de variadas expressões neuróticas em direção a mais intensas desarmonias da psique.

O ato educativo é um ato de Amor nas relações que destinem ao crescimento para “ser”.

O processo de evitar o mal é adquirido com o domínio ocasionado pela disciplina dos sentidos e dos impulsos, enquanto a dinamização do bem exige da razão e do sentimento o desenvolvimento de condições interiores que edifiquem valores, treinem habilidades e façam surgir com maior plenitude as tendências inatas do bem que se encontram latentes e, quase sempre, “estáticas” na alma. Dessa forma, quando os Espíritos dizem: “Fazer maior soma de bem do que de mal constitui a melhor expiação (1), é porque quase tudo conspira contrariamente para aquele que deseja melhorar, as reações são-lhe fortes reflexos do mundo interior desconhecido de si mesmo.

Diríamos que educar é encontrar respostas para os enigmas do existir, razão pela qual somente amando o outro e a nós mesmos conseguimos encontrar tais tesouros da vida.

Chamamos de integral o ato educativo com Amor, seja na prática pedagógica ou na vida de relação social.

A ausência de valores ético-morais dignificadores em nossas vidas sucessivas permitiram as perdas, as paixões, as crises, os traumas, os bloqueios e as traições, ferindo as fibras sensíveis da estrutura afetiva do perispírito, tendo como reflexos a culpa, o medo, a ansiedade, a frustração, a tristeza, o conflito, a insegurança e a indiferença quais fossem “nódulos e abcessos emocionais” que se apresentam em múltipla conotação psicopatológica, conforme o caráter de seus portadores, determinando o temperamento e a conduta. Agravados pela educação infantil da existência presente, tais “nódulos e abcessos” são inflamados e começam a purgar incontinentemente.

Diagnosticando esse dinamismo patológico, passa-se então àetapa do desenvolvimento das habilidades emocionais, capazes de promover novos e mais saudáveis sentimentos que libertem o ser dessa precariedade do afeto, quais sejam a coragem, a segurança, o auto-Amor, a serenidade, a alegria e a paz. A conquista dessas habilidades surge na busca pela auto-educação, regida pelas diretrizes evangélico-­doutrinárias como excelente terapia curativa dessas “pústulas do sentimento”.

A educação do afeto inicia-se pelo estudo perseverante de si no conhecimento dessas manifestações sombrias do coração, suas raízes, suas armadilhas, suas máscaras. Posteriormente enseja uma nova forma de viver e “ser” pelo treino da empatia, da alteridade, da assertividade, da autenticidade.

O objetivo maior da vinda do homem à Terra é a sua melhora espiritual. Tal mister só será plenificado na medida em que aprender a amar, porque o Amor é o decreto sublime do universo para o crescimento e a felicidade de todos os seres.

Verificamos o centro espírita e sua importância como educandário do Amor face à didática estimuladora de conhecimentos e da vivência através da ampliação do saber e de transformação do caráter. As organizações humanas, com poucas exceções, fazem uma leitura adulterada das manifestações afetivas, tornando-as desprezíveis e com conotações de interesses inferiores e falsidade. Outras vezes, algumas pessoas mais afetuosas, quando possuem uma visão egocêntrica, recuam e tolhem a espontaneidade do carinho face aos desapontamentos das relações ingratas e decepcionantes. Assim, formam-se estigmas sociais acalentados pela maioria, sufocando as expressões de sensibilidade humana nas torres frias da indiferença e do desamor, para os quais a grande maioria dos homens foram “educados” no aprendizado de esconder o que se passa nos recônditos escaninhos do afeto.

Quanto nos valerá a reencarnação tendo os raciocínios iluminados pelos princípios estruturais da doutrina sem, contudo, jorrar essa luminosidade sobre o coração?

A fraternidade, expressando a síntese das virtudes cristãs, é a meta ética de todo o corpo filosófico e científico do Espiritismo. Eis, portanto, que tarefa grave aguarda nossas vanguardas doutrinárias no cenário conturbado da sociedade materialista dos dias atuais, junto às almas que ingressam para suas fileiras em ambos os planos existenciais.

(1) O Livro dos Espíritos, questão 770 A.


Capítulo 5

Maturidade Afetiva

A afetividade é inerente ao desenvolvimento dos valores do Espírito na sua caminhada milenar na aquisição da maturidade.

Quanto mais maduro espiritualmente, mais disposto ao afeto encontra-se o ser.

Questões como a educação na infância, com marcante influência dos pais e da sociedade sobre o psiquismo da criança, influenciam fortemente a vida afetiva para toda a existência, embora ainda aí não possamos escapar de reconhecer que a maturidade espiritual é capaz de sobrepor-se a esses fatores, caso seja patrimônio conquistado pelo Espírito.

Com a luz da reencarnação fica mais nítida outra fonte de complexas causas para o “endurecimento” do afeto, quando analisamos as vivências culposas, as mágoas cultivadas longamente, a ausência de limites morais ao exercício do Amor e a rebeldia sistemática aos alvitres do crescimento espiritual.

Conflitos e frustrações, traumas e carências, culpas e ódios, indisciplina e revolta, seja dessa ou de outras existências carnais, são os componentes principais de quem não conseguiu estabilizar sua vida emocional e psíquica, sendo essas “feridas do coração” que irão determinar inibições nas relações afetivas na futura experiência corporal do Espírito, trazendo desde o berço as matrizes de paz ou desequilíbrio, sossego ou inquietude, alegria ou distmia, que pedirão elevadas quotas de atenção e cuidados.

A cicatrização dessas “feridas do afeto”, que mais não são que o narcizismo proveniente da imaturidade espiritual em crise de insegurança e auto-piedade, desejando ser amada sem amar, requer o testemunho de aprender a amar a si mesmo e ao próximo incondicionalmente. Somente a experiência terapêutica do Amor é capaz de sanar semelhantes desequilíbrios emocionais, transformando situações traumáticas e dolorosas em experiências enriquecedoras para a vida.

A “reconstrução do afeto”, portanto, é fator de reeducação do coração que vai burilando e refazendo as vivências, dia após dia, através da convivência na busca do elastecimento da sensibilidade.


Capítulo 6

Educação do Afeto

Costuma-se asseverar que a distinção entre o homem e o animal é a inteligência, com o que ousamos discordar, com todo respeito aos conhecimentos tradicionais. Grande parte dos homens, detentores da capacidade de pensar com continuidade e de decidir sobre suas ações, estão agindo à semelhança ou pior que os irracionais, em plena ausência de ética, na quase total incapacidade de escolha.

Para nós, o que distingue esses reinos e faz o homem mais apto ante a Criação Divina é a forma de sentir a vida, facultando-lhe melhor possibilidade de utilizar as habilidades e competências inatas no íntimo, destinando-as à construção do ser.

O avanço das pesquisas na neurociência permitiram ampliar as noções sobre inteligência, constatando uma multiplicidade de habilidades muito além da cognição.

O Espírito as desenvolve no tempo; exemplo disso é a inteligência cinestésica comum em esportistas ou a pictográfica que faz desenhistas e pintores natos.

Oficialmente, divide-se essas habilidades e competências em inteligência intrapessoal e interpessoal, sendo a primeira na relação interna e a segunda na relação com o outro.

Essas inteligências consistem na habilidade de reagir com equilíbrio ante os fatos da vida. Conquistada nos séculos, capacita a individualidade com enorme desenvoltura na arte de decidir com o coração. É fruto de longa aplicação da virtude da ponderação e da honestidade em milênios, cultivadas na dignificação da sensibilidade com a qual aprende-se a pensar pelo sentir. Força descomunal tem a o afeto sobre a inteligência dos raciocínios, manifestando a intuição, a fé e a capacidade de escolha com mais sintonia com o bem.

Indubitavelmente o quesito que mais declara o coeficiente de habilidade afetiva de alguém é ter para si mesmo a convicção plena e vivenciada de que é mais valoroso dar afeto que recebê-lo, levando seu portador a ser um mensageiro inexaurível de otimismo, irradiante alegria, vigor solidário e plenitude de respeito aos de sua convivência, gratificando-se no ato de amar, mesmo que não seja amado. Além disso, devido ao cultivo secular da ponderação, tal criatura é dotada de extenso e espontâneo desejo de aprender, com inalterável jovialidade sobre seu conhecimento, não o fazendo um instrumento de destaque ou humilhação, mas colocando-o a serviço do seu crescimento e do grupo social onde participe.

Evidentemente, como trata-se de um ser que acalentou e acalenta a virtude da honestidade moral, traz a consciência límpida, sem os tormentos da culpa asfixiante e neurotizante, conquanto esteja expurgando por vias mais saudáveis seus erros de outrora.

Esse estado consciencial é fator determinante do fluxo do sentimento, que exsuda pelos “poros” como um perfume natural da criatura, irradiando em halo de vigorosa atração e magnetismo salutar.

Nos programas doutrinários para a educação do afeto nas relações, destacamos algumas importantes lições a serem estudadas e exercitadas:

- Conhecer os sentimentos.

- Adquirir o controle sobre as reações emocionais.

- Saber conviver harmoniosamente com os sentimentos maus.

- Saber revelar seus sentimentos com assertividade.

- Exercitar a sensibilidade.

- Expressar o afeto na convivência.


Capítulo 7

Corrosivos da Sensibilidade

A educação do coração no estágio em que nos encontramos conta com empecilhos de largas proporções para o exercício do Amor.

Existem sulcos psico-emocionais profundos no “aparelho mental” que funcionam ativamente como “inibidores do afeto”, compondo entraves vigorosos nas fibras da sensibilidade junto ao sistema da afetividade do ser integral. Adquiridos em milênios de renitente rebeldia no erro, tais óbices fazem parte desse desafiante processo auto-educativo nos rumos da aquisição do patrimônio do Amor.

A culpa, a mágoa, o preconceito, a ingratidão, o medo, o azedume e as frustrações são os monturos emocionais mais comuns e corrosivos do sentir Divino, fatores perturbadores, alteradores e neutralizadores do funcionamento harmonioso do pulsar emocional. “Conquistas” nossas das quais teremos que aprender a nos libertar.

Outros corrosivos adjacentes e agravadores são os traumas infantis, bloqueios defensivos de vivências pretéritas, doenças endócrinas, distúrbios do humor, estima corporal, relacionamentos de conveniência, sobrecarga com interesses materiais e competitividade exacerbada, tensões físicas e emocionais, cansaço, inquietação interior e sentimentalismo - fatores perturbadores da expansão afetiva.

Nenhum deles, porém, é eterno ou insuperável quando a alma se abre para o auto-descobrimento, a disciplina, a ação no bem.

A direção que imprimimos ao afeto, seguida de decisões infelizes, esculpiram a natureza enfermiça de tais sentimentos, porém nada nos impede de renovar essa “qualidade imperfeita” e retomar a “condição natural” das emoções que foram adquiridas para a felicidade e a paz, esse o seu destino maior.

E como encetar uma nova caminhada? Como nos recompormos ante a consciência?

Resgatar a sensibilidade e enobrecer a ação são alguns dos desafios. Vamos pensar sobre isso?


Capítulo 8

Desenvolvimento da Sensibilidade

“Se os homens se amassem com mutuo Amor, mais bem praticada seria a caridade; mas, para isso, mister fôra vos esforçásseis por largar essa couraça que vos cobre os corações, a fim de se tornarem eles mais sensíveis aos sofrimentos alheios. A rigidez mata os bons sentimentos; o Cristo jamais se escusava; não repelia aquele que o buscava, fosse quem fosse: socorria assim a mulher adúltera, como o criminoso; nunca temeu que a sua reputação sofresse por isso. Quando o tomareis por modelo de todas as vossas ações? Se na Terra a caridade reinasse, o mau não imperaria nela; fugiria envergonhado; ocultar-se-ia, visto que em toda parte se acharia deslocado. O mal então desapareceria, ficai bem certos.” Pascal (Sens, 1862.)

O Evangelho Segundo o Espiritismo capítulo 11, ítem 12

O afeto já existe plenamente dinâmico na vida da criatura adulta, portanto, quando utilizamos o termo desenvolvimento aplicamo-lhe mais o sentido reeducativo das relações no burilamento da conduta amorosa, haja vista que, na maioria dos casos, nossa afeição é jugulada a conflitos e perturbações de variada natureza advindos da infância, das vivências pré-existênciais e de outras reencarnações. Assim, quando utilizamos “reeducação” estamos associando-lhe a imprescindível conotação de desenvolvê-la e treiná-la sob os auspícios de valores morais enobrecedores.

Nesse prisma, a vida é um convite permanente para aprimorarmos nossa capacidade de sentir através da administração da sensibilidade afetiva.

Antecedendo a espontaneidade nessa tarefa, deveremos nos habituar a olhar o mundo, a natureza, os acontecimentos, as pessoas, sob uma ótica reflexiva, pelas vias da “meditação espontânea”, buscando sempre os “porquês” de tudo, ainda que, em princípio, não tenhamos condições de compreender com profundidade em nossas análises.

Buda falava da compreensão como virtude essencial para integração do homem com as Leis do Universo.

Por que aquele velho ajunta papéis na rua em serviço sacrificial e impróprio à sua idade? Por que aquele grupo de alcoólatras reuniu-se formando um séquito de desistentes da vida? Por que aquele médico bem sucedido terá se embrenhado por auxiliar a comunidade que padece os problemas das drogas? Por que aquele político austero, desonesto e arrogante terá conseguido lograr um lugar de destaque no cenário da administração pública? Por que aquele cientista dedicado deu sua vida a descobrir como o câncer se processa? Por que um Espírito renasce para servir a sociedade na condição de pedreiro e mestre de obras? Que aprendizado estará fazendo o homem cuja profissão é ser porteiro de prédios ou segurança armado de organizações? E um policial, qual sua necessidade como ser em viagem para a perfeição? O que confina uma alma em rincões afastados na condição de silvícolas, em extremo anonimato e sob o guante de várias intempéries? Quem é aquele vizinho que teve a infelicidade de cometer uma tragédia? O que passa nas sombras de vários dramas e tragédias humanas? Por que aquela mulher estagia num prostíbulo? Quem são os “meninos de rua” e quais serão suas histórias espirituais?

Precisamos aprender a sensibilizar-nos com os dramas da vida, com fatos noticiosos, como a fome no Sudão, como a matança em Timor Leste, como o naufrágio de dezenas de marinheiros a bordo do submarino Kürsk. Fatos distantes de nós, mas igualmente importantes como a alegria dos amigos, as vitórias dos estranhos, o sucesso dos outros, a dor de um conhecido, o sofrimento dos “injustiçados”, a loucura dos perversos, a insanidade dos iludidos, a violência urbana a nosso lado, o mendigo que pede pão, o profissional da esmola, a juventude atolada no vício, alguém irado no trânsito.

Além disso, e prioritariamente, aprendermos a sensibilizar-nos com o sucesso escolar do filho, o esforço da companheira no lar, o heroismo do esposo em servir, com o sorriso da criança no brincar, a dedicação sagrada da mãe em ser útil, com a devoção paterna em proteger, com a reunião familiar para a alimentação, com a oração feita em conjunto, com a modéstia e a simplicidade adotada pelos filhos, ante o exemplo dos pais na conduta reta perante os deveres da família; enfim, essa é a grande escola do afeto em direção a Deus: o lar. Nele são trabalhadas as primeiras lições sobre as crenças e os moldes mentais morais para o homem do futuro aprender a sentir o mundo e a vida sob o prisma do Amor.

Sensibilidade deve ser distinguida de emotividade, comoções sentimentalistas, que, muita vez, são manifestações do afeto comprometido pelos traumas, culpas e frustrações. Tais lances do coração são expressões de desopressão em ciclos de mais intenso sofrimento ou emersão de conflitos emocionais não resolvidos.

A sensibilidade, entendida como recurso de elevação espiritual, sempre ilumina o raciocínio, levando o homem a lições imarcescíveis e ocultas aos olhos comuns, não habituados e inabilitados a enxergar a essência dos fatos.

Na ausência da sensibilidade jamais entenderemos os motivos subjetivos de cada ser, e nessa impossibilidade nos abstemos das preciosas lições evangélicas do perdão, da tolerância e da solidariedade, e, sobretudo, da compreensão, sem a qual não lograremos olhar a vida com as lentes da alteridade e do Amor.

O “essencial é invisível aos olhos”, afirmou o genial Exupéry (1).

Por outro lado, a insensibilidade motiva a indiferença que pode levar a atos de desamor nas impérvias atitudes da crueldade.

Jesus, na condição de eminente psicólogo, asseverou que por causa da iniqüidade o Amor de muitos esfriaria, conforme se lê em Mateus, capítulo 24, versículo doze. Essa iniqüidade também presente na seara espírita não deve nos impedir a idealização de projetos doutrinários nas agremiações, cujo perfil seja centrado em relações afetuosas e compensativas.

(1) Antoyne d’Saint Exupéry. – Autor de “O Pequeno Príncipe”.


Capítulo 9

Centro Espírita e Afeto

“Findando-se o egoísmo no sentimento do interesse pessoal, bem difícil parece extirpá-lo inteiramente do coração humano. Chega-se-á a consegui-lo”

“A medida que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão às coisas materiais. Depois, necessário é que se reformem as instituições humanas que o entretém e excitam. Isso depende da educação.”

O Livro dos Espíritos questão 914

O afeto, entendido como nutrição espiritual insubstituível e essencial, sempre será preventivo e profilático em todas as fases da vida. Entretanto, para o amadurecimento integral do ser, inicia-se uma etapa de vivência em que a vida exigirá maior soma de doação em contraposição às contínuas expectativas de ser amado.

O centro espírita, nesse ínterim, pode oportunizar a valorosa e preenchedora experiência do Amor auxiliando o homem na reeducação de suas tendências, no conhecimento de si, no exercício da solidariedade material e relacional e na supressão do personalismo, que permitirá o potencial afetivo dirigido a realizações nobres e gratificantes.

Caridade! O melhor exercício para a sensibilidade.

Atividades cooperativas e solidárias realizadas em ambiente de bem-estar moral e espiritual serão fortes estímulos à força “pulsional” do coração, muitas vezes aprisionada pelas traumáticas lições sócio-afetivas da presente existência, nas quais o autoritarismo e o medo foram os instrumentos pedagógicos limitantes, provocando relações artificiais sob a constrição das “tiranias do coração”, em larga escala adquiridas na infância.

Na casa espírita devemos encontrar esse espaço para “ser”, já que a sociedade, em função do “ter”, vem bloqueando os valores pessoais e as potências da alma. Será que já imaginamos o centro espírita como uma “praça” de convivência ou um núcleo formador da família espiritual pelos vínculos do coração?

Precisamos dar encanto ao ambiente espírita, reinventar sua proficiência.

Reflitamos na fala do Espírito Verdade acima. “Preciso é reformar as instituições que entretêm o egoísmo”.

Grupos sadios não devem ser conduzidos como um ‘todo uniforme”, passivamente e regidos por diretrizes somente aprovadas pelos seus líderes, guardando semelhança com as envelhecidas estruturas religiosas.

A pedagogia do afeto é abertura para a riqueza dos sentidos individuais sem o personalismo dos desejos superiores, dos sonhos de crescimento moral, através dos quais o processo educativo será mais efetivo. A própria construção do saber espírita está fortemente vinculada às idiossincrasias, à diversidade interpretativa, com as quais enxergamos novos ângulos e exploramos com mais profundidade as temáticas de estudo.

Precisamos assumir para nós as responsabilidades da hora, e declarar com transparência e respeito quais são as emergências em nossas realizações espirituais.

É incoerente a realidade atual que envolve a casa doutrinária! Tanta profundidade filosófica em favor das carências humanas, verdadeiro celeiro de recursos para o “ser” integral e, no entanto, com uma estrutura deficiente no que tange a dar suporte e assessoria a seus componentes, quando o assunto é a vida interior e os esforços na luta auto-educativa.

Enquanto isso o trabalhador sofre dores psicológicas e emocionais sem revelar, ou sem essa chance de as revelar. Face a essa carência de respostas e horizontes, quando não se alcança o mínimo para prosseguir, penetra no desestímulo e o abandono dos ideais.

Além disso, freqüentemente, busca-se enquadrar as dificuldades humanas nos domínios da obsessão e de anteriores existências, alimentando imaginações férteis em mentes menos maduras, gerando um fanatismo sutil e incentivador de atavismos, negando o presente e deslocando a realidade para o passado e a vida espiritual.

Para agravar ainda mais, em núcleos diversos, instala-se um sistema de vigília da conduta alheia premiando as cobranças e atiçando os melindres em quase completo descaso com as limitações e fragilidades alheias. Impera o egoísmo.

O resultado final de tudo isso é a perda dos frutos do Espiritismo no auto-conhecimento, no fracasso dos relacionamentos nos grupos de atividade, a repressão da sombra interior e o quase estacionamento no crescimento pessoal.

Não vivamos de lamentações e labutemos para mudar esse panorama existente em expressiva parcela de nossa seara.

Como o centro espírita pode ajudar no fortalecimento de laços de amor entre seus integrantes? Como pode auxiliar na dilatação da sensibilidade?

Vejamos alguns pontos que desenvolveremos no transcorrer de Laços de Afeto que constituem indicadores de qualidade das equipes doutrinárias:

- Motivar o espírito de equipe.

- Valorizar a capacidade cooperativa de qualquer pessoa.

- Promover através da delegação, criando o policentrismo sistêmico.

- Investir na capacitação do trabalhador como pessoa e ser social.

- Ensejar realizações específicas para a revitalização do afeto no grupo.

Valorosa será a contribuição da casa doutrinária que facilitar a seus participantes a reflexão, a instrução e os relacionamentos responsáveis, auxiliando o homem atordoado e infeliz da atualidade a assumir um compromisso consciente com a melhora de si mesmo através da reeducação dos sentimentos. A proposta da transformação íntima encontra nesse quesito do coração o seu ponto essencial para as mudanças de profundidade, já que o motivo causador da atual condição espiritual desse homem atordoado deve-se, acima de tudo, aos desvios afetivos de outrora, que sedimentaram reações emocionais destoantes com o sentimento de Amor autêntico, fonte de saúde e vitalidade para “ser”.


Capítulo 10

Kardec e a Unificação

O ano de 1860 foi uma etapa de vitórias para os primórdios do movimento espírita nascente. Allan Kardec empreende um extraordinário circuito de viagens encetando um promissor labor de difusão e união entre os espíritas.

Para nossa meditação vale ressaltar, no denodo do Codificador, alguns fatos marcantes que deixaram verdadeiros lances de unificação espontânea na história do Espiritismo, sob os auspícios da fraternidade.

Após viagem cansativa é recebido em Broteaux, Lyon, por um casal simples e amorável e, naquele instante magnânimo de aperto de mãos, sela-se entre o Sr. Rivail - aristocrata de Yverdon - e aquele operário humilde um clima de concórdia e respeitabilidade que jamais se apagou na retina mental de ambos. Ali consagrou-se, no regime do mais puro amor, o primeiro encontro de dirigentes espíritas que consolidou laços de estima e duradoura fraternidade - alma das idéias espíritas.

Kardec, dignificado pelo trabalho na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, era credor de incondicional admiração entre todos os que lhe ciceroneavam os caminhos. Sua palavra confortadora era um misto de esclarecimento e alerta que extasiava as platéias com insofismável encanto, deixando os ouvintes com desejo incontido de lhe escutar ad’eternum...

Após alguns anos desse episódio, vamos pinçar um novo quadro da extraordinária vida missionária do apóstolo na era nova. Em cena bucólica, narrada por Léon Denis na viagem Espírita de 1867, o mestre impressiona pela sua pureza e inocência, quando fora visto em cima de pequena mobília colhendo frutas e atirando-as à Madame Boudet (1). Nesse gesto singular, assinalamos essa epopéia de descontração para construir a imagem que deve compor os atos dos homens sérios e investidos de severos deveres espirituais, a fim de não perderem o contato com a sensibilidade dos atos de afeto e pureza com quem lhes priva a intimidade nos seus parcos minutos de folga, comprovando que as vivências íntimas, repletas de abundante sentimento, refletirão, igualmente, nos compromissos doutrinários, estabelecendo os pilares de uma união e interação consistentes e permanentes em favor da causa espírita nas relações humanas.

Essa proposta de uma unificação relacional concretizada em encontros efusivos de amor, que suprem quaisquer parâmetros de formalidade e rigor, é, sem dúvida, o alvo que precisamos perseguir nos dias atuais.

Se o Codificador, a pretexto de compor um sistema centralizador, deliberasse fazer da Sociedade Espírita Parisiense um pedestal de domínio e enclausuramento, com certeza os grupos com os quais correspondia não o aguardariam com a mesma expectativa que povoara seus dias de muita esperança nos colóquios e eventos realizados no Espiritismo nascente. No entanto, sua consciência de missão serviu-lhe de escudo e motivação, e ele foi, indubitavelmente, o primeiro esforço de unificação do Cristianismo renascente, reativando as viagens Paulinas dos tempos primeiros do Cristianismo, nas quais o Apóstolo dos Gentios serviu além muros de Jerusalém, fincando vigorosos núcleos de evangelismo.

Hoje somos convidados a implantar e resgatar esse aperto de mãos que “destrona” máscaras e faz entre os homens espíritas um elo de Espírito a Espírito, instaurando o esplendor da era do ecumenismo do afeto, cuja base é a fraternidade sentida e vivida, mesmo quando haja o entrechoque necessário e construtivo das idéias, garantindo que, sob a égide do respeito com as diferenças uns dos outros, nossas relações palmilharão cada vez mais pelas veredas dos melhores sentimentos de aliança, soma, coesão e irmandade.

O grande ideal que a todos deve nos irmanar é o testemunho de amar apesar de nossas diferenças!

De mãos dadas, mesmo que por caminhos divergentes no entendimento, prossigamos a laborar por dias melhores em favor da progressividade das idéias espíritas nas nossas Casas Doutrinárias, em favor da formação da era de paz plena com a fraternidade aplicada.

As mãos são símbolo vigoroso de união e trabalho, humanização e solidariedade. A esse respeito, assim se manifestou o senhor Allan Kardec:

“Homens da mais alta posição honram-me com sua visita, porém, nunca, por causa deles, um proletário ficou na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe se assenta ao lado do operário. Se se sentir humilhado, dir-lhe-ei simplesmente que não é digno de ser espírita. Mas, sinto-me feliz em dizer, eu os vi, muitas vezes, apertarem-se as mãos, fraternalmente, e, então, um pensamento me ocorria:

“Espiritismo, eis um dos teus milagres; este é o prenúncio de muitos outros prodígios! (2)

(1) Esposa de Allan Kardec

(2) Viagem Espírita de 1862 - discurso 1


SEGUNDA PARTE

Caminhos do Amor Convivência


Capítulo 1

Humanização na Seara Espírita

“A bandeira que desfraldamos bem alto é a do Espiritismo cristão e humanitário, (...)”

O Livro dos Médiuns capítulo 29, ítem 350

Expositores inspirados, que sensibilizam mentes e corações, derrapam, impacientes e raivosos, em pequenos incidentes de imprudência no trânsito das vias públicas, cinco minutos depois de deixar a tribuna espírita.

Sorrisos, abraços festivos, alegria e afeto efusivos dos encontros doutrinários arrefecem-se, inesperada e incompreensivelmente, alguns poucos minutos depois, quando ficamos a sós com as mesmas pessoas antes entusiasmadas.

Lidadores valorosos embrenham-se no cipoal de suas “folhas de vivências” doutrinárias, alienando-se do contato salutar e espontâneo, aguardando dos outros o aceno de idolatria ou de cordialidade que todos lhe devem, segundo sua interpretação, ante o pedestal de experiências, enquanto, tal colaborador, muita vez, não encontra motivação para emitir um essencial “bom dia” ao deparar-se nos ambientes sociais com alguém de seu grupamento.

Pais distribuem alimentos e carinho aos sofredores sociais em magnífica pôse de caridosos, no entanto, meia hora depois, no lar, são impotentes para beijar os seus próprios filhos com ternura. Tais atitudes que integram o cotidiano de muitos de nós, os espiritistas, merece uma avaliação oportuna.

Almas mais sensíveis, perante esse episódio de repentina transformação da postura afetiva, não conseguindo entender suas causas, atribuem à hipocrisia, incoerência e deseducação esse fenômeno comportamental.

Observa-se claramente, nos exemplos acima discriminados, uma lamentável defazagem entre a presença do obreiro espírita nos seus ambientes de espiritualização e suas lutas diuturnas além fronteiras do centro espírita.

Qual será a razão dessa alteração afetiva indesejável? Que tem faltado ao aprendiz espírita para transportar ao seu convívio social esses momentos de enlevo emocional desfrutados junto aos grêmios cristãos? Não estaríamos, ante tais circunstâncias, vivenciando um “afeto artificial” ou um “pseudo-afeto” dentro dos ambientes doutrinários? O que nos leva a essas mudanças súbitas de estado emocional?

As leiras de relacionamento espírita ensejam melhores expressões do afeto em razão da ausência de fatores sociais coercitivos que distanciam os homens. Seu caráter voluntário e não proibitivo suscita a boa-vontade e a espontaneidade, levando as criaturas a sentirem-se bem aceitas na sua colaboração, criando um clima para relações agradáveis e benfazejas.

Todavia, essa não é a realidade da sociedade escravizada por relações de conveniência, nas quais o interesse pessoal e grupal definem seus códigos de comunicação, sua linguagem e sua praxi. Assim, fica o aprendiz espírita com largo e intransferível desafio íntimo de saber como transportar, para semelhantes quadros de suas experiências, as “boas novas” que vem fruindo no contato com as tarefas doutrinárias.

Quando elegemos a humanização na seara espírita não avocamos somente a proposição de sermos mais afetivos. Tratamos sim de uma releitura sobre o foco dos objetivos assinalados para desempenho junto aos grêmios espíritas cristãos.

Hoje destaca-se o centro espírita como escola de Espiritismo, quando o futuro acena para que ele se promova à condição de escola do Espírito.

Tais terminologias podem aparentemente significar a mesma coisa, no entanto, existe uma ontologia, uma razão de ser em tais perspectivas que define posturas e propostas bem diversas. Como escola de Espiritismo, em muitos casos, os conteúdos doutrinários são mais valorizados que o homem, enquanto o foco na escola do Espírito converge as finalidades da agremiação para o “ser”, ou seja, sobre a complexidade existencial da criatura, suas necessidades, seus valores, suas habilidades.

Precisamos promover a casa espírita de mera escola de estudos sistematizados e planejados para um centro de convivência e treinamento para desenvolvimento dos traços morais da regeneração.

Ensinar Espiritismo sem auxiliar o Espírito a tornar-se um ser integral pode apenas significar transmissão de conteúdos, informação, conhecimento. Para isso, os ambientes de Amor e estudo espíritas haverão de transformar-se pelo jejum da indiferença e pela oração do afeto vivido. A pedagogia do afeto na educação do Espírito tem regime de urgência.

Ampliemos o raio de influência do Espiritismo em nós, dilatando suas concepções para além do cérebro, atingindo o sagrado templo do coração. Espiritismo na inteligência é informação; Espiritismo no sentimento é transformação.

Quando falamos em humanização, referimo-nos àcontextualização, que é oferecer aos profitentes espíritas os instrumentos para que possam fazer dessa informação espírita a sua transformação espiritual. Conhecimento no cérebro quando é contextualizado tem o nome de saber. E saber, em outras palavras, quer dizer aprender as respostas e os caminhos para desenvolver seus potenciais humanos na edificação da felicidade própria e daqueles que nos rodeiam. O saber é o conhecimento intelectivo que foi absorvido pelo coração.

Contextualizar, portanto, é humanizar a seara. Para contextualizar oferecendo condições aos nossos irmãos de obterem sua paz e suas “respostas Divinas”, precisamos rever esse foco da missão do centro espírita, evitando que se torne um lugar de “bancos frios” nos quais assentem “alunos” com largos cabedais intelectuais sobre a novel doutrina, mas com franca inabilidade para se amarem e transportarem esse Amor ao mundo social em que estagiam.

Contextualizar é descobrir horizontes, respostas, caminhos. Éconstruir o saber espírita através do auto-conhecimento, descerrando para si mesmo os enigmas da existência.

Podemos questionar qual utilidade terá para nós o aprofundamento nas encantadoras temáticas espíritas se, muitas vezes, em nada ou quase nada tais temáticas estão auxiliando-nos a sermos homens e mulheres de bem, escondendo a vida afetiva onde pulsamos com a nossa mais profunda realidade!

Preparados desde o berço para o sucesso material, raras vezes recebemos “aulas” sobre o Amor. Fomos treinados socialmente para esconder os sentimentos, camuflar as emoções. A educação afetiva, portanto, é o grande desafio no capítulo da transformação interior do “ser”. Ocorre, em verdade, que os seres humanos não estão preparados para serem “humanos”.

O século 21 será o tempo das habilidades pessoais, dilatando os valores humanos em contraposição ao século 20, que foi o período das habilidades técnicas e mecanicistas.

Sigamos os rumos apresentados pela UNESCO (1), que estabeleceu os quatro pilares da educação para o século 21 em aprender a ser, aprender a fazer, aprendera conviver, aprendera conhecer, e empreendamos uma nova era para nossas casas de amor definindo-as como lar espiritual para formação da família universal.

Uma nova e promissora vereda desponta-se na vida daqueles que fruem o ambiente do centro espírita. Na casa de Jesus e Kardec o Amor é lição primeira, e as relações abrem-se para o afeto. Não estando regulado por rígidas hierarquias, nem sob a tutela do frio institucionalismo, a casa espírita apresenta-se como escola social das relações sinceras e duradouras, verdadeiro núcleo de treinamento da convivência regenerativa. Nossa grande meta é o desenvolvimento da afabilidade e doçura nos corações, empreendendo uma campanha promissora por novas vivências nas agremiações espíritas, ricas de humanismo, nas quais acima de quaisquer fatores coloque-se sempre o homem em primeiro plano.

O amor, enquanto sentimento sublime, não carece aprendizado, está ínsito e abundante na alma humana, O mesmo não ocorre com a atitude amorosa, que torna imprescindível o estudo e o hábito. Saber externar esse sentimento dignificante na convivência exige equilíbrio, autoconhecimento, esforço reeducativo das tendências, desejo de melhorar-se e um ambiente que estimule a busca de semelhantes conquistas. E qual ambiente oferece tanto quanto os centros doutrinários? Qual grupamento instiga tanto a melhoria pessoal e íntima quanto as agremiações dirigidas sob as diretrizes de Jesus e Kardec?

Obviamente, quando proclamamos a necessidade de uma campanha por humanização nas leiras de serviço espírita-cristão é, tão somente, no sentido de um maior denodo em investimentos e iniciativas que ofereçam a seus profitentes melhores condições de entendimento e convivência em favor de uma fixação definitiva do caráter humanitário, já latente nos núcleos de tarefa.

Falta-nos empenhar com maior ostensividade e consciência no trabalho de arregimentação de relacionamentos de maior profundidade afetiva pela saúde de nosso conviver.

As organizações e suas tarefas não têm vida própria. Elas são aquilo que dela fazem seus integrantes. Razão pela qual a permuta relacional é a essência das instituições nas quais fazem parte todos os valores e limites do ser humano. Não é assim razoável desconsiderar ou mesmo tratar com indiferença a vida emocional desse intercâmbio, a fim de não alimentarmos ainda mais a ação mecânica e destituída de afeto e estímulo, consumindo os ideais superiores de muitos corações que ingressam nas fileiras de labor, sem permitir que o “encanto do Amor” e a alegria da amizade faça parte desse concerto de espiritualidade e crescimento pessoal.

Empenhemo-nos em estabelecer estudos, cursos, técnicas, jogos educativos e reciclagens contínuas junto aos grupos que dirigimos, objetivando mais humanização e menos institucionalização.

Igualmente, no campo individual, cada qual reconheça que humanizar é dar de si e não apenas aguardar as atenções alheias, guardando elevadas expectativas para com os outros.

Enquanto dirigentes, invistamos na melhoria das condições da vida interpessoal do grupo, elaborando programas saudáveis de convívio familiar e dilatemos os conhecimentos dos tarefeiros sobre a vida de relações, tratando temáticas específicas e adequadas às necessidades e demandas apresentadas na rotina das atividades.

Enquanto partícipes das sociedades doutrinárias, busquemos construir esse espaço de renovação para cada um de nós, oferecendo nossa cordialidade, ternura, atenção e carinho para os companheiros, enriquecendo os relacionamentos afins e dilatando as possibilidades de crescimento junto aos menos afins.

Um programa permanente, do individual ao coletivo, trará frutos auspiciosos tornando motivante a convivência. Esse é o piso elementar para que as responsabilidades assumidas no trabalho obtenham um melhor resultado e desempenho das capacidades e talentos individuais, reforçando o centro espírita à condição de ambiente cristão, mas acrescido da garantia insubstituível que faz do Cristianismo algo essencialmente celeste e universal: seu caráter humanitário, único capaz de promover o progresso dos homens em razão de preparar seu profitente para ser uma “carta viva” da paz e do amor, em plena sociedade de homens atormentados.

(1) Relatório Jacques Delors

Capítulo 2

Relações Sócio-Afetivas

Já vimos de quanta importância é a uniformidade de sentimentos, para a obtenção de bons resultados.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 335

As relações humanas estão intensamente marcadas pelos papéis sociais assumidos com finalidade de delimitar direitos e funções. Semelhante representatividade nos relacionamentos enseja o estabelecimento de “espaços”, disciplinando a ação humana ao melhor alcance de resultados na sociedade.

Por outro lado, em razão dos abusos morais, os papéis institucionalizados têm sido, muitas vezes, usados como chancela para acobertar erros clamorosos sob a conivência da aceitação social.

A família é um exemplo inconteste disso. Durante séculos delineou-se na sua estrutura antropológica as máscaras do pai-provedor, da mãe-reprodutora, do filho-herdeiro, estimulando em múltiplos núcleos domésticos a ganância e inconseqüência no homem, a submissão e subserviência na mulher e a preguiça e a luxúria nos filhos.

O institucionalismo revela a presença de intrincados processos éticos nos grupamentos.

Tomemos para análise a história das religiões na qual encontramos tais ocorrências em larga escala. O estabelecimento de uma relação entre o eu e o Divino foi construída sobre os alicerces frágeis do dogmatismo recheado de adoração exterior, criando a opressão do desamor na convivência social em nome da “filiação Divina”.

Os rótulos passaram a ser mais significativos que as expressões de afeto, insuflando a discriminação do sectarismo contra os que não absorviam os mesmos conceitos, sacramentados pelo poder de oficialização das forças religiosas dominantes. Nesse passo, a hierarquia e a soberba intelectual cristalizaram as diferenças entre o sagrado e o profano, instituindo padrões de exclusão e punição, deflagrando lamentáveis episódios nas sociedades terrenas dos últimos milênios.

Essa experiência enraizou-se no psiquismo humano que, ainda hoje, a despeito dos avanços culturais e tecnológicos, fazem do homem cibernético um “fantoche do religiosismo atávico” com altas doses de fé cega.

Somente com o advento das teorias sociais e psicológicas no início do século 20 o homem começou a desvendar com mais segurança e sensatez os elos entre ele e seu grupo e dele para consigo mesmo, permitindo assumir uma nova postura ante as interações sociais. Tal fato vem obrigando a religião a rever seu tradicional paradigma de relações com o Divino, deslocando-o para a tríade “eu, o próximo e Deus”, em contraposição ao modelo “eu e Deus”.

A identidade com Deus, com as Leis Naturais, tem como condição expressa esse processo de identificação do homem com seu próximo, através de um “construtivismo relacional” no qual irá, pouco a pouco, desenvolvendo as potencialidades Celestes no seu mundo íntimo e ensejando que seu meio, igualmente, possa fazer o mesmo.

Nesse cômputo histórico, verificamos que o Espiritismo há mais de um século preconiza, na Lei de Sociedade e na Lei de Amor, justiça e Caridade, as bases para um processo social de pleno reconhecimento do próximo como sendo o “outro” diferente do eu, portador de inexauríveis recursos para promoção pessoal ante os apelos do aprendizado na escola da convivência, convergindo suas relações para uma harmonia com as Leis Divinas, redefinindo a adoração para o campo interior, no crescimento das potências ínsitas no ser e adotando a religião cósmica do Amor como “o caminho, a verdade e a vida”.

Durante longas eras da evolução asilamos “modelos mentais” embalados por crenças dogmáticas, mitos, convenções, que, hodiernamente, pesam sobre as interpretações doutrinárias na convivência de nosso movimento social espírita. Nesse ínterim, o institucionalismo como traço determinante no psiquismo tem se ampliado em alguns de nossos ambientes de simplicidade, estabelecendo relações sociais superficiais, distanciando as criaturas das relações plenificadoras. Tais relações institucionalizadas priorizam e privilegiam o domínio e o controle, ensejando a disputa em detrimento da amizade e do respeito. Dessa forma, mais uma vez, apesar da lucidez dos conhecimentos que somos depositários, submetemo-nos a papéis representativos, rótulos e cargos bem ao gosto do nosso milenar personalismo, em profundas crises de “artificialismo afetivo”.

Oportuno, portanto, que alinhavemos alguns dos possíveis reflexos da ausência de relações afetuosas nos grupos, a título de estudarmos, posteriormente, quais seriam as medidas preventivas ou remediadoras a serem encetadas, como segue:

- Maior possibilidade de criação e manutenção das máscaras emocionais que escondem uma pseudo-harmonia.

- Campo para condutas estereotipadas provenientes de interpretações destituídas de bom senso.

- Ausência de ambiente para o debate crítico e avaliação sincera.

- Ambiente favorável para a hipocrisia e o puritanismo.

- Adubo para melindres.

- Ensejo para a adoção de “gurus” nos dois planos da vida gerando a idolatria.

- Larga porta para a desmotivação com o trabalho em razão de uma convivência, na maioria das vezes, desgastante e sem o enriquecimento das trocas.

- Desvalorização das habilidades cooperativas.

- Ambiente psiquicamente desagradável devido às opressões guardadas em silêncio.

- Ausência do diálogo como instrumento construtor de amizade sólida.

- Clima de desconfiança.

Trabalhemos e invistamos o quanto possível na melhoria das condições das relações sócio-afetivas entre nós, que desfrutamos das bênçãos do Espiritismo, superando papéis e utilizando-os somente como fator disciplinador e organizador de nossos grupos de Amor.

Estejamos acima dos direitos com os quais facilmente podemos nos iludir e fixemos a mente e o coração nos deveres infindáveis que os rótulos nos impõem.

A presença de pessoas afetuosas em nossas vidas nunca é esquecida, cria “marcas”, deixa lembranças para o futuro e é forte dose de estímulo ao idealismo superior no presente. Sobretudo, essas pessoas deixam saudades... E saudade é o sentimento de quem sente falta de alguém. Amigos verdadeiros deixam saudades...

A criação de relações afetivas enseja melhores condições para que a crítica, a competição, a dúvida e o diálogo se transformem em instrumentos construtores da paz e do equilíbrio grupal.

A criação de laços mais gratificantes e motivantes como a confiança, a simpatia, a amizade, a alegria, que geram o bem-estar para a convivência, são algumas das vantagens do afeto cristão nos relacionamentos. Alinhemos assim alguns outros reflexos dessas relações humanitárias:

- Enfoque centrado nos valores uns dos outros.

- Carinhosa indulgência com os limites e imperfeições no conjunto.

- Melhores chances de converter os conflitos em lições.

- Valorização e compartilhamento das idéias e movimentações no bem de uns pelos outros.

Allan Kardec na sua nobreza de caráter e grandeza de coração não era apenas um homem de finura e verniz social. A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas tinha-lhe como o “bom humor em pessoa”, pródigo de simpatia e afeto. Ele fazia-se verdadeira tocha de carinho e ternura a iluminar os relacionamentos entre todos, e sua presença era reverenciada como a de um pai zeloso e amigo que preenchia o vazio do coração de quantos fruíam sua companhia. Jamais impressionou-se com os papéis de sua missão e fazia sempre questão da cortesia acima de modos típicos e consagrados do povo francês àquele tempo.

Ele mesmo, com muita felicidade, talvez pressentindo os destinos sombrios que poderiam tomar o movimento social em torno do Espiritismo, declarou: “A bandeira que desfraldamos bem alto é a do Espiritismo cristão e humanitário” (1), deixando entender que não bastaria o vínculo com a lição do Mestre sem a humanização dessas diretrizes na plenitude dos relacionamentos, o que seria repetir erros do religiosismo enquanto representatividade social, em desarmonia com a Verdade.

Finalizando, relembremos a saga sacrificial do Viajante do Cristo, Paulo de Tarso, que em eloqüente estado de integração no amor, deixa-nos vitoriosa recomendação em favor de nossas vidas espíritas-cristãs:

“Eu de muito boa vontade, me deixarei gastar pelas vossas almas, ainda que, amando-vos cada vez mais, seja menos amado. “(2)

(1) O Livro dos Médiuns — capítulo 29 — ítem 350

(2) Coríntios, Capítulo 2, versículos 12 a 15


Capítulo 3

Amor e Alteridade

“As reuniões Espíritas oferecem grandíssimas vantagens, por permitirem que os que nelas tomam parte se esclareçam, mediante a permuta das idéias, pelas questões e observações que se façam, das quais todos aproveitam. Mas, para que produzam todos os frutos desejáveis, requerem condições especiais, que vamos examinar, porqüanto erraria quem as comparasse às reuniões ordinárias.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29, ítem 324

O episódio cristão da traição de Judas encerra infindáveis leituras e lições às nossas considerações.

Jesus sabia que o fato ocorreria, mas nem por isso tomou uma atitude excludente.

Mesmo sabendo da diferente postura do apóstolo, manteve-se firme nos ideais de amá-lo incondicionalmente na sua peculiar diferença.

Isso é alteridade: o estabelecimento de uma relação de paz com os diferentes, a capacidade de conviver bem com a diferença da qual o “outro” é portador.

A ética da alteridade consiste basicamente em saber lidar com o “outro”, entendido aqui não apenas como o próximo ou outra pessoa, mas, além disso, como o diferente, o oposto, o distinto, o incomum ao mundo dos nossos sentidos pessoais, o desigual, que na sua realidade deve ser respeitado como é e como está, sem indiferença ou descaso, repulsa ou exclusão, em razão de suas particularidades.

Alteridade, portanto, torna-se aprendizado urgente para o futuro de nosso Movimento Social Espírita, considerando o lamentável processo de exclusão que vem ocorrendo na surdina das fileiras de serviço cristão e espírita, em função de uma homogeneidade utópica.

Conviver com os contrários e aprender a amá-los na sua diversidade constitui desafio ético aos grupamentos espiritistas no campo da alteridade, mesmo porque o mastro da nova revelação cristã preconiza a fraternidade como postura de base para relações pacíficas e mantenedoras do idealismo superior, em direção às clareiras de necessidades do homem do terceiro milênio.

A inclusão, em nome do Amor, é ação moral para nossa convivência, sem o que não faremos a dolorosa e imprescindível cirurgia de extirpação da egolatria, tão comum a todos nós — almas com pequenas aquisições nos valores essenciais da espiritualização.

Diferenças não são defeitos ou álibis para que decretemos o sectarismo e a indiferença, somente porque não compreendemos o papel dos diferentes na engrenagem da vida, executando uma “missão específica” que, quase sempre, só conseguiremos entender quando, decididamente, vencermos as etapas do processo de construção da alteridade.

Sem deixar de considerar as inúmeras variações que resultam das peculiaridades individuais, apresentemos algumas dessas etapas na caracterização do processo alteritário, tais como:

CONHECER A DIFERENÇA — é a fase de acolhimento do “outro”, despindo-se de preconceitos e “estereótipos éticos” pré-formulados, guardando abertura de afeto ao diferente e à sua diferença.

COMPREENDER A DIFERENÇA — criação de avaliações parciaís, não definitivas, que favoreçam a análise desse “outro”, buscando entender-lhe as razões, estudar-lhe os motivos até penetrarmos na essência de seu “ser”, compreendendo-o pela apreensão do “sentido” que ele tem para Deus, seu papel cooperativo no universo.

APRENDER COM A DIFERENÇA — é uma fase que une e permite acessibilidade mútua, receptividade aos sentidos do “outro”; propicia uma relação de aprendizado e o elastecimento de noções sobre como a diversidade do outro pode nos ensinar algo, buscando, se possível, aprender a amá-lo na sua particularidade.

Fácil concluir, portanto, que alteridade pode estar presente nos atos de solidariedade, empatia e respeito nas relações em sociedade, sem que, necessariamente, o Amor legítimo esteja na base de tais atitudes. Por outro lado o Amor é sempre rico de alteridade e não existe sem ela.

A faina doutrinária conduz-nos a contínuos relacionamentos com companheiros de entendimentos diversos e, inclusive, oponentes como ocorre na vida social, embora não devam as reuniões espíritas tornarem-se assembléias ordinárias, aderindo a relações de insana competição ou de cruel indiferença.

O processo de alteridade será valioso nas interações entre companheiros de ideal e ocasionará, parafraseando o Codificador, “grandíssimas vantagens”.

Investir no entendimento de semelhante questão auxiliar-nos-áa estabelecer uma auto-sondagem frente aos testemunhos da vida relacional, investigando em nós mesmos, a partir dos atritos e desencontros com o “outro”, as causas reais dos sentimentos que se assomaram no caleidoscópio do mundo emocional, efetuando uma viagem segura a um “outro diferente”, ainda não dominado e também desconhecido que reside em nossa intimidade.

Esse “outro diferente” é o “eu Divino” que resgataremos no aprendizado do auto-Amor, possibilitando-nos, a partir dessa conquista, excursionarmos ao mundo alheio, sem tisnar com as sombras do primarismo moral os elos de Amor que devemos entreter com todos e com tudo, em favor do soerguimento de um mundo melhor e com mais paz, uns perante os outros.

Não olvidemos, portanto, laborar por mais sólida preparação ética em nossos conjuntos doutrinários, tratando das temáticas que versem sobre a edificação de relacionamentos consistentes, com alteridade, estudando o significado de compreender e aceitar, reflexionando com demora no que seja saber criticar e discordar sem inimizade, sem oposição sistemática e dissidência declarada, sabendo discordar sem amar menos, apesar de pensar diversamente.

Mesmo que nos agastemos inicialmente pela ausência do hábito de conviver harmoniosamente com conflitos e tribulações da vida interpessoal, anelemos por novos comportamentos repletos de Amor e alteridade, aprendendo a maleabilidade, o altruísmo, a assertividade o domínio emocional e os imperativos de vigilância sobre os impulsos menos bons, que serão promissoras sendas na conquista da ética da alteridade.

Evidentemente, não fazemos apologia ao convívio no círculo estreito de desafetos, em climas adversos; privilegiemos os afins como quesito fundamental ao bom andamento dos compromissos assumidos, aprendendo que afinidades são “lembretes” de Deus, a fim de não esquecermos o desejo de amar, e estímulos para a alegria da amizade.

Contudo, não desconsideremos que o aprendizado do Amor autêntico, a sedimentação da conduta amorosa é arregimentada na “fusão” relacional com os menos afins, os que não nos atraem, com os quais superaremos, paulatinamente, pesada fortaleza de entraves emocionais, libertando-nos para vôos mais amplos pelos céus universais pulsantes de Amor Divino, na vitória sobre o egoísmo que ainda nos aprisiona.

* * * *

Amigo dirigente,

A responsabilidade que te cabe junto aos ofícios doutrinários é de inestimável valor.

Difundir esperança, promoção humana, delegação de responsabilidades e estímulo para viver são alguns dos inúmeros deveres a ti confiados, quando assumes os postos da direção espírita.

Pensa e medita em teus desafios.

Estás no cargo que te “onerará” com graves ocorrências na medida das tuas necessidades de aprendizado.

Não fujas da ocasião e faze o melhor que puderes.

Nos terrenos do afeto com aqueles que te rodeiam, vigia tuas manifestações de carinho e atenção avaliando os efeitos de tuas ações, continuadamente.

Alteridade para ti será o desafio de aceitares cada pessoa em tua experiência evolutiva, auxiliando-a a crescer e se libertar.

Se guardares contigo os preconceitos e estereótipos, ainda que manifestes afeto e reconhecimento aos que te rodeiam, certamente obliterarás o ciclo espontãneo das relações que devem vigorar em teus ambientes de esforço. As pessoas à tua volta nem sempre saberão traduzir a linguagem universal dos sentimentos que as envolvem, perceberão, porém, o “hiato”, a reserva com que são tratadas...

Afeto para ser Divino precisa ser espontâneo, autêntico, natural.

Se guardas dificuldades em entender esse ou aquele companheiro, se não admites determinadas expressões comportamentais que diferenciam de tua formação doutrinária, se não compreendes determinadas idéias que a ti parecem desconexas da proposta espírita, tenha muito discernimento para que não te aprisiones aos grilhões do personalismo que subtrai-te a alteridade, a capacidade de entendimento com o outro.

Os dirigentes espíritas conscientes na atualidade precisarão de muita alteridade para cumprir sua missão a contento.

Razão pela qual, mais que nunca, aprendas o que seja promover e delegar, a fim de permitires aos que te cruzam as vivências encontrarem o quanto antes, com o preparo elementar, os caminhos adequados de crescimento que nem sempre serão ao teu lado.

Liberta-te da idéia de uniformidade e ajuda cada qual a descobrir o seu caminho para Deus, sem jamais esquecer que cada criatura tem o seu Roteiro Divino.


Capítulo 4

Recepção, Atendimento e Integração

“Uma Sociedade, onde aqueles sentimentos se achassem partilhados por todos, onde os seus componentes se reunissem com o propósito de se instruírem pelos ensinos dos espíritos e não na expectativa de presenciarem coisas mais ou menos interessantes, ou para fazer cada um que a sua opinião prevaleça, seria não só viável, mas também indissolúvel. A dificuldade, ainda grande, de reunir crescido número de elementos homogêneos deste ponto de vista, nos leva a dizer que, no interesse dos estudos e por bem da causa mesma, as reuniões espíritas devem tender antes à multiplicação de pequenos grupos, do que à constituição de grandes aglomerações.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 - ítem 334

Grupos harmonizados entre si têm o coração aberto aos que chegam, e tornam-se “convites vivos” para que outros participem dos ágapes de sua instituição, já constituindo essa postura afetiva um benefício expressivo no atendimento às dores alheias.

Nesses dias de definição e reajustes, a família, que deveria cumprir seu papel de núcleo educacional das virtudes superiores, perdeu seu norte pela fragilidade moral de seus membros, ficando assim a criança e o jovem, mais tarde o próprio adulto, à mercê dos fatores circunstanciais da vida para asilarem-lhe em clima educativo e formar laços de afeto estimuladores.

Nessa hora da existência surge o centro espírita qual “salva­vidas” no tempestuoso mar das provações, apresentando uma proposta preenchedora de paz e estímulo a novos caminhos. A alma então começa procurar a si mesma. Travando o contato doloroso com sua intimidade, dilacerada, pobre, doente. Por isso, as instituições espíritas, na pessoa de seus dirigentes e trabalhadores, devem se dar conta da responsabilidade que é receber e encaminhar os corações que lhe batem à porta, famintos de luz e apoio.

Em verdade, em muitos casos, as agremiações espíritas têm “cumprido” o papel de lar e família de grande parte de seus freqüentadores. A dor que apresentam como “cartão de visita” nas noites de reunião é apenas o resultado de um processo de anos de solidão, desamparo, falta de orientação e carência de afeto familiar e social, adoecendo, por fim, a vida afetiva do ser.

Abracemos cada “pedinte” como nosso filho ou irmão, e ofereçamo-lhe a oportunidade de integrar a nossa família espírita, fazendo parte da nossa família espiritual, refestelando-se conosco dos banquetes de luz e Amor que o Espiritismo nos propicia, fortalecendo-o para regressar mais animado e esperançoso em dias melhores junto aos seus.

Passemo-lo o nosso bem-estar, contando as histórias felizes que inclinaram-nos às diretrizes espíritas.

Os líderes espíritas, porque possuem aguçado senso crítico, quase sempre, destacam a precariedade em que se encontram muitos serviços doutrinários, e apontam mudanças necessárias, o que é muito justo. Não podemos deixar, por nossa vez, de atestar o valor que têm as atividades doutrinárias, mesmo nessas condições, em se considerando que, para a grande maioria dos que as integram, elas são fonte inexaurível de paz, amparo, orientação e disciplina, tendo em vista a escassez de recursos morais-espirituais de seus lares ou de outros ambientes de suas vivências atuais.

Recepciona-os, valorizando.

Atende-os, orientando.

Integra-os, promovendo.

Valorização, orientação e promoção constituem um programa educacional de amplas possibilidades, e quando conseguimos vencer tais etapas sob o amplexo do afeto fraternal, ensejamos aos novos trabalhadores a coragem para o recomeço, para o “batismo” de um novo homem, para “reencarnar na encarnação” retomando seu planejamento original antes de seu regresso ao corpo carnal, resgatando seus sonhos...

O passo inicial para a composição de grupos fraternais ocorre naquele momento da recepção amiga eterna. Ali deixamos a primeira impressão de nossa família, de nosso grupamento. Nesse instante, estamos confortando a dor do peito oprimido e a um só tempo cativando o desabrochar do futuro trabalhador. Os elos da confiança se estabelecem e, daí para a amizade, basta somente um gesto de ternura.

Receber bem no centro espírita é nossa obrigação como espíritas, faz parte da moral cristã de abraçar a todos como irmãos e amigos, e, sobretudo, é o dever de qualquer instituição que se digna a prestar serviços junto a sociedade.

Valorizar o atendido é exprimir afeto e confiança, o que valerá por mil palavras. Além do que essa postura vai auxiliá-lo na autoconfiança em vencer suas mazelas que o levaram ao centro espírita.

Acolhido como ser pensante e com potencialidades a serem desenvolvidas, terá mais disposição para a sua própria transformação. Será então muito confortador e motivante saber que, mesmo suas experiências de vida mal sucedidas, seu conhecimento, suas parcas possibilidades, não lhe tornam indigno de contribuir e cooperar. Essa foi a plataforma educativa do Mestre Jesus, a pedagogia da esperança ante corações esfacelados pela volúpia do egoísmo e da derrocada moral.

Espontaneidade com moderação, preparo interior pela oração para espargir magnetismo salutar, conhecimento das necessidades alheias, disposição íntima de ser útil e servir, finura de trato, o sorriso afetuoso, são algumas das diretrizes dos recepcionistas fraternos.

O atendimento em nome do Amor será ministrado de conformidade com a necessidade. Evitar padronizações e chavões, procurar colocar o coração receptivo em estado de empatia, olhar as expressões verbais e físicas, procurar gravar as palavras que expressem os sentimentos da criatura para lhe conhecer os domínios do afeto, ajudar sem ilusões e imediatismos, ser claro no que a instituição poderá oferecer, estabelecer parcerias com organizações que possam atender outras necessidades do atendido, oferecer-lhe a luz dos conhecimentos espíritas no seu drama, eis alguns dos requisitos do atendimento fraternal.

Dessa forma a integração com os serviços será o natural reflexo do nível de melhora e envolvimento com os componentes da Casa. Quanto mais vínculos sólidos efetivarem-se nessa caminhada, desde o instante da chegada ao da melhora, mais interesse haverá do recém-atendido em manifestar desejo de cooperar, de realizar algo para auxiliar outros que como ele, agora, necessitam do amparo.

Recebendo com Amor, falamos do Evangelho.

Atendendo com carinho, divulgamos o Espiritismo.

Integrando com respeito, oferecemos à vida a chance de perpetuar o ciclo, multiplicando as fontes de doação.

O Codificador é de uma felicidade ímpar ao alertar para a necessidade de circunspecção na admissão de elementos novos na organização doutrinária, menos pelos receios de problemas e mais pelas necessidades do recém-chegado. Cremos que o trecho de Allan Kardec instrui-nos acerca da cautela em acolher bem, pois sabemos todos que parte das lutas enfrentadas pela instituição espírita, nos terrenos da convivência, advém da incapacidade de absorção consciente e responsável dos que passam a integrar seus quadros de serviço, sem receberem o preparo e a orientação precisa sobre a nova senda de experiências a que se engajaram.

Quanto melhor a acolhida, melhor será a integração, mais plena de consciência individual quanto aos novéis deveres assumidos, trazendo por conseqüência frutos mais valorosos e alegrias para todos.


Capítulo 5

Comportamentos Hipócritas

“Garantimos que a uma sociedade espírita, cujos trabalhos se mostrassem organizados nesse sentido, munida ela dos materiais necessários a executá-los, não sobraria tempo bastante para consagrar às comunicações diretas dos Espíritos. Daí o chamarmos para esse ponto a atenção dos grupos realmente sérios, dos que mais cuidam de instruir-se do que de achar um passatempo. (Veja-se o número 207, no capítulo ”Da formação dos médiuns.)”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 347

Feliz advertência do Codificador para as frentes de serviços doutrinários hodiernos.

Verifica-se um excessivo interesse em “receber almas” pelas vias da mediunidade, constata-se um interesse exagerado pelo que fazem e dizem os Espíritos, despende-se enorme esforço para socorrer “os necessitados e sofredores” do além. Entretanto, o que temos organizado em favor dos “Espíritos na carne”, aqueles que, alguns deles, receberam o socorro espiritual e agora precisam da ajuda dos centros espíritas em plena reencarnação? Ou aqueloutros que um dia estarão fora da carne e que, se agora não forem bem socorridos nas suas necessidades, perambularão na erraticidade em dores pungentes? Enfim, que tempo temos disposto e com que nível de seriedade para atender as demandas do encarnado de nossa convivência?

Na natureza encontramos o mimetismo como sendo um instinto natural de defesa de alguns animais e vegetais. Os animais e pequenos insetos, usando da propriedade da camuflagem, metamorfoseiam-se confundindo com a natureza na preservação de suas vidas contra os ataques no ecossistema.

O homem, embora detentor da inteligência e com outros objetivos, também mimetiza seu comportamento através da hipocrisia, apresentando-se com várias personalidades, conforme o seu interesse, nos ambientes de sua convivência.

A hipocrisia é um dos mais atrasados comportamentos da jornada evolutiva na Terra.

Comportamento adquirido em milenares vivências, é o resultado inevitável da desarmonia existente entre o pensar, o sentir e o agir.

Herança doentia do egoísmo, ela pode se expressar sob três facetas mais comuns:

- Reações extemporâneas, instintivas e naturais, nas áreas específicas do aprendizado do ser nas quais ainda não detém maior soma de domínio e controle. São estados neuróticos superáveis.

- Ações deliberadas para compensação e atendimento de gratificações.

- Atitudes psicopáticas de dissimulação de “identidades psicológicas”, devido a patologias psíquicas ou estados limítrofes a essas.

Dessas facetas assinaladas, destacamos a primeira como sendo a mais apropriada ao nosso objetivo de estudo, reflexão e debate nos grupamentos que assumiram a proposta da restauração espiritual.

O mimetismo do comportamento faz parte da rotina de nossas agremiações, integrando nossas atitudes no cunho das atividades doutrinárias.

Não estamos nos referindo à hipocrisia intencional, mas aquela que ocorre em função de assumirmos o compromisso das mudanças interiores, e que nos leva ao sentimento de falsidade, de mentira, apesar dos esforços por melhorar. Nesse caso as condutas incoerentes com a ética Espírita-cristã são fruto de conflitos íntimos, sobre os quais não logramos ainda um maior grau de controle e elaboração mental, somados aos velhos reflexos condicionados da hipocrisia deliberada, vivida em outros tempos nas veredas do aprendizado terreno...

É um fato sutil e que envolve a grande maioria dos novos adeptos, e também aqueles que não se superaram no tempo resolvendo seus conflitos.

O verdadeiro espírita é concitado a mudança dos hábitos pelas seguras indicativas dos textos evangélico-doutrinários. Entretanto, a assimilação incoerente e dogmática dessas orientações fá-lo projetar-se a uma repentina e falsa reestruturação comportamental, para a qual não foi previamente preparado pelas valorosas orientações que poderiam ser ministradas pelos dirigentes da Casa em que presta seus serviços, através de ocasiões especiais ou do acompanhamento fraterno e dialógico.

Lançando-se a esforços hercúleos e sofridos, direcionados para focos errôneos, acaba por se desgastar na manutenção de um rígido e cerceador programa de vigilância e violentação de si mesmo. Não atingindo os patamares desejados no campo vivencial, passa então a dissimular seus conflitos e frustrações para não perder a convivência na Casa Espírita, porque se se revelar, “o que os demais vão pensar”?

Para agravar tal episódio, infelizmente ainda encontram insensíveis diretores, atendentes ou “amigos” do grupamento a imputar-lhe severos julgamentos face aos rol de suas lutas, asseverando tratar-se de obsessões de largo porte ou de invigilância declarada, colocações essas expedidas em tom de “hilariante ar de superioridade” que leva ainda mais o companheiro, em lutas consigo próprio, a uma maior autodesvalorização e sentimento de culpa.

É quando surgem os comportamentos hipócritas que minam as forças dos que guardam sinceridade nas intenções de melhorar, causando aflição e ansiedade em função dos circuitos mentais viciosos de autocobrança. As maiores fragilidades morais do Espírito são as mais atingidas, deixando um rastro de frustração e sentimento íntimo de deslealdade.

A ausência da devida atenção a esses quadros morais dos trabalhadores favorece um prolongamento dessa experiência, tornando-a exaustiva, enquanto esses dramas da vida íntima poderiam ser minimizados se obtivessem um espaço apropriado para atendimento no centro espírita.

A ação hipócrita incomoda; no entanto, a maioria expressiva dos recém ingressos na organização doutrinária não sabe o que fazer nesses momentos. Seu estado mental com o tempo pode perder as resistências e desaguar em desequilíbrios psíquicos ou no estabelecimento de comportamentos exóticos de defesa.

Eis um assunto para nossos debates. Como ajudar esses trabalhadores? O centro espírita tem arregimentado um programa para ensinar a transformação íntima? Tem havido clima nos grupos para que os tarefeiros possam dialogar construtivamente sobre seus conflitos? Ou temos nos iludido, transferindo responsabilidades pessoais para as ações obsessivas de desencarnados?

Muitos corações, não suportando o peso dos continuados embates íntimos, optam por abandonar tudo em fuga silenciosa, porém, desesperada...

Encontramos aqui em nosso plano quem não soube administrar seus conflitos e tombou na “morte escolhida”, depois de fazer do seu campo mental um vulcão efervescente de dúvidas, frustrações e desamor a si mesmo.

Nesse sentido anotamos o prejuízo causado pelos estereótipos comportamentais adotados em muitos núcleos, eleitos por seus dirigentes como sendo “marcas” de verdadeiros espíritas, gerando isso um nível mais acentuado de ansiedade em quem vive sinceramente na busca de seu auto-aperfeiçoamento, quando espera-se de todos nós o acolhimento afetuoso e indulgente, especialmente nos momentos de mais fragilidade dos novéis discípulos, estimulando-os, no clima da amizade, a sempre recomeçarem quantas vezes se fizerem necessárias.

Não lograremos êxito sempre. Vezes sem conta ainda sentiremos de uma forma, pensaremos de outra e agiremos antagonicamente a ambas.

A harmonia entre sentir, pensar e agir é o estado de plenitude para o qual todos nos destinamos. Até lá, vez que outra, ainda teremos comportamentos hipócritas não intencionais, que pelo incômodo causado servirão de fonte preciosa de auto-conhecimento para os que guardam a lealdade consciencial.

Errar em clima de lealdade é lição imperecível.

Lutemos com tenacidade para que o quanto antes alcancemos a autenticidade na conduta, a fim de não termos que pagar o ônus de carregar as pesadas máscaras da superficialidade e da mentira.

Desde que não cultivemos a “hipocrisia calculada”, caminhemos para frente guardando a certeza de que nossa harmonização com a verdade custará instantes de insatisfação e auto-desvalorização que não devem nos abater.

Acima de tudo, o mais importante é trabalhar e confiar ao tempo a solução de nossas experiências, porque, mesmo depois de vencida a etapa mais dolorosa, ainda teremos que lutar com aspectos muitíssimo sutis de sua presença em nossos atos.

Buscando estudar nossas reações, descobriremos nossas “personas” e as sublimaremos em regime de perseverança e convivência pacífica conosco mesmo.

A maturidade haurida na superação dos conflitos trazer-nos-ápaz, resistência e integridade de comportamento.

Para não desanimarmos, reflitamos no versículo citado, no qual até Pedro, a rocha do Cristianismo nascente, sucumbiu em involuntária hipocrisia dizendo: “não sou”. (1)

(1) * (...) Não és tu também dos discípulos deste homem? Disse ele: Não sou. * João, capítulo 18, versículo 17


Capítulo 6

Habilidade Essencial

“ (...) a caridade e a tolerância são o dever primário que a doutrina impõe a seus adeptos.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 335

O exame meticuloso dos erros alheios, ao longo das vidas sucessivas, conferiu-nos ampla capacidade de analisar as imperfeições do próximo.

Hoje, graças a essa habilidade de avaliar a conduta alheia, somos exímios “juizes e psicanalistas”, dotados de vastas possibilidades de encontrar causas e razões para os desatinos que ocorrem fora da esfera do “eu”.

O que se torna lamentável é não utilizarmos tal recurso para reerguer e auxiliar no aprimoramento do próximo, sendo que, habitualmente, o usamos para destacar o “lado” ruim e amargo de tudo e de todos.

Deter-se nesses ângulos sombrios é atitude comum para a maioria dos homens nas experiências carnais. Espera-se, entretanto, de nós outros, os aprendizes espíritas, maior lucidez nas ações. Nosso desafio enquanto discípulos é saber manter-se afetivamente focado no “lado” bom, nas qualidades, nos instantes bem sucedidos de alguém, conquanto tenhamos vastas possibilidades de perceber-lhes as imperfeições e mazelas.

A essa qualidade chamamos indulgência.

É a habilidade que consignamos como essencial frente aos imperativos da convivência social, quando temos como meta primacial a própria paz e o progresso dos grupos sob nossa tutela, ou nos quais ofereçamos a cooperação.

Sempre encontraremos motivos para a ofensa, a recriminação, a transferência de culpas, para depreciar a movimentação alheia, para rebaixar o outro.

Compreender, estimular, perdoar, reconhecer os valores alheios, dividir responsabilidades, apoiar, orientar, ser afetuoso, tudo isso ébem mais trabalhoso.

Indulgência é habilidade que qualifica o homem com abundante inteligência emocional.

O coração focado no aspecto “sublime da vida” torna a alma generosa e atraente, cuja irradiação é de aceitação e acolhimento.

Jesus, como sempre, é o modelo. Em momento algum do seu ministério de Amor o percebemos em atitude de destaque ao mal; embora astuto e vigilante, sabia sempre onde ele se ocultava e procurava erradicá-lo sem que o evidenciasse.

Com a pecadora, lembra o “quem estiver isento de pecados atire a primeira pedra”.

Com o paralítico de Cafarnaum não pergunta como algemou-se ao leito e perdoa seus pecados.

Com Pedro antecipa sua negação em clima pacífico de alerta, sem menosprezá-lo, em pleno respeito a seus limites no campo da coragem.

Com Judas usa de Amor extremado sabendo o que ocorreria posteriormente, mas permanecendo em silêncio evita revelar o “mal” de que ele próprio seria “vítima”.

Com Maria de Magdala fá-la mensageira da ressurreição, inaugurando o tempo da misericórdia ante o esforço reeducativo, esquecendo o passado ignominioso.

Alertar e repreender são instrumentos corretivos necessários para não ensejar omissão e conivência. Entretanto, para quantos cultivam a habilidade essencial da indulgência, o ato de conclamar o outro à integridade é realizado sempre pelo diálogo franco, fraterno e elevado, sem as típicas “neuroses de melindre” nutridas por receios entre quem fala e quem ouve, fazendo dessas conversas educativas verdadeiros momentos de reconsideração e auto-exame para a transformação necessária a ser encetada.

Relações permeadas na indulgência são educativas, ressaltam e fixam valores e estimulam o auto-Amor, o auto-perdão.

Assumamos o compromisso renovador de descobrir em cada passo da existência as justificativas saudáveis do “agir humano”, buscando as razões profundas dos atos alheios, a fim de penetrarmos as furnas de suas lutas espirituais na condição de enfermeiro socorrista, disposto a atender, remediar e prevenir enfermidades com as quais, muita vez, nem mesmo seus portadores conseguem avaliá-las com a lucidez por nós desenvolvida nos séculos de vivência no hábito da formação de juízos éticos sobre o comportamento alheio.

O ser humano está doente na sua auto-estima e reforçar-lhe aspectos infelizes de sua ação é onerá-lo com mais sombras e dor.

Nos grupos de nossa ação estejamos atentos a semelhantes lances da escola dos relacionamentos.

O companheiro ofendido pela nossa atuação enérgica é, muita vez, alguém decepcionado com as próprias expectativas que nutria sobre nós. Auxiliemo-lo com cortesia e generosidade, no entanto, se ele recusa a oferta, sigamos adiante sem fazer achaques emocionais de pieguismo e arrependimento.

Se aqueloutro amigo de atividades espirituais apresenta-se sempre vacilante e descuidado com os compromissos assumidos, lembra que, em muitas ocasiões, ele não é mais que um aluno portador de ânimo débil, incapaz de superar velhos limites pessoais para denodar-­se como deveria. Aceita-lhe o tributo inconstante e vai-lhe demarcando referências corretivas, para que possa melhor aquilatar sobre as conseqüências de sua volubilidade no andamento das realizações às quais integra.

Nódoas e empeços de variados matizes comparecerão nos serviços do Senhor. Por esse motivo procuremos sempre o “caminho estreito” e, se nessa enfermaria das lides espiritistas esquecermos a nossa condição de doentes, subtrairemos de nós mesmos as chances de recuperação e melhora. Na própria enfermaria humana, quando os doentes percebem a extensão de seus dramas, unem-se solidariamente uns aos outros, cada qual oferecendo o que pode, e solidariedade é o nome da indulgência ativa e promotora de paz e apoio às relações.

Cultivemos, dia após dia, essa habilidade essencial e consagremos vida nova com mais abundância de bênçãos, desonerando o próprio psiquismo das enfermiças fixações negativistas que costumamos encontrar ao nosso redor.

Anotemos alguns prováveis resultados das fixações sombrias despejadas sobre o mundo e as pessoas:

- Açulamento de maus sentimentos.

- Climas inamistosos.

- Inviabilização para as mudanças necessárias.

Misericórdia, tolerância máxima, eis as medicações apropriadas de uns para com outros, assim como lembrou José na seguinte colocação:

“Sede indulgentes, meus amigos, porqüanto a indulgência atrai, acalma, ergue, ao passo que o rigor desanima, afasta e irrita” O Evangelho Segundo o Espiritismo capítulo 10 — ítem 16 — José, Espírito protetor (Bordéus, 1860.)


Capítulo 7

Condutores Afetuosos

“Nos agregados pouco numerosos, todos se conhecem melhor, há mais segurança quanto à eficácia dos elementos que para eles entram. O silêncio e o recolhimento são mais fáceis e tudo se passa como em família. As grandes assembléias excluem a intimidade, pela variedade dos elementos de que se compõem; exigem sedes especiais, recursos pecuniários e um aparelho administrativo desnecessário nos pequenos grupos.”

O Livro dos Médiuns - capítulo 29 - ítem 335

Sorriso irradiante, cordialidade contínua, conhecimento haurido na vivência, conduta íntegra, afeição indiscriminada, eis algumas das marcas dos “dirigentes emocionais”.

Habituados a conduzirem-se pelo coração, são dotados de uma sabedoria espontânea adquirida na solução de suas problemáticas interiores; e porque convivem bem consigo, são afáveis e agradáveis no conviver com os outros.

Atos de equilíbrio, intuição e bom senso lhes são costumeiros, já que são portadores de harmonia e serenidade.

Condutores afetuosos são os que acolhem com cuidados especiais os seus tutelados e desvelam com carinho pelos deveres da tarefa.

Nos dias que passam, tornam-se como pólos atrativos de almas, graças à sede de atenção e ternura em que se encontram a grande maioria dos corações, sofridos e carcomidos em suas energias pelas provas dolorosas da reencarnação.

Como dispõem sempre de afeto cristão, fazem-se fonte de estímulo, esperança e diretriz no encaminhamento das soluções a quem recorrerem os que lhe partilham a convivência.

Apóiam, sem conivência.

Ajudam, sem paternalismo.

São afetuosos, sem pieguismo.

Ordenam com despretensão, dividindo responsabilidade.

Discordam, ampliando horizontes.

Promovem, confiando compromissos.

Coordenam com atitudes, além das palavras.

Pelas reações é que conhecemos o nível de afeto e inteligência emocional dos condutores em harmonia com Jesus.

Onde muitos enxergam problemas, eles percebem soluções.

Enquanto muitos desanimam, sua leitura é de que os obstáculos são sinais do caminho exato.

Se são criticados, asilam piedade no coração.

Quando vilipendiados, só se lembram da oração.

Condutores afetuosos são o esteio das sociedades espíritas fraternas. A eles compete a relevante tarefa de zelar pelo dever de toda instituição doutrinária no melhoramento moral-espiritual. Conduzindo as atividades para esse fim, certamente facultarão aos seus conduzidos um campo afetivo de largas proporções na execução das mais belas semeaduras nos terrenos da espiritualização do ser, e no desabrochar dos melhores sentimentos entre todos os que se entrelaçam no clima da lídima fraternidade.

Cuidando manter uma homogeneidade de visão quanto a esse precípuo compromisso de todo espírita, estabelecerão condições àuniformidade do afeto nas expressões da amizade, dos relacionamentos sólidos e do estímulo advindo dos exemplos salutares uns dos outros, entre seus membros, porque todos estarão matriculados nas disciplinas da renúncia, do trabalho, do respeito fraternal, da solidariedade, que são virtudes indutoras da auto-educação e do crescimento espiritual.

Vibrando em faixas de saúde afetiva, os componentes de seu grupo obterão melhores resultados no labor, mais motivação para os encontros diuturnos, e se formará uma rede de corações estendendo bênçãos de conforto e esclarecimento a tantos outros quantos possam beneficiar de semelhante banquete emocional.

Tomando seu grupamento como uma grande família, esmerará por lhes oportunizar as melhores condições de convivência pelo entendimento.

Adotando simplicidade administrativa e proximidade com grande “calor humano”, conseguirá tornar o centro espírita um educandário do afeto em direção aos rumos da ética de Jesus e Kardec, evitando que discórdias e desavenças venham a se tornar uma propaganda negativa para sua instituição. Para isso, ocupar-se-á em manter o “tamanho afetivo” de seu grupo, ou seja, ainda que ele cresça em número, deverá fazê-lo preservando, proporcionalmente, a mentalidade inicial de ser uma família e de se amarem sem exceções.

Allan Kardec, o condutor espírita exemplar, reunia em si a sobriedade intelectual e a generosidade, a sensatez e a ternura, o raciocínio vigilante e o acolhimento fraternal. Ele foi o primeiro dirigente espírita, e quem lhe empresta caracteres de um homem de ciência não imagina como era um coração rico de humor e de palavras espirituosas, com finas expressões de descontração.

Na Sociedade Parisiense era querido e respeitado, conquanto alvo de inveja e intrigas, face à conduta ilibada e à confiança irrestrita que lhe depositavam ante as cortesias e gestos amoráveis que externava.

Sempre acompanhado por Amelie, compunham um par de almas que plenificavam o ambiente em dúlcida paz.

O tratamento afetuoso era-lhe constante qualidade, e pelo Amor que nutria ao Espiritismo nascente não lhe era enfadonho repetir sua gratidão a Deus por ter-lhe descortinado os horizontes da vida espiritual que, para ele, era a fonte da alegria, do amor e da felicidade relativa que qualquer homem passaria a semear quando se tornasse um verdadeiro espírita.

Assim, o Codificador ajustava sua existência à finalidade primeira do Espiritismo, para a qual conduziu-se com rigor para consigo e amavelmente para com os outros, junto à Sociedade que fundou, buscando sempre priorizar no contato com o mundo dos Espíritos a essência moral dos intercâmbios, através de estudos metódicos e aplicados nos quais todos absorviam a essência do Espiritismo por um mundo melhor.


Capítulo 8

Rebeldia, Matriz de Distúrbios

“Quem importa crer na existência dos Espíritos, se essa crença não faz que aquele que a tem se torne melhor mais benigno e indulgente para com os seus semelhantes, mais humilde paciente na adversidade? De que serve ao avarento ser espírita, se continua avarento; ao orgulhoso, se se conserva cheio de si; ao invejoso, se permanece dominado pela inveja?”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 350

A classificação internacional de doenças agrupa sob a designação de transtornos de humor variadas psicopatologias, cuja origem encontram-se nas estruturas afetivas do ser.

A forma como sentimos o mundo, as pessoas e os fatos que nos rodeiam é sintoma determinante de saúde ou distúrbios, sendo esses últimos diagnosticados desde as neuroses brandas até as psicoses severas, com expressiva incidência de distmias nas depressões crônicas.

Esse “sentir” ou “modo afetivo” de reagir à vida é ponto crucial da atividade mental, pois retrata a automatização de mecanismos e reflexos milenares, construídos nas vivências morais consolidadas nos porões da vida subconsciencial.

Facilmente percebe-se nesses quadros de transtornos do humor a presença da fragmentação da vida mental do doente com o mundo real, em razão da inadequação ou ainda da inaceitação das experiências a que se é colocado na vida carnal.

A insatisfação persistente acrescida da auto-imagem idealizada para o mundo pessoal, retrato de anseios reprimidos, desenham um perfil psíquico e emocional para a rebeldia — reação de inconformação com o que somos, como estamos e o que temos.

Tal inconformação estabelece um campo mental de ampliada suscetibilidade, muita auto-piedade, expressões comuns de “vítimas revoltadas” que criamos em nós pelo desgosto de viver e “ser”.

Rebeldia é matriz de vários distúrbios crônicos, é doença da alma, matriz do inconsciente profundo, emissora de irradiações tóxicas no adoecimento da mente.

Rebeldia com o corpo, vaidade revoltada.

Rebeldia na ofensa, mágoa fortalecida a caminho do ódio.

Rebeldia nos grupos, extrema dose de personalismo.

Rebeldia nas mudanças, prepotência em controlar a vida.

Rebeldia na vida material, ausência do reflexo da simplicidade no viver.

Rebeldia para estudar, orgulho do saber acumulado.

Rebeldia nas idéias, arrogância do desrespeito às opiniões alheias.

Rebeldia ante normas, sinal de que, quase sempre, nos são necessárias.

Rebeldia nas palavras, focos de calúnia e mentira.

Rebeldia, portanto, é a infecção do orgulho contaminando o cosmo individual.

O homem rebelde que desconhece os desdobramentos espirituais de sua atitude sofrerá com intensidade, sendo libertado pela consciência somente quando cumprir seu dever.

Sendo presunçosos e passíveis de crônico personalismo, os conhecedores das verdades espíritas, quando na rebeldia, solapam suas existências com terríveis conflitos de culpa e desajustes comportamentais que procuram mascarar com atitudes de puritanismo ou indiferença, O homem rebelde, quando bafejado pela luz da imortalidade, é “usurário do universo” assinando sua própria petição para as vielas expiatórias nos rumos da dor, estagnando no charco da revolta e da desobediência.

Com felicidade indaga o lúcido Allan Kardec na referência de apoio: Que adianta conhecer o Espiritismo e não se tornar melhor? Façamos continuamente essa auto-avaliação para jamais esquecermos que as linhas libertadoras do comportamento espírita vão bem além do dever, penetrando as esferas do amor incondicional e da humildade obediente aos desígnios do Pai.

Rebelar é lícito a todos nos rumos da vida, mas à luz da reencarnação não podemos jamais olvidar que fomos, no passado, os arquitetos das experiências atuais nas provas que precisamos.

Relembrando isso, ainda assim nos resta o “direito de discordar” de Deus.

Verificaremos, no entanto, a bem de nós próprios, que o dever de aceitar-Lhe os alvitres é fonte de paz e alívio nas dores de todo instante.

* * * *

Dirigente espírita,

Nos grupamentos de trabalho cristão a rebeldia manifesta-se como insubmissão e descomprometimento, espelhando o clamor interior de ausência de sinergia com as tarefas e com o comportamento da equipe, adicionada de um sentimento de inutilidade que se apossa do trabalhador em crise de permanente insatisfação.

Quando surja nos conjuntos de labores doutrinários, requisita a oração e a força do exemplo para, pouco a pouco, com a paciência indispensável sensibilizar o enfermo moral. Muita vez apresenta-se com tanta intensidade que não permite o auxílio, devido à deserção do cooperador.

Estejamos atentos a esses bombardeios de revolta que atingem o aprendiz invigilante.

Em algumas ocasiões emudece-o, levando-o a comportamentos que apelam para análises ponderadas no amparo, precedidas de elevadas doses de compreensão, indulgência e tempo para resgatar a harmonia.

* * * *

Amigo e amiga,

Interrompe os círculos de tuas provas agravadas pela obstinação em que te situas.

Quanto mais tempo levares para reagir, mais alto te será o preço do sacrifício.

Decide agora pela mudança já que tua revolta com as mudanças pouco acrescentaram a teu sossego e felicidade.

Apegos milenares e costumes que se perdem no tempo são renovados a custa de experiências opostas a teus sonhos de ventura.

Hoje, quando te rebelas com tuas provações, alegando cansaço e insatisfação, mais não fazes que repetir o velho hábito de desafiar as leis da vida em crise de rebeldia.

Não aceitas o presente, revoltas com o passado e reclamas antecipadamente do futuro, quando o problema está em ti, e somente de ti partirá a solução.

Aceitação e trabalho de transformação íntima são tuas receitas de profilaxia. Aplica-as o quanto antes e perceberás um refrigério no torvelinho mental a que te encontras.

A cada ato de inconformação estás enfermando tua alma, e de desgosto em desgosto causarás lesões significativas em tua estrutura afetiva, gerando danos imprevisíveis para o seu psiquismo.

Começa agora tua recuperação e ora a Deus pedindo forças, tenha a humildade para tal e pára de desafiar o Criador e Suas leis.

A tua harmonia afetiva e mental depende do quanto conseguires afinar tua realidade à Sábia e Misericordiosa Vontade do Pai e, para aprenderes a identificar a Vontade Divina, começa aceitando os imperativos das circunstâncias que te cercam, assumindo-os com coragem, responsabilidade e devoção, sem utilizar-se dos instrumentos da reclamação, da leviandade e da fuga.

Por fim lembra sempre que a maior lição a que te deves empenhar ante as lutas da rebeldia é aprender a gostar do que tem, do que és e do que fazes. Em resumidas palavras, descobre, o quanto antes, como amar a ti mesmo.


Capítulo 9

Cuidados de Amor

“Tudo o que dissemos das reuniões em geral se aplica naturalmente às Sociedades regularmente constituídas, as quais, entretanto, têm que lutar com algumas dificuldades especiais oriundas dos próprios laços existentes entre os seus membros. Freqüentes sendo os pedidos, que se nos dirigem, de esclarecimentos sobre a maneira de se formarem as Sociedades, resumi-los-emos aqui nalgumas palavras.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 334

Em momento de elevada sensibilidade, um coração querido na vida física dirigiu-nos sincero apelo a fim de que pudéssemos, quando possível, escrever algo sobre como ampliar as possibilidades do sentir.

Deixaremos, portanto, vinte recomendações sem quaisquer pretensões de esgotar o tema, vinte ítens que são fruto da observação e da vivência; todos, certamente, ampliam a sensibilidade e desenvolvem habilidades dos sentimentos, mas não podem ser considerados como regras ou um manual de viver. Chamemo-los de exercícios do coração na busca de educar a afabilidade, um treinamento para a ternura.

Jesus afiançou que onde está o vosso tesouro ali se encontra o coração, pois os cuidados de Amor são fonte de riqueza e sabedoria nos quais depositamos nosso afeto nas ações de nossa vida.

Cuidar é uma palavra que merece atenção especial de todos nós. Os cuidados com a vida, com o próximo, com a natureza e conosco próprio traduzem a atenção e o empenho para com as questões pertinentes ao coração e às responsabilidades de cooperadores na obra do universo.

Eis alguns cuidados que destacamos para nossa disciplina e aprendizagem do coração:

- SORRIR SEMPRE — Divina expressão de afeto.

- GOSTAR DE CONVIVER — aprender a compartilhar, vencer a auto-solidão.

- VALORIZAÇÃO DO BOM E DO BELO — sintonia com a “natureza Divina” do existir.

- VIGÍLIA EMOCIONAL- disciplina e “atenção plena” aos sentimentos.

- DISPONIBILIDADE — cultivar a prestabilidade que cativa, alivia e gera otimismo.

- HONRAR A CONFIANÇA — exercício de fidelidade e superação dos maus afetos.

- PERDOAR SEMPRE — perdão é higiene e saúde do coração.

- GOSTAR DO QUE FAZ — termômetro do quanto gostamos de nós.

- ORAR PELOS DESAFETOS — sinal evidente de melhora e dilatação da alteridade.

- ATENÇÃO AOS SINAIS DO HUMOR — o humor influencia decisivamente a vida afetiva.

- SOLUÇÃO DE CONFLITOS — viagem interior de autoconhecimento e busca de respostas.

- SABER DISCORDAR — prova significativa da inteligência interpessoal.

- CULTIVO DA SIMPLICIDADE — a simplicidade é sintoma de conexão com a essência da vida.

- TER CORAGEM PARA AMAR — amar tornou-se um ato de coragem ante a indiferença humana.

- CRIAR E RECRIAR LAÇOS — construir elos afetivos, revitalizar as alegrias, reinventar a rotina.

- SER ASSERTIVO — saber conviver bem com os sentimentos.

- TERNURA E CORDIALIDADE — cuidados essenciais de afeto para o dia a dia.

- CULTIVAR PERMANENTEMENTE O GOSTO POR CRIANÇAS — elas são a esperança e a pureza do Pai na Terra.

- SER ESPONTÂNEO — usando dos limites necessários pode-se brindar a auto-expansão.

- OLHAR A NATUREZA — os princípios universais estão contidos na vida natural.

A prática desses exercícios torna-se fonte inexaurível de afeto para quem os dinamiza em sua existência, porque são a exteriorização do amor.

Tais expedientes de amabilidade e ternura formam o piso para os relacionamentos edificantes, ricos na permuta dos cuidados de amor. Geram júbilo e motivação em cada dia que se renova em nossa existência na formação de laços superiores, refletindo de forma sadia em nossas vidas e, particularmente, nas lides doutrinárias, com ótimos resultados para o trabalho e o trabalhador.

Vivamo-los intensamente, e inevitavelmente estaremos naquela condição dos bem-aventurados os que têm puro o coração, pois que eles verão a Deus (1).

(1) Mateus, capítulo 5, versículo 8


Capítulo 10

Meditação Emocional

“O silêncio e o recolhimento são mais fáceis e tudo se passa como em família”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 335

Os estágios de consciência são degraus do autoconhecimento decorrentes da superação dos conflitos internos do ser.

Há pessoas evitando seus sentimentos por medo deles, desconhecendo-os, e isso não leva à educação. Outros existem que nem se dão conta de quais sejam suas emoções, e ainda há os que estão caminhando para utilizá-las em seu crescimento.

A meditação emocional é uma forma de lidarmos com a afetividade, estimulando-a sob a influência de visualizações mentais criativas, sadias e moralmente enobrecedoras. Por isso, inserimos abaixo pequenas frases indutivas que poderão servir de intróito para projetarmos a mente no dia-a-dia da faina doutrinária, e extrairmos os conteúdos de reavaliação e auto-exame, brindando-nos com pequenos lampejos no despertamento do afeto.

A continuidade do exercício será responsável pela otimização dos resultados, que poderão ser percebidos rapidamente, embora precisarão ser seguidos da vivência a fim de que sejam definitivamente consolidados nas profundezas das delicadas e sublimes “engrenagens da afetividade” no corpo mental.

Despertar afeto significa colocar o outro e nós mesmos na tela mental das reflexões, dilatando a empatia e procurando senti-lo, entendê-lo, perscrutar-lhe as ações, procedendo a uma avaliação dos relacionamentos, dos fatos rotineiros, dos cuidados, das ocorrências ditosas e das menos felizes, fazendo um apanhado das atitudes, elaborando mentalizações de conduta honesta e reta, sempre desculpando o outro e estudando a si mesmo, descobrindo as causas profundas das decisões e dos impulsos.

Em verdade, meditar não substitui a ação. A caridade é o maior exercício de Amor e despertamento da sensibilidade, conquanto tenhamos na meditação um instrumento que será absorvido com facilidade pelas pessoas habituadas à auto-avaliação ou que estejam predispostas a aprendê-la, fortalecendo o desejo e enrijecendo as disposições para conviver bem, sob o pálio do Amor incansável. Conviver bem é ter sabedoria para abordar o próximo tornando sóbria a relação, agradável, preenchedora, persistentemente, quantas vezes se fizerem necessárias. Além disso é significativa a utilização da empatia e da vigilância para saber revitalizar essa permuta, cativando-a sempre com os nutrientes atos de afeto altruísta.

Semelhante iniciativa demanda permanente postura de auto-avaliação, descobrindo, em nós, quais as causas reais para o que sentimos, pensamos e fazemos nos relacionamentos.

O estudo de nós próprios, seguido de ações renovadoras, será responsável pelo estabelecimento de elos mais duradouros e enriquecedores, mormente com aqueles os quais temos à conta de desafetos do cotidiano. Daí a importância da meditação sobre os episódios diários que nos cercam a convivência.

Escolha um momento mais disponível em que estejas mais relaxado e liberado das obrigações rotineiras, mais descansado fisicamente, ou então nos finais de noite, como preparo indispensável ao sono.

Faça uma prece a seu Espírito protetor e mantenha-se por um tempo pequeno apenas sentindo o clima da oração, assossegando a mente, relaxando as tensões físicas, formando o “piso mental” para a meditação.

Em seguida inicie a leitura das frases por nós sugeridas e detenha-se naquela que mais lhe desperte interesse, remetendo-se em seguida a uma meditação sobre suas vivências em grupo, seja na instituição doutrinária seja nos campos de ação de sua vida pessoal.

Especialmente procure voltar a meditação para os acontecimentos em que a consciência chamou-te à integridade do comportamento, e reflita nos “porquês” de tua conduta; analisa nas lembranças os móveis de tua ação, e agora repensa o agir, os novos contatos, projetando uma atitude feliz e equilibrada, conduzindo teus raciocínios para a medida corretiva; ora novamente suplicando a Deus as reservas de força que carecerás para encetar o novo comportamento; enleia-te na imagem mental do abraço fraternal com o outro, sempre perdoando-lhe as ações e descuidos.

Vai-te acostumando a essa auto-avaliação sempre e com o tempo a busca de ti mesmo passará a ser espontânea. Sentirás uma imperiosa necessidade de entenderes tuas decisões, tuas distrações, teus instantes gloriosos, tuas decepções, teus sucessos, tuas amarguras, tuas expectativas frustradas, penetrando na intimidade, na alma dos acontecimentos, extraindo dali o contingente da realidade “não visível”, “não palpável” ao homem fisiológico desatento dos deveres do auto-encontro.

Somente de posse de semelhante compreensão haurirás os recursos para burilar tuas manifestações interpessoais e empreender a afetividade sem se comprometer com a ingenuidade, com a lascividade, com as frustrações amorosas, com os traumas educacionais, com os conflitos do “existir” e do “ser”, permitindo que não te apegues em demasia, que sejas um convite sincero à amizade e que irradies a harmonia e a simpatia a quem te rodeia.

Desse auto-encontro sairás cada vez mais senhor de ti mesmo, pronto a conviver com mais proveito pelo bem alheio e teu próprio, utilizando com dinamismo e riqueza essa preciosa capacidade do afeto sem os desaires emocionais, fazendo dele uma fonte terapêutica e um caminho de plenitude em favor de tua felicidade, bem distante do pieguismo e do sentimentalismo infrutíferos.

Sem conheceres bem a ti mesmo, jamais te tornará apto a compreenderes a ação alheia.

Se não compreenderes o outro, perderás os frutos sazonados que a escola do relacionamento tem a oferecer-te.

Estando bem contigo, conseguirás ser a mão amiga, o coração acolhedor e a diretriz para quem partilha tua presença.

Jesus, o educador incomparável, estabeleceu o vós sois a luz do mundo como sendo delicioso convite para que nós, os seus aprendizes, sejamos constante estímulo aos viajantes dos grupamentos de nossa convivência, espargindo alegria, esperança, bondade e paz.

Meditação 1

Intimidade nos relacionamentos é a zona delicada da convivência que apela para a virtude e o caráter, a fim de saber fazer dela o que se deve, e não o que se quer.

Meditação 2

Em círculos de trabalho, onde o afeto se resguarda sob a tutela do medo de relacionar, mantendo distância afetiva, alastra-se um campo fértil para a mentira, a mágoa e a insatisfação.

Meditação 3

O que você fez essa semana para enriquecer o tesouro da amizade no conjunto de teus companheiros de ideal?

Meditação 4

Evita reclamar cotas de atenção e generosidade alheia.

Com o tempo, se te aplicares, perceberás que é muito mais gratificante ser amável e querer bem a todos.

Exercita-te.

Meditação 5

Estabeleça em tua casa espírita o mural da fraternidade.

Expresse ali os bons sentimentos. Um bilhete motivante, um cartão terno, uma mensagem nobre de estímulo, a lembrança do natalício, uma frase edificante de valorização.

Mural do afeto, termômetro emocional do grupo.

Meditação 6

Aversões, afinidades, desafetos, simpatias, todas elas são lições emocionais, aulas do coração.

Quando surjam, pergunte: Senhor, como devo amar nessa ocasião?

Meditação 7

Descontração e júbilos festivos ensejam saúde à convivência.

Todavia, nenhum rumo de integração para o relacionamento é tão efetivo e prudente qual o de repartires idéias e emoções, sob a égide do trabalho espiritual com finalidades sempre elevadas.

Meditação 8

Mantém-te sereno ante as reações inesperadas e hostis daquele que ombreia contigo na tarefa de amor.

Muitas vezes não podes avaliar o esforço por ele despendido para guardar a integridade até aquele momento em que tombou na fragilidade.

Meditação 9

Para aqueles que desertam das tarefas doutrinárias por entre mágoas e desentendimentos, mentaliza sempre a condição do doente que resolveu abandonar o tratamento em franca rebeldia, e guarda-te em oração por ele.

Você sabe: a doença o acompanhará na condição de nova medicação aplicada pela dor; sendo assim, ele, em verdade, só precisa de apoio, orientação, estímulo e carinho.

Reprimendas são dispensáveis, quando já se adquiriu a luz dos conhecimentos espirituais.

Meditação 10

A estabilidade emocional de um grupo é medida pelo desejo individual de seus membros em cooperar nas soluções dos problemas que surgem habitualmente, evitando fixar a mente e o coração nos problemas existentes.


Capítulo 11

Resgatando os Sonhos

“Cordialidade recíproca entre todos os membros.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 341

Na vida espiritual, a grande maioria dos que deixaram a carne carreiam consigo lastimável estado emocional de descrença e desvalor, em razão de perambularem pela vida física abatidos pelas provas e expiações dolorosas, que lhes subtrairam a capacidade de sonhar viver em paz e felizes.

As experiências provacionais na opressão, no sofrimento, nas privações, metas não atingidas, perdas “irreparáveis”, anseios reprimidos, doenças “incuráveis”, velhice frustrada, tudo isso nas mágoas e nas vielas da obsessão e da enfermidade reduzem a liberdade do homem, esgrimindo-o a regimes severos de disciplina e aprendizado.

Nessa conjuntura seus sonhos e ideais são soterrados por obrigações e necessidades de cada dia no amargor da realidade.

A função das provas, porém, entre outras, é ensinar a sonhar o que se deve e não matar o sonho.

Sonhar é pensar em crescer, ter metas, desejar progredir, encontrar soluções e vencer suas batalhas.

Sonhar é pensar sobre o futuro; quem não sonha não tem planos e nem anseios de progresso.

Somente sonham aqueles que se sentem úteis e produtivos, porque acalentam ideais.

Sem sonho as pessoas vivem sem aprender, passam sem construir.

O principal sonho a resgatar na Terra é o de ser feliz, pois as pessoas andam desacreditadas dessa possibilidade.

O tempo subjugado pela rotina retira imperceptivelmente da criatura os planos de vida e as ‘fantasias” de progresso, exigindo extrema capacidade de administrar as frustrações para conseguir viver e conviver ajustada aos parâmetros sociais exigidos, que, embora frágeis, tornam-se estacas de segurança e estímulo para que a desistência não tome conta da mente cansada e do coração vazio de esperanças palpáveis.

Nessa peregrinação de miseráveis sentidos, pobreza de valores e vivências é que muitas almas fazem o doloroso aprendizado dos bons costumes e da melhoria espiritual. Tolhidos muita vez do essencial, caminham vencendo séculos ou milênios de endurecimento no mal ou de recalcitramento ao bem.

Muitos deles aparecem em nossas noites de estudos públicos, tomam o passe e vão um tanto mais aliviados e confiantes, retomando suas lutas. Quando encontram grupos acolhedores e fraternos que se prestam ao serviço do amor incondicional e operante, deparam-se com um oásis dessedentador ante o deserto provacional de suas existências, resgatando forças “incompreensíveis” junto aos trâmites de sua rotina.

O afeto revitaliza em suas almas a coragem, o ânimo, a esperança, resgatando antigos valores adormecidos e espezinhados pela tormenta e pela sofreguidão.

Retomam também, ao longo de um tempo, a capacidade de sonhar colocando em ação os departamentos da imaginação e da criatividade, no desenvolvimento de metas sábias e harmonizadas com os novos conhecimentos e projetos de vida, sob a tutela da Imortalidade.

O estudo e o trabalho espíritas servem-lhes de investimento motivador da liberdade com responsabilidade, para a qual irão destinar, de agora para o futuro, todos os seus esforços possíveis na tentativa de dar sentido nobre e embelezador às suas vidas, até então, para eles, vazias e pobres.

Esse idealismo, essa paixão por um sonho de melhora espiritual é das mais preciosas dádivas a que pode entregar-se alguém, frente aos muitos sonhos lusórios e vácuos cultivados por maioria esmagadora da humanidade terrena, ante os apelos do materialismo e do prazer dos sentidos.

Razão pela qual, ante os quadros humanos de dor, o centro espírita deve ser aquele oásis de amor, paz e esperança aos viajantes cansados e oprimidos do caminho.

Repetindo a diretriz do Mestre vinde a mim que vos aliviarei, (1) a casa espírita, na pessoa de seus cooperadores e condutores, deve direcionar seus ambientes, quanto possível, para auxiliarem o homem a recuperar sua dignidade e sentir-se novamente um Filho de Deus.

Precisamos dar encanto aos nossos grupos. Encanto esse, acima de tudo, na vida interpessoal dispondo-nos ao cultivo da ternura, do respeito e carinho para que, antes do sonho, o ser sofrido e em provação, resgate a confiança no outro, reavivando suas sucumbidas esperanças nos valores humanos cristãos e renovando suas crenças falidas no amor e na felicidade.

Contínua e invariavelmente perguntemos a nós mesmos se estamos construindo as condições de encanto em nossos Círculos Espíritas, a fim de aferirmos o quanto estamos integrados com a proposta educativa da Doutrina Espírita.

Espiritismo é desafio educacional; e educação, entre vários significados, contempla o educador como incomparável guia e descobridor, auxiliando o próximo a reencontrar consigo mesmo e a retomar razões para viver, sonhar e “ser”.

Nesse prisma, a função do centro espírita será resgatar a capacidade de sonhar e instrumentalizar o homem de recursos morais-espirituais, que o auxiliem a tornar reais os seus ideais nas linhas do dever e da libertação incorruptível.

Daí o acerto da recomendação Kardequiana: “cordialidade recíproca entre todos os membros”. Um gesto de afeto, uma palavra amiga, um minuto de atenção será alívio e força para todos esses homens e mulheres que vivem amargurados pelos pesadelos da realidade provacional, constituindo-se, muita vez, em portal de entrada para novos e mais felizes dias no futuro...

(1) Mateus, capítulo 11, versículo 28


Capítulo 12

Divergência e Dissidência

“Estas últimas reflexões se aplicam igualmente a todos os grupos que porventura divirjam sobre alguns pontos da doutrina. Conforme dissemos, no capítulo Das Contradições, essas divergências, as mais das vezes, apenas versam sobre acessórios, não raro mesmo sobre simples palavras. Fôra, portanto, pueril constituírem bando à parte alguns, por não pensarem todos do mesmo modo. Pior ainda do que isso seria o se tornarem ciosos uns dos outros os diferentes grupos ou associações da mesma cidade.

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 349

Tema sempre oportuno é o amor que devemos uns aos outros em nossos círculos doutrinários de Espiritismo.

O conteúdo esclarecedor da Doutrina Espírita é meio, éinstrumento pedagógico, a fim de que alcancemos a essência evolutiva do ser, que é o Amor. Por essa razão, os laços de simpatia e cordialidade deverão estar sempre acima das questões de interpretação intelectiva.

Merece ser analisado nesse tema a questão da “ética da diversidade”, que deve orientar as atitudes entre cômpares de um mesmo ideal doutrinário.

As vivências sucessivas nos terrenos da religião sulcaram a mente humana com hábitos que até hoje refletem na convivência rotineira. Entre eles destacamos a ação discriminatória a quem não se alinhe filosoficamente aos princípios estatuídos por uma ordem religiosa.

Tachados de hereges e dissidentes, muitos corações ao longo da história sofreram o cáustico da dor, tão somente pelo fato de divergir no campo das idéias e dos costumes. Assim criou-se uma mentalidade de uniformização doutrinária intocável, inquestionável, e quantos ousassem divergir estariam sob influência maléfica de forças contrárias.

Verificamos os resquícios desse hábito enfermo nos ambientes espíritas, nos quais muitos relacionamentos emparelharam-se com as questões do religiosismo, alavancando todas as associações mentais pertinentes a essa experiência.

Desse modo, em nossas fileiras de aprendizado, o ato saudável de divergir adquiriu uma conotação pejorativa, uma atitude própria de “obsedados”, dissidentes e personalistas, estabelecendo o conceito de que divergir significa oposição. Contudo, pensar diferente não deveria significar que se ama menos ou que se está contrário a alguém ou a alguma instituição. Nem todos que divergem têm intenções dissidentes ou contrárias.

A divergência de idéias é uma necessidade a quaisquer grupos ou pessoas que desejem o crescimento real. Onde todos pensam uniformemente há muito campo para o radicalismo de opiniões, à dissimulação de sentimentos e à fragilidade de elos emocionais para formação de relações sadias. Saber conviver com opiniões contrárias é saber emitir idéias sem a carga emocional da vaidosa pretensão.

Por isso, atentemos para o debate honesto e equilibrado, através do qual empreende-se a convivência fraterna em clima de pontos de vista diversos, e estimula-se a ação solidária em busca de pontos convergentes e de um relacionamento harmônico, não afetado pelo ato de discordar.

Propugnar por um alinhamento ideológico em regime de unanimidade é arar terreno para que a cada dia estejamos distantes da verdadeira união a que todos almejamos. O que precisamos é aprender a conviver em regime de diversidade, prestigiando as diferenças e os diferentes com os nossos melhores sentimentos, principalmente se deles discordamos.

A ética da diversidade, a alteridade, é o próprio ensino de Jesus quando nos indaga: que galardão há em amar somente os que vos amam? (1)

Pergunta essa que merece a maior atenção de nossos grêmios espíritas-cristãos, diante do desafio de disseminarmos para à sociedade os padrões éticos de uma “nova humanidade”, ante o alvorecer desse terceiro milênio.

A verdadeira unificação só se fará privilegiando a “ética das diferenças”, elegendo o respeito com todos os livres pensadores e segmentos que se estruturam em nossos grupos, respeitando-se e solidarizando-se.

Essa ética, que é a do Evangelho, propÕem-nos: amai os vossos inimigos (2), orai pelos que vos perseguem e caluniam (3); enfim, é o amor alteritário, altruísmo vivido e exemplificado acima de tudo para com os que divergem de nosso entendimento.

Se guardamos as mais nobres intenções na escola do amor, e se divergimos no entendimento, exerçamos na intimidade esse aprendizado da alteridade aos que comungam conosco as rotas de ação e entendimento.

O grande desafio do programa unificador para o próximo século é a convivência alteritária sob o pálio do Amor fraterno. Nesse tempo compreender-se-á que caminhos dissidentes nem sempre são caminhos oponentes, mas, antes de tudo, alternativas de labor e aprendizado na escola diversificada da vida.

Não podemos deixar de ressaltar, conforme Allan kardec destacou em “Os cismas”, nas suas Obras Póstumas”, que há dissidências ocasionadas por personalismos e vaidade, com ingentes carências afetivas direcionadas para o destaque pessoal. Retifiquemos, porém, nossa visão, pois nem todos que enxergam a Doutrina por óticas diversas às nossas ou que implementam programas com propostas fora dos padrões costumeiros, necessariamente, escolheram essa trilha para serem opositores contumazes e exclusivistas em busca de realce e glórias individuais.

Atentemos para essa questão sutil do amor.

Amar os diferentes.

Ética da diversidade.

Amor aos divergentes.

Jesus, o modelo, foi a grande referência. Sempre, por onde passou, externou pujante amor a todos, enriquecendo Seu caminho de lições alteritárias com muita abertura para acolher os divergentes de toda estirpe, sem exclusões e sem dissidências, conquanto tenha Ele divergido dos caminhos humanos durante todo o Seu ministério.

(1) Mateus, capítulo 5, versículo 46

(2) Mateus, capítulo 5, versículo 44

(3) Mateus, capítulo 5, versículo 44


Capítulo 13

Paixão e Amor

“Ausência de todo sentimento contrário à verdadeira caridade cristã.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 - ítem 341 4º Parágrafo

O alimento afetivo é essencial para o equilíbrio do ser humano. Sua função junto ao complexo psico-físico do ser é de evidentes e comprovados efeitos a partir da neurofisiologia do organismo corporal. A permuta afetiva produz a dinamização de substâncias neuroquímicas e a produção de endorfinas, gerando mensagens de prazer para o corpo que com elas se delicia em sensações agradáveis e revitalizantes. Igualmente, a corrente sangüínea é irrigada de adrenalina produzindo calor, daí a expressão “calor humano” quando se refere aos intercâmbios do coração.

Como se não bastasse, a vida mental é plenamente reciclada em cada ato de amor libertador, porque o afeto é a seiva reguladora do “sistema humoral” da criatura, nutrindo os neurônios de cargas psico­afetivas para o equilíbrio mental.

Apesar de sua função vital para a felicidade, a humanidade terrena estagia nos primeiros degraus do aprendizado relativo a questões da vida afetiva. A escola da convivência encontra-se ainda na infância de suas lições acerca do uso nobre do afeto, analisado sob as lentes do Espírito imortal.

A construção de relações libertadoras e sadias para a felicidade e a paz exigem a boa utilização desse potencial, em quantidade e qualidade adequadas à personalidade de cada criatura, nos grupos de nossa atuação. Nessa perspectiva, torna-se imperioso averiguar as diferenças marcantes entre amar e apaixonar, no quadro das afeições do coração, para que obtenhamos melhores noções na aferição de nossas expressões de afetividade.

Na Terra toma-se um como sinônimo do outro e diz-se “amar loucamente” quando se está apaixonado. Mas a paixão atrofia o livre-arbítrio, hipnotiza o raciocínio e perturba o comportamento, enquanto o Amor liberta, amplia o discernimento e gera harmonia no ser.

A paixão é um fenômeno atrelado à gênese do egoísmo, enquanto o Amor é a etapa das relações em que existe a renúncia espontânea do “eu”.

Consideremo-la como um dique rompido que permite às energias emocionais provocarem intensa evasão, quando não são contidas pela disciplina e pela conduta ética superior. Havendo o descontrole nos reinos do sentimento, automaticamente serão ativados os mecanismos da atração magnética e os implementos psico-fisicos do “sistema sexual”.

“Paixões relâmpagos” costumam atormentar as mentes que se permitem fantasias de ventura ou o prazer em instantes de crise na guarda moral de si mesmas.

Paixões fulminantes sempre serão caminhos perigosos para o encontro com o verdadeiro amor, e não será demais lembrar que elas são um capítulo infeliz de histórias que, comumente, terminam em decepções e muita mágoa que deixam doloridas feridas afetivas.

A paixão é como um colapso das forças do coração colocando a criatura refém de si mesma, nos domínios da afeição sem limites, atordoando a razão e enfraquecendo a vontade, causando uma pane biológica na vida hormonal e neurocerebral, tema esse que tem merecido estudos da neurociência na compreensão da química fisiológica.

Sabe-se na Terra que os processos afetivos são responsáveis diretos pela harmonia ou desajustes na vida dos neurônios. O estudo das sinapses - conexão entre os neurônios - tem revelado ao homem que a quantidade de neurotransmissores - elementos químicos mensageiros - é fator determinante para variados quadros dos distúrbios do humor, desde a depressão branda a psicoses graves.

O homem e a mulher apaixonados alteram significativamente a produção de tais substâncias responsáveis pelo fenômeno do apaixonamento, preenchendo os espaços sinápticos de dopamina e noradrenalina, causando extraordinário bem-estar físico, outras vezes produzindo a “morfina natural” ou as endorfinas, levando a reações incomparáveis de saúde e vitalidade. Sua ação altera o cosmo bio­fisiológico, contudo, passado o efeito desse colapso de “afeto biológico”, os reflexos do estado anterior retornarão podendo mesmo alterar o funcionamento da vida neuronial, a partir de processos energéticos que são detonados na vida mental extracerebral em razão dessa “pane dos sentimentos”.

Seja pela decepção ou porque acabou o “fogo fátuo” do “amor apaixonado”, dois resultados pouco construtivos ficam dessa experiência: o intenso desejo de uma nova experiência melhor sucedida na sua conclusão, ou ainda a mágoa prolongada seguida de reclusão nas questões do Amor. Ambas, conseqüências infelizes para o equilíbrio e a maturação dos relacionamentos.

A paixão afetiva sentida em qualquer época da vida, seja na juventude ou mesmo na velhice, ainda é um sintoma de imaturidade espiritual, um fenômeno primário enquistado nos refolhos da mente em milenares degraus da evolução dos processos do sentir. Seu benefício passageiro, quase sempre sem as condições de continuidade, denuncia sua pouca utilidade para o crescimento no campo das experiências da maturação emocional.

O verdadeiro Amor, ao contrário de tudo isso, é uma construção lenta, feita dia após dia, é um desenvolvimento efetivado pela entrega integral e a responsabilidade com os deveres assumidos junto ao outro. É uma parceria que tende a crescer, na medida em que o par ou grupo cultivam os valores da cooperação espontânea, do apoio incondicional, da valorização mútua, do diálogo e outros tantos caminhos que fazem da relação uma amizade preciosa e boa de viver, sem os ímpetos infantis e arriscados da paixão.

Vigiemos nossas expressões de afeição, seja em qual direção for.

Nas experiências espíritas, convenhamos que existe um tipo de paixão que torna imperativo a disciplina: é a paixão idólatra na qual canalizamos excessiva dose de afeto a pessoas de nossa admiração ou a práticas, às quais nos devotamos nas rotinas doutrinárias, incentivando assim o misticismo e a mitificação em atos de “fé impulsiva”, na sustentação de carências pessoais. Tais lances da convivência em nossos núcleos espirituais podem incentivar o desequilíbrio, se não houver vigilância.

Confundindo mais uma vez a paixão com Amor, apegamo-nos excessivamente a essas situações, permitindo um predomínio de sentimentos para com esse ou aquele coração ou atividade, sobrecarregando-os com frustrações e projeções de necessidades individuais, desenvolvendo uma idolatria que pode raiar ao fanatismo e às ações inferiores, se não comparecer a educação e a responsabilidade.

Tudo em excesso é pernicioso para o crescimento espiritual.

A única paixão justificável nos quadros da espiritualização é a de aprender e servir.

Como nos encontramos nos primeiros degraus da escola do amor, cuidemos de nossos relacionamentos no grupamento espírita e verifiquemos se não estamos caminhando para esses excessos dispensáveis. Evitemos confundir admiração e afeto com ilusão e carências, respectivamente. Tenhamos siso e aprendamos que mesmo o amor, o nosso amor ainda impuro, solicita muita disciplina e atenção para não permitir os golpes surpreendentes dos desejos inferiores que ainda carregamos.

Por isso costumamos destacar a convivência espírita como uma escola abençoada no burilamento da afetividade, porque nela, mais que em outros ambientes, somos chamados à lucidez da atitude através das sábias recomendações do Evangelho e do Espiritismo, em favor da integridade de nossa consciência. Talvez devido a isso, o Codificador, em nossa referência de apoio acima, destacou a necessidade de cuidarmos de todo sentimento contrário à verdadeira caridade cristã, quando enumerou as condições morais essenciais para atrair a simpatia dos bons Espíritos.


Capítulo 14

O Teste dos Cargos

“Alguns julgam que o título de sócio lhes dá o direito de impor suas maneiras de ver. Daí, opugnações, uma causa de mal-estar que acarreta, cedo ou tarde, a desunião e, depois, a dissolução, sorte de todas as sociedades, quaisquer sejam seus objetivos.”

O Livro dos Médiuns - capítulo 29 - ítem 335

As motivações para a presença de alguém no centro espírita são sutis e pessoais. O estudo dessas razões íntimas levam-nos a enxergar as expectativas e interesses de cada qual, espelhando a variedade de necessidades de quem recorre aos serviços doutrinários. Esse estudo será sempre de grande utilidade aos dirigentes para adequar as tarefas e melhor atender as demandas espirituais de profundidade dos que se albergam sob o teto espírita.

O freqüentador de ontem assume hoje a posição de cooperador, e o cooperador de hoje será amanhã o condutor de grupos ou multidões, estendendo o benefício de sua experiência a uma mais ampla gama de projetos. Nesse caminho de crescimento e promoção individual serão encontrados os mais variados testes de aferição no que tange ao aprendizado. As responsabilidades que assumem os trabalhadores conduzem-nos a vivências íntimas de libertação e amadurecimento com as quais a criatura dilatará seu patrimônio nos rumos da auto-realização, da felicidade.

Contudo, até que o aprendiz ajuste o seu campo mental e afetivo aos alvitres do serviço, absorvendo-lhe a essência e finalidade maior, ocorrem desvios naturais e toleráveis que refletem na obra as deficiências do obreiro.

Atinemos para uma das situações que se apresentam como teste valoroso e que, no entanto, tem levado algumas almas bem intencionadas a quedas e distrações lamentáveis. É o teste dos cargos.

Allan Kardec não se furtou de aplicar sobre ele a sua lente de observações sensatas e meticulosas. Vejamos que em nosso ítem de apoio, no capítulo 29 de O Livro dos Médiuns, o Codificador constata a relação existente entre o título de sócio e a visão pessoal que pode estabelecer perturbações ao conjunto, quando o cargo é utilizado para fazer valer direitos.

Os cargos em si mesmos não são o problema. Eles são necessários para a disciplina, a ordem e o progresso das instituições. A relação de apego travada com os cargos é que podem constituir graves problemas para nossas Sociedades.

Em muitos casos, temos observado um processo sutil de apego aos cargos, representando a expectativa subliminar de prestígio e reconhecimento, como forma de compensar a frustração advinda de fracassos e metas não atingidas em várias vivências do ser humano. Não logrando o sucesso desejável em outras áreas, a criatura encontra na posição de comando o “lugar sonhado” para ser bem sucedido e valorizado. Não se sentindo bom pai, bom filho ou boa mãe, bom profissional ou bom colega, bom chefe ou bom vizinho, não alcançando vôos de simpatia junto à convivência, ou ainda não obtendo êxito nos degraus da formação cultural, procura nos cargos a proeminência, a situação de destaque junto aos grupamentos doutrinários, compensando suas frustrações não superadas.

Interessante analisar que existem corações com vivências opostas, bem sucedidos em todas as áreas, no entanto asilando profunda necessidade de projeção pessoal que lhes leva ainda assim a recorrer às faixas dos rótulos: esse é o problema do personalismo.

Na verdade, nessas condições referidas, alguns desses casos são companheiros com baixa auto-estima, não se sentem amados, queridos, e parecem encontrar essa “sensação’ de Amor e respeito no trono das honrarias temporais; alguns foram educados para a vitória nas passarelas do materialismo, onde desfilariam com seus títulos e méritos; outros são realmente Espíritos afeiçoados à vaidade das posições exteriores, com as quais já se acostumaram ao longo dos séculos; outros ainda são apenas os que se iludiram com essa possibilidade de projeção, já que não foram felicitados com a auto-realização nas lições da vida.

A rotina desses corações torna-se algo enfermiço na medida em que vivem seus dias, porque, não encontrando no lar, na profissão e na convivência a alegria e o bem-estar, fogem cada vez mais para a sombra da hierarquia, procurando “descansar” das refregas e descompensações hauridas nesses ambientes, onde seu valor pessoal é recebido com indiferença ou desdém. No centro espírita, porém, ele é “alguém”! É como se a linguagem de seu sentimento dissesse “aqui eu posso, aqui eu sou”. Por sua vez, aqueles enqüadrados nas vivências personalistas serão motivados, cada vez mais, a dependerem de cargos para a continuidade de sua “rotina espírita”, chegando mesmo a afastarem-se da dinâmica doutrinária se não lograrem as honras que se julgam credores.

Evidentemente que nessas situações, a despeito do valor que terá o cargo e o encargo para essas criaturas, as suas possibilidades são escassas para uma direção alvissareira, valorativa das habilidades alheias, ponderada e democrática.

O campo de aprendizado será amplo, mas a atenção dessas criaturas terá que se voltar, sobretudo, para a melhora das condições afetivas. Se o grupamento dirigido não contar as qualidades desejáveis no quadro das virtudes, situações provacionais poderão surgir na aferição dos valores coletivos. Essa tem sido a situação espiritual de muitos grupos sob a égide da filosofia espírita: condutores assumindo ares de onipotência, com os quais se compensam nas necessidades e interesses pessoais, e dirigidos acatando a insensatez em nome de sua “diretriz experiente”, somente porque o companheiro do cargo tenha algumas dezenas de anos como tarefeiro.

O teste dos cargos é uma aferição de desprendimento e humildade. Trazemos no psiquismo milenar experiências muito graves nesse setor.

O processo de hierarquia religiosa nos últimos vinte séculos consolidou hábitos de acentuado egoísmo. As próprias instituições estruturam-se para alimentá-lo através de concessões e privilégios.

O encanto com as posições temporais tem sido vereda de fortalecimento do personalismo e rota de fuga para os frustrados de vários matizes. Razão pela qual, considerando a concepção espírita de hierarquia, assumir responsabilidade junto a rótulos de poder significa teste de competência e abnegação.

Relativamente a cargos e posições de destaque nas fileiras espiritistas, foquemo-los como acréscimo de deveres e ensejo de fazer o bem em mais ampla escala. Naturalmente, com tais posturas o “transbordamento afetivo” poderá vir à tona. Nessa hora façamos continuados auto-exames na verificação de nossas decisões e sentimentos, esforçando-nos sempre para transformar esse tipo de satisfação pessoal em relações afetuosas e devotamento ao bem coletivo, a partir das funções e obrigações da hierarquia, a nós confiada. Carecemos muito de exemplos nesse terreno.

Tem faltado, sobremaneira, atitudes lúcidas de desprendimento das formalidades e cerimônias que incensam o personalismo junto a ocasiões de congraçamento e festa, e também na rotina das instituições, quando então esse exemplo de abnegação pessoal contagiaria outros para que, mais adiante, quando viessem a assumir essas mesmas responsabilidades, respaldassem no exemplo de seus antecessores.

Porém, ainda hoje, temos que assinalar com lamento que, com raras exceções, semelhante atitude anda longe de nossos grêmios de amor.

Falta-nos coragem, talvez um pouco mesmo de criatividade para assumir a escolha de diluir a excessiva aura dos cargos, diminuindo a sua expressividade perante o respeito alheio, deixando crescer o afeto nas relações, acima de quaisquer distanciamentos que possam provocar as convenções.

Estejamos atentos a esses ensejos e encetemos em nós mesmos o compromisso de estar acima das convenções, recordando a profunda e excelente advertência de Jesus, que constitui o melhor e mais feliz projeto para aproveitamento seguro e libertador nas provas do mando: “(...) antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve. “(1)

E o Mestre lionês, objetivando segurança e fidelidade na Sociedade Espírita de Estudos Parisienses, não deixou de assinalar em seu regulamento um artigo de essencial valor para todas as agremiações que se orientam sob a tutela do Espiritismo com Jesus, assim expressando-se: “Artigo 5º - Para ser sócio titular, é preciso que a pessoa tenha sido, pelo menos durante um ano, associado livre, tenha assistido a mais de metade das sessões e dado, durante esse tempo, provas notórias de seus conhecimentos e de suas convicções em matéria de Espiritismo, de sua adesão aos princípios da Sociedade e do desejo de proceder, em todas as circunstâncias, para com seus colegas, de acordo com os princípios da caridade e da moral Espírita. (2)

(1) Lucas, capítulo 22, versículo 26

(2) O Livro dos Médiuns — capítulo 30


Capítulo 15

Espíritas no Além

“Se a evocação dos homens ilustres, dos Espíritos superiores, é eminentemente proveitosa, pelos ensinamentos que eles nos dão, a dos Espíritos vulgares não o é menos, embora esses Espíritos sejam incapazes de resolver as questões de grande alcance.”

“Essa é, pois, uma mina inexaurível de observações, mesmo quando o experimentador se limite a evocar aqueles cuja vida humana apresente alguma particularidade, com relação ao gênero de morte que teve, à idade, às boas e más qualidades, à posição feliz ou desgraçada que lhes coube na Terra, aos hábitos, ao estado mental, etc.”

O Livro dos Médiuns — capítulo 29 — ítem 344

Mais uma vez a sabedoria do senhor Allan Kardec fica exposta na referência supracitada.

Ninguém como ele aprendeu tanto com as comunicações dos Espíritos “vulgares” - como nomina-lhes. Sua atividade nesse sentido foi exaustiva. E o ilustre Compêndio-Luz “O Céu e o Inferno”, de sua autoria, na 2ª parte, é uma excelente coletânea de exemplos classificados com esmero pelo Codificador, atestando-nos o quanto podemos aprender com essas comunicações.

Seguindo-lhes os sábios passos, transmitiremos aos amigos uma experiência nessa linha de aprendizagem.

Em tarefas desenvolvidas na erraticidade, cooperamos no ajustamento e adaptação de recém-desencarnados ao nosso plano de vida. Quando em estágios avançados de recuperação, prestes a retomarem contato com os ambientes terrenos em excursões educativas, aplicamos diversas técnicas de preparo e sensibilização; entre elas, o aprendiz disserta, em uma missiva com apontamentos elevados, a sua experiência desencarnatória.

Selecionamos entre as muitas missivas, e com a autorização do missivista, um drama comum a boa parte das desencarnações de espíritas. Objetivamos assim que a vivência desse coração querido, nos lances da vida afetiva, seja útil às reflexões de vós outros que se encontram na carne investidos das responsabilidades com o Consolador.

Segue, resumidamente, a missiva.

* * * *

“Meu drama não escapa dos resultados infelizes que nós, os espíritas, na maioria dos casos, colhemos além-túmulo quando empanturramos o cérebro com informações doutrinárias, sem digerí-­las saudavelmente na vivência diuturna. Acumular conhecimento sem renovar o coração é o mesmo que nos mantermos desavisadamente àbeira de enorme precipício que, ao menor descuido, arremessa-nos aos despenhadeiros da “morte física e espiritual.”

“Somente aqui percebi com clareza que o pensamento iluminado é roteiro de paz, mas o sentimento, em verdade, é o “espelho” da consciência na busca dessa mesma paz que, no meu caso, ficou soterrada sob o monturo da distração e do interesse pessoal.”

“A razão esclarecida, quando se dissocia do afeto elevado, éparceira da ilusão, adquirindo séculos de dor e enganos que, depois de muito sofrimento, servirão como buril do coração na conquista dos sentimentos nobres. Contudo, Deus não nos criou esse doloroso caminho. Nós o escolhemos...

“Minha primeira grande decepção no além foi o encontro que tive com algumas companhias, que cumprimentaram-me com leviana intimidade e termos chulos. Ao esboçar mentalmente a indagação sobre quem seriam, não careci da resposta, porque ressumava na minha mente lembranças estranhas de lugares e ações entre nós... Percebi então que eram velhas companhias de minhas antigas condutas, com as quais seria deseducação e desentendimento querer me livrar.”

“A Misericórdia Divina, porém, é generosa sem ser conivente, e graças a alguns benefícios que espalhei abnegadamente, tive um estágio curto em tais companhias e ambientes repugnantes nos círculos próximos à Terra.”

“Minha falência tem sido a de inúmeros companheiros de ideal.”

“Como disse, cérebro iluminado não garante nobreza de afeto, e foi em razão de descuidos do sentimento que lavrei minha desdita.”

“Os primeiros cinco anos de vida espírita, iniciada em plena juventude aos vinte anos, foram estacas balizadoras. Trabalho, estudo e melhora moral. Chegou, no entanto, a hora do testemunho. Depois da faculdade, surgiu incomparável chance profissional. Não a perderia jamais. Dediquei-me de tal forma ao mister que abandonei a escola do centro espírita. Cada dia mais tornava-se imperativo desdobrar-me aos negócios.”

“Justificava com a necessidade de descanso, e ademais pensava:

isso passa rápido e logo terei vida farta, podendo dedicar-me ao Espiritismo.”

“Aos trinta e cinco anos já era um homem cansado, sem ideal, nem mesmo os materiais, já que comprovei na afanosa carreira que a justiça social é inimiga do sucesso dos honestos. Cedi então aos alvitres da falcatrua elegante e “justificável”. Afinal, “não haveria outro jeito.” Comecei a ter lucros. Às vezes tinha sentimentos de desconforto, mas aprendi a “enganar” a consciência.”

“Aos quarenta a idéia de formar família atordoou-me; nunca fui dado a aventuras afetivas, pensava em filhos. Minha cabeça não permitia o tempo para os anelos do amor. O sexo não me atormentava.”

“Aos quarenta e sete anos, com uma vida estressada, fumando e ingerindo alcoólicos, regularmente, adquiri uma úlcera duodenal que consumia minhas forças essenciais. Numa das internações hospitalares, meditava sobre minha juventude e tive a impressão nítida da presença espiritual de minha mãezinha querida; adormeci e tive sonhos inesquecíveis, nos quais ela chamava-me para a lucidez. Tudo em vão; saindo do hospital, deliberei por um negócio engenhoso. Foi meu último passo na vida física, porque os resultados foram desastrosos, levando-me a incontida frustração e cruel desânimo. Peregrinei nos centros espíritas novamente, entretanto, a despeito de saber de tudo aquilo que ouvia, nada sentia no coração sofrido e enregelado que me motivasse a alguma mudança.”

“Descuidado e imprevidente, desencarnei em lamentável acidente automobilístico.”

“Somente depois de muitas etapas superadas na auto-recuperação é que posso concluir com acerto sobre o drama que me abateu: priorizar e comprometer-se com as questões espirituais é assunto do coração, é questão do sentimento. E se o sentimento é o “espelho” da consciência, devemos refletir a “Imagem Divina”, a bem de nós mesmos.”

“Distraído que fui, pago o preço do descompromisso..

“Hoje tenho para mim uma outra escala de aferïção sobre quem são os verdadeiros espíritas. Eu, que entusiasmei-me em excesso com escritores renomados, médiuns ilustres e “bibliotecas ambulantes de Espiritismo” em que muitos se tornavam, acredito agora que espírita com Jesus, no rumo da sua paz, é aquele que em qualquer tempo, nos reveses ou na calmaria, mantém o ideal de melhoria acima de quaisquer circunstâncias, jamais abandonando ou protelando as tarefas, renunciando sempre que possível a gostos e projetos pessoais, deixando-se levar com muito equilíbrio pelos ditames do coração, que são direções seguras da consciência, encaminhando-nos para a lídima felicidade.”

* * * *

Amigo de jornada,

Eis a nossa grande empreitada nos estágios espirituais em que nos encontramos: alfabetizar o coração nas trilhas do bem definitivo, efetivar a aprendizagem da religião cósmica do Amor, plenificar a existência renovando o modo de sentir.

Indagamos oportunamente o sábio Bezerra de Menezes sobre qual seria o maior drama vivido pelos espíritas ao deixar a vida corporal, e dele recebemos a seguinte gema de sabedoria:

“Filha, os dramas espirituais são resultados da semeadura terrena, obrigando o lavrador da vida a colher os frutos do que plantou, conforme a lei dos méritos. Assim sendo, o maior drama daqueles que se internam na “Enfermaria do Espiritismo” não está na infeliz colheita de sofrimento aqui na vida extrafísica, mas sim no dia a dia da experiência terrena quando recusam-se, na condição de doentes, a ingerir o remédio da renovação interior. Conscientes do que existe para além da morte, deveriam submeter-se a urgente metamorfose afetiva, acionando os recursos da educação com vontade firme e muita oração. O esclarecimento, mesmo constituindo luz e lenitivo, por si só, não basta ao sublime tentame.”

“Os dramas do além são conseqüências. O verdadeiro drama está em conhecer e nada fazer para melhorar-se.

- E arrematou o venerável apóstolo do bem:

“Parece um contra-senso! Enquanto o homem comum colhe amargos frutos na vida espiritual pelo desconhecimento, os espíritas, quase sem exceções, experimentam sofrida amargura por muito conhecer!...”

Perante a missiva exposta e as palavras do “médico dos pobres”, erguemos em alta voz a campanha pela humanização nos centros espíritas, convocando os co-idealistas, como lema de suas ações, a inspirada proposta do Espírito Verdade:

“Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo. - O Espírito de Verdade. (Paris, 1860.)”(1)

Certamente não será sem razões que nesse apelo o amor é o primeiro ensinamento...

(1) O Evangelho Segundo o Espiritismo — capítulo 6


Capítulo 16

Sob a Luz do Amor

“Os grupos que se ocupam exclusivamente com as manifestações inteligentes e os que se entregam ao estudo das manifestações físicas têm cada um a sua missão. Nem ums, nem outros se achariam possuídos do verdadeiro espírito do Espiritismo, desde que não se olhassem com bons olhos; e aquele que atirasse pedras em outro provaria, por esse simples fato, a má influência que o domina. Todos devem concorrer; ainda que por vias diferentes, para o objetivo comum, que é a pesquisa e a propaganda da verdade. Os antagonismos, que não são mais do que efeito de orgulho superexcitado, fornecendo armas aos detratores, só poderão prejudicar a causa, que uns e outros pretendem defender.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 - ítem 348

Interessante analisar, daqui para o mundo físico, a influência marcante de velhas ilusões que carreamos para os ofícios de reeducação na sementeira espiritista.

Quando aqui aportamos temos melhor dimensionada as percepções que nos permitem lançar um novo olhar sobre os esforços gerais no bem, fazendo-nos concluir que trabalho algum é dispensável, e todos, conquanto suas deficiências, concorrem para o progresso da causa.

No entanto, em regressando ao corpo físico, invadidos pelas milenares miragens do orgulho, costumamos entender nossa tarefa como a melhor e essencial, nossos conceitos como sendo a mais valiosa expressão da verdade e a nossa participação como admirável missão que nos eleva acima dos demais.

A despeito de erguermos juntos o estandarte da caridade, vezes sem conta abandonamos o imperativo de aplicá-la também nas nossas relações com quantos nos partilham o clima das atividades doutrinárias.

Retifiquemos essa miopia da visão espiritual.

Passemos a compor o escasso grupo daqueles que incentivam e sabem respeitar os esforços alheios, sejam quais forem.

Disciplinemos a tendência de excluir, e quando destacarmos falhas recolhamo-nos na ação indulgente ou mesmo ao silêncio e oração.

Valorizemos nossa atuação sem desprezar a de outrem.

Cerremos esforços na direção que melhor atenda as nossas crenças sem alimentar o anseio de ser seguido. Recordemos que ninguém está obrigado a tal mister, da mesma forma que não temos a implicação de seguir ninguém.

Façamos isso em favor de nossa paz e da ordem geral nos nossos campos de trabalho redentor.

Lembremos velho rifão das esferas extrafísicas que diz “nenhum caminho para o bem é dispensável, mas nenhum de nós é insubstituível nos serviços de Deus”, remetendo-nos a concluir que, se toda tarefa é valorosa, certamente nenhuma depende de nós...

Em verdade, habitualmente, o excessivo valor que conferimos às realizações com as quais cooperamos é o mesmo que emprestamos à nossa personalidade sob as lentes da vaidade...

Em razão disso, anotemos duas metáforas oportunas.

O movimento espírita pode ser comparado a estimável universidade do Espírito; as instituições são as áreas específicas de aperfeiçoamento e cada tarefa pode ser entendida como uma classe que reúne um certo número de aprendizes. Nesse concerto de educação e melhoria, todos temos o valor pessoal e intransferível no aproveitamento das lições na construção de nosso saber eterno.

Noutra imagem podemos conceber a Seara como um incomparável hospital da alma; cada grupamento assemelha-se a uma especialidade de recuperação e cada atividade a uma enfermaria de convalescença. Nesse ambiente de tratamento e prevenção, todos temos nossas doenças a cuidar com medicações individuais na busca de nossa alta.

Aprendizes e enfermos, eis o que “estamos”!

Portanto, ante os assaltos ilusórios do personalismo no que tange a comparações e julgamentos, fiquemos com o Codificador que acentua: vias diferentes, objetivos comuns, para a propagação da verdade, conforme a nossa referência supra destacada.

* * * *

Amigo do coração,

Estejas convicto de que, apesar de tuas reservas com os deveres alheios no bem, Deus conta com eles.

Envolve-te na psicosfera do Amor, se desejares entender os planos do Pai para com aqueles aos quais ainda não consegues devotar apreço, entendimento e admiração incondicionais.

É natural que enxergues elitismo nos que estudam com afinco, já que por agora não despertastes ainda tanto quanto deveria para a importância do conhecimento na felicidade dos homens.

Compreensível que não entendas os eloqüentes do verbo libertador, já que ainda não te sensibilizastes o bastante para o benefício de impor disciplina a teu próprio linguajar diário.

Honesta de tua parte a preocupação com o excesso institucional, sabendo que teu incômodo é sinal do aprendizado que tens urgência em aquilatar para que não cometas a mesma distração.

Aceitável que destaques personalismo naqueles que cumprem a rotina das honrarias e cargos, uma vez que não dominastes por enquanto tuas manifestações de vaidade em pequenos lances da existência.

Sincero de tua parte supores que o farnel distribuído é fonte de preguiça, considerando que ainda não amealhastes suficiente experiência da doação de si mesmo junto aos deveres materiais no lar e na profissão.

Justo tua inconformação com a coleta de recursos para eventos de confraternização e estudo, uma vez que ainda não arregimentaste melhores concepções sobre a urgência da união entre grupos de interesse comum.

Razoável cobres da conduta do próximo aquilo que ainda não conseguiste implementar na tua própria vivência, e que julgues os denodos de Amor dos outros conforme seus limites de atuação.

Contudo, se queres amealhar paz e sabedoria para tua vida, sobrepõe-te a todas essas questiúnculas da existência, que são sombras do egoísmo, e envolve-te no afeto cristão, sendo cortês, generoso e terno com tudo e com todos, educando-te no amor indistinto e incondicional perante as diferenças e os diferentes que te circundam a experiência carnal.

Vai, experimenta e verás!

Verás o que acontece quando optares pelo Divino sentimento ao encontro de teus irmãos, sob a luz do amor.


Capítulo 17

Severa Inimiga

“Graças a surdos manejos que passam despercebidos, espalham a dúvida, a desconfiança e a desafeição; sob a aparência de interesse hipócrita pela causa, tudo criticam, formam conciliábulos e corrilhos que presto rompem a harmonia do conjunto; é o que querem. Em se tratando de gente dessa espécie, apelar para os sentimentos de caridade e fraternidade é falar a surdos voluntários, porqüanto o objetivo de tais criaturas é precisamente aniquilar esses sentimentos, que constituem os maiores obstáculos opostos a seus manejos. Semelhante estado de coisas, desagradável em todas as Sociedades, ainda mais o é nas associações espíritas, porque, se não ocasiona um rompimento gera uma preocupação incompatível com o recolhimento e a atenção.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 336

Sua ação assemelha-se a chamas ardentes no coração.

Crepita somente onde existe o combustível do interesse pessoal.

Resulta da extrema necessidade de projeção e aprovação social.

Traveste-se de animosidade crônica quando não consegue empanar o brilho alheio.

Carcome no ódio as almas indispostas a se moralizarem.

Graças a seus complexos manejos, inclina o homem a destacar os aspectos sombrios dos esforços do próximo, reduzindo-os em favor da exaltação egoísta. Não conseguindo domínio sobre as reações emocionais infelicitadoras de que o acometem, camufla a sua desafeição com a indiferença e o descaso.

Apaga do dicionário da cordialidade as palavras de incentivo e elogio, admiração e alegria com os sucessos de outrem.

Adora plágios de idéias que lhe rendam a sensação de originalidade e inteligência.

Causadora de dissidência por não estimular uma convivência valorativa das habilidades e ações dos que compartilham responsabilidades na faina espiritual.

Astuta fantasia do orgulho, domina o coração em razão da escassa auto-estima.

Ônus afetivo que carreamos contra nós próprios ao longo de milênios!

Referimo-nos à inveja, severa inimiga de nossa paz interior.

A inveja é das mais cruéis imperfeições morais, porque é filha queridíssima do orgulho, e sendo assim, é dos sentimentos que a criatura menos confessa a si mesmo. Pergunte a um grupamento das fileiras do Consolador quem padece de tal doença e, certamente, as justificativas de escape surgirão prestes a abonar as atitudes, fugindo cada qual de reconhecer que padece de inveja.

De fato, é a imperfeição que menos admitimos em nós, e que, no entanto, pela sua forma “engenhosa” de ser, impede seu reconhecimento.

Os limites entre a inveja e a necessidade de progresso, o desejo de lograr metas que outros venceram, é muito sutil e demanda auto-conhecimento.

Bom será para nós, os seareiros do último momento, que estudemo-la com a profundidade que se faz credora, a fim de aquilatarmos sua presença danosa nos celeiros de Amor do Espiritismo.

É necessário muita acuidade e espírito de fraternidade para constatar sua ação sutil e nociva em atos e pensamentos, palavras e decisões, sentimentos e procedimento.

Nossa atenção, entretanto, volta-se para uma de suas facetas mais pertinentes à faina doutrinária, ou seja, a animosidade crônica.

Conceituemo-la como sendo contumaz e crescente indisposição afetiva. Uma indesejável, inoportuna e “estranha” rivalidade com alguém.

Surge em razão de pequenos acidentes do relacionamento ou mesmo inesperadamente, sem nenhuma razão aparente.

Persegue seu portador com incômodos e indefiníveis sentimentos ante a presença daqueles que lhe são alvo de sua indisposição, chegando, muita vez, a constrangê-los ou confundi-los. Os invejosos deixam sempre as sensação de que estão escondendo-se perante os invejados...

Tipifica-se como um fechamento intencional do afeto, “coagulando” as emoções na “frieza disfarçada”.

Se não houver nobreza moral e alguns cuidados, tomará o rumo da aversão e da malquerença.

Se forem, os invejosos, de temperamento discreto, guardarão variados estados de ânimo sob intensa pressão íntima seguida de mal-estar. Se extrovertidos, despencarão pela maledicência como extravasamento enfermiço.

Analisando suas causas mais comuns, constatamos que a inveja promove a inaceitação da felicidade, do êxito alheio e de perfis psicológicos que não coadunem com os quesitos pessoais do invejoso, ou então ela, a inveja, apenas deflagra elos mal vividos de outras existências corporais, retomando um ciclo de vinditas afetivas.

Crônica doença do afeto, essa animosidade pertinaz só será vencida à custa de muita “oração e jejum”, pautando-se nos relacionamentos com muita maleabilidade, superando o caráter rígido, disciplinando-se a hábitos de cordialidade e toques de ternura no despertamento de bons sentimentos, vigiando as expressões do humor e do Amor até mesmo quando estiverem restritas ao campo dos pensamentos. Em verdade, o que precisa o invejoso é ouvir o coração clamando pela ação de paz e incentivo aos bons passos de quantos não suportam acompanhar as vitórias. Ouvir e agir no bem, eis o desafio!

Tão graves são os ardis da severa inimiga que o invejoso, quando acolhido com entusiasmo e cordialidade de quem é alvo de seus sentimentos, sente-se humilhado, disfarçando-se com atos de desdém.

Os invejosos são, sobretudo, “sutis detetives” da conduta alheia.

Chegará o momento em que reconhecerão o mal que causam a si próprios no ato de adular a severa inimiga, que se esconde traiçoeira nos bastidores de suas movimentações infelizes.

* * * *

Amigo do coração,

O Codificador relaciona em nosso ítem de apoio a questão dos inimigos confessos do Espiritismo no seu tempo, cuja freqüência às sessões hebdomadárias tinha como principal objetivo retardar a marcha do Espiritismo. Hoje, esses inimigos, não estão mais contra a Doutrina, mas podemos encontrá-los em velada oposição aos profitentes da causa, com os quais sentem ciumeiras e despeitos infantis.

Convém-nos relembrar a advertência oportuna exarada nos primeiros momentos do Espiritismo: “Se os inimigos externos nada podem contra o Espiritismo, o mesmo não se dá com os de dentro. Refiro-me aos que são mais Espíritas de nome que de fato, sem falar dos que do Espiritismo apenas têm a máscara”. (1)

Nesse tema, alertamos aos servidores devotados e animosos para precaverem-se contra esse capítulo especialíssimo da convivência doutrinária. Evitem prezar em excesso essas artimanhas e caprichos do comportamento invejoso, quando o destino de tais investidas forem a ti endereçadas. Considerar em demasia esse gênero de conduta infeliz é atrair para si mesmo o halo vibratório emanante de tais corações. Mesmo quando tenhas sido o motivador da invigilância dos que te cercam, ora por eles e demonstra humildade sem subserviência.

Intencional ou não, a ação invejosa desses adversários gratuitos dos obreiros dispostos ao bem culminam em lamentáveis processos de leviandade verbal.

Difamação e maledicência são-lhe os açoites da palavra, provocando deserções e dissidências.

Como acentua o lúcido Kardec, agem através de “surdos manejos, que passam despercebidos”, e no campo do afeto “espalham a dúvida, a desconfiança e a desafeição”. São instrumentos da cizânia. Sentindo-se inferiorizados face às comparações que estabelecem com os bem-sucedidos, destacam os aspectos menos úteis da ação alheia...

Nas lides do centro doutrinário, a inveja, em vários casos, é sintoma de apego e apropriação de espaços de trabalho, seja nos cargos ou em atividades com as quais o carinho e a devoção do trabalhador abrilhantaram os deveres naquela oportunidade, seja na disputa mental que o invejoso trava entre si e aquele que concebe como oponente, em razão da desenvolta atuação de seu imaginário adversário.

Percebe-se ainda a presença da inveja nos lidadores despeitados através do desvalor com que tratam o empenho do outro. Verificando um evento ou iniciativa, procuram atenuar a grandeza do êxito de grupos ou pessoas destacando facilidades e comodidades para tal tentame, ou ainda assinalando, sob sua perspectiva, os “lados ruins” de tais empreendimentos.

Na verdade, o incômodo do invejoso com o progresso dos outros lhe é algo muito doloroso.

Nessa posição desditosa, sempre empenhado em olhar para fora de si, estabelecendo comparações e debochando das vitórias alheias, o invejoso impede a si mesmo de perceber seus valores pessoais, sua possibilidade de agir, de vencer, embaçando sua visão espiritual para entender o papel glorioso a ele reservado na obra do Pai.

Certamente, sua crise moral é de inaceitação e rebeldia. Querendo ter ou ser o que os outros são ou têm, termina cada vez mais infelicitado e descontente, com isso dando uma escandalosa prova de desamor a si mesmo.

As criaturas que se amam ou estão aprendendo a se amar compreendem que o “ser’ tem seu destino, sua rota, sua missão, e que ninguém, ninguém mesmo, possui nem mais nem menos do que aquilo que merece ou precisa para cumprir seu caminho divino.

Porém, quando a alma entende as “ordens naturais da vida”, assimila sua parte individual na Obra excelsa de Deus, compenetrando-­se do espírito de “cidadão do universo” e realizando a ventura de atuar pela edificação a que foi convocado, em paz e júbilos infindáveis.

Entendamos assim que admirar, elogiar, compartilhar e incentivar as vitórias dos co-idealistas é a formação do hábito da solidariedade relacional no coração e exercício afetivo preventivo contra a inveja.

Adeqüemo-nos a esse comportamento feliz como quem estende as mãos uns aos outros em forte corrente do bem, auxiliando-nos mutuamente, fortalecendo os valores individuais e as benesses das tarefas, sem fixar-nos nas deficiências do trabalho ou do trabalhador.

Resumamos então em pequeno roteiro os passos no combate à nossa severa inimiga, quando ela se manifeste:

- Admitir sua existência no coração é o primeiro passo.

- Conhecer suas formas de manifestação.

- Estudar suas razões através de uma viagem interior.

- Adquirir o controle sobre as suas reações emocionais.

- Saber conviver harmoniosamente com ela, transformando-a para o bem.

- Empenhar-se na renovação da convivência construtiva com quem é alvo de suas investidas.

(1) Revista Espírita — novembro de 1861 — página 359 — Edicel — Allan Kardec


Capítulo 18

Flexibilidade nos Julgamentos

Já vimos de quanta importância é a uniformidade de sentimentos, para a obtenção de bons resultados.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 335

Assunto grave e oportuno nas questões da vida interpessoal são as sentenças irredutíveis que costumamos lavrar relativamente aos outros no campo dos julgamentos.

Ainda não desenvolvemos suficiente capacidade para analisar o “outro”, entendido aqui como sendo “o diferente de nós”, de maneira alteritária, isenta das lentes morais que classificam as diferenças como imperfeições e limitações.

Em razão disso, e também por conveniência, basta uma só atitude infeliz de nosso próximo, pela nossa ótica, para decretarmos veredictos éticos, que serão rigorosos adjetivos identificadores da personalidade daquilo que o “outro” é, em nossa concepção.

Um homem não pode ser julgado apenas por uma atitude, por uma faceta de seu temperamento. Ter-se-ia que melhor aquilatar suas razões, seus sentidos pessoais, sua integralidade espiritual para então fazermos melhor avaliação sobre os porquês de suas ações e de seu proceder.

A precipitação e a parcialidade nesse capítulo das relações têm ensejado um “imaginário”, inverossímil — fantasias calcadas em expectativas relativamente àqueles com os quais convivemos.

A influência dos papéis sociais, as tendências do homem integral, a questão da educação infantil, o momento psicológico da criatura, a interferência de desencarnados, os interesses pessoais são apenas alguns dos muitos fatores que devem ser arrolados na “arte de julgar”.

Conveniências, nas quais nos encontramos amordaçados moralmente no atendimento a caprichos ou conceitos pessoais, rezam que decretemos juízos definitivos e imutáveis sobre as pessoas. Uma leve flatulência e já nos sentimos à vontade para expedir juízos. E se a pessoa em questão é alguém que não atende as nossas exigências de entendimento e afinidade, possivelmente daqui a um século ainda sustentaremos as mesmas recriminações, guardando, por conveniência, as mesmas idéias sobre nosso “réu’. Nesse caso, nosso orgulho rebaixa o “outro” ao patamar das próprias lutas pessoais, e a inveja provoca uma miopia impedindo-nos de enxergar as qualidades nele existentes.

Difícil tema dos relacionamentos, porque além de convivermos com aquilo que os outros pensam que somos, ainda temos que separar aquilo que pensamos que somos, daquilo que realmente somos, deixando claro que nem mesmo nós próprios, em muitos lances, sabemos avaliar com a precisão necessária as causas de nossas ações.

Como então apressar em lavrar acusações sobre o próximo se nem a nós mesmos conhecemos com exatidão?

Devido a esse hábito enfermiço, podemos registrar algumas conseqüências previsíveis na vida inter-relacional, quais sejam:

- Contínua indisposição de conviver com as “pessoas-alvo” de nossos veredictos depreciativos.

- Incômodos emocionais variados, quando na presença da criatura julgada por nós.

- Tendência à maledicência na manutenção dos decretos por nós lavrados.

Carecemos analisar quais as causas desse automatismo milenar, se desejamos superá-lo o quanto antes. Em alguns casos, o complexo de inferioridade faz-se presente levando-nos a reduzir o conceito de valor do “outro”, porque assim fruímos a sensação de que somos melhores aquilatados. Outras vezes, deparamo-nos com uma situação de “projeção de auto-repulsão”, recriminando no “outro” o que não aceitamos em nós.

Sem a reencarnação não poderíamos investigar esse episódio comportamental com a merecida sabedoria, analisando a influência de imperfeições que determinaram fracassos conscienciais em vidas anteriores e custaram muita amargura e dor na erraticidade. Planejando o recomeço na carne, priorizamos intensa vigilância sobre esses antigos desvarios morais, nutrindo propósitos renovadores. Retomando a oportunidade na Terra, embalados por esses sonhos de libertação e conscientização, tenderemos a ser severos com tudo que orbita em torno dos traços de caráter que desejamos vencer. Lamentavelmente tal severidade transferimos também ao nosso próximo, e chegamos mesmo a imputá-la, em alguns casos, como pertinente somente a ele, relegando mais uma vez os deveres corretivos em nós mesmos nas áreas de fragilidade.

Em verdade são variadas as causas dessa rigidez nos juízos implacáveis.

O importante é que tenhamos maleabilidade sempre na nossa vida interpessoal.

Cada homem tem seus motivos para ser como é ou fazer o que faz, ainda que palmilhando pela perversidade...

Busquemos assim a conquista da compreensão em favor da alteridade. Alteridade essa que não nos eximirá de ajuizar e pensar, mas que nos conduzirá a uma postura de predisposição ao convívio fraternal nas bases da tolerância, do perdão e do entendimento, quanto possível.

Evidentemente, não somos obrigados a ser coniventes com as atitudes do próximo, no entanto, os desafios da convivência apelam para a utilização de relativização nas análises imputadas aos corações de nossa faina diária.

Aprofundemos constantemente o entendimento sobre os motivos que levam o homem a fazer suas escolhas e a tomar suas decisões.

Elastecer a sensibilidade afetiva para galgar essa compreensão da realidade subliminar de cada criatura, penetrar na alma de cada ser, extrair a essência: sem tal exercício, ficaremos na superficialidade estabelecendo juízos parciais e sem conhecer as raízes das ações humanas, aprisionados a versões unilaterais que podem trazer-nos decepções ao longo da vida ou mesmo na Imortalidade!

Prudente será, portanto, que apliquemos sempre a severidade conosco próprios, procurando tirar o véu do personalismo e realizando o auto-encontro com a verdade sobre nós próprios.

Ainda assim será imprescindível a flexibilidade, o auto-perdão, a complacência para com nossas deficiências, porque quando tomamos, também para conosco, a decisão dos juízos imperdoáveis, caminhamos para o outro extremo da questão, alimentando o desamor e a culpa contra a conquista da felicidade pessoal.

Ninguém é no todo exatamente aquilo que dele pensamos ou sentimos.

Perceberemos em cada ser aquilo que constitui, em verdade, o “material da vida” que edificamos em favor do nosso progresso pessoal.

Relações mudam, quando mudamos o foco que temos sobre aqueles de nossa convivência.

Quando mantemos um foco único sobre alguém, devemos nos perguntar: Por que estamos deliberando fixar a mente nesse padrão?

Certamente perceberemos, com tempo e serenidade, a que motivos estamos atendendo; aliás esses são quesitos imprescindíveis para julgamentos mais realistas e proveitosos.

Essa descoberta será de grande valor para nós, por se tratar do divino movimento interior do autoconhecimento, lançando sondas nas regiões incognoscíveis do mundo íntimo em busca do aperfeiçoamento que nos tornará maleáveis e plenos de alteridade com o “outro” diferente, aprendendo a amar sua diferença e com ela sempre acrescer algo no auxílio e construção de uma relação pacífica e promissora.

* * * *

Amigos,

Julgamentos definitivos excluem as possibilidades da fraternidade.

As pessoas mudam a cada dia, e nem sempre se conservam as mesmas, o que se lhes seria um direito caso isso fosse possível.

Nos ambientes espiritistas os julgamentos morais tornaram-se triviais. Em razão dos conteúdos do conhecimento com o qual laboramos, muito facilmente percebe-se as conclusões do tipo: “é personalismo”, “é vaidade”, “é invigilância”; tais peças da “inquisição ética” infelizmente são utilizadas como processo de exclusão institucional ou mesmo relacional. A elevadíssima expectativa que nutrimos uns para com os outros, entre espíritas, chega às raias da insensatez. Devemos sempre esperar muito de nós mesmos, e ter sempre acendrada misericórdia para com o outro.

Tal expectativa chega ao ponto de presenciarmos, inclusive, os julgamentos sobre o estado espiritual postmortem daqueles com quem convivemos ou que foram expoentes de nossas lides. Sobre os quais, comumente, imputa-se excessivo rigor acerca de como se encontram na vida dos Espíritos, face a alguns deslizes cometidos por tais corações quando na experiência carnal. Sejam graves ou não esses desatinos do comportamento alheio, é preciso destacar que o critério de maior influência na erraticidade ainda é e sempre será a consciência, acrescido da interferência protetora e educativa dos avalistas das reencarnações.

Em conhecendo a “ficha espiritual dos milênios” de seus tutelados, têm eles plena e competente capacidade para ajuizar sobre os destinos futuros. E não esqueçamos que, como “instrumentos da misericórdia”, tais tutores do bem só ajuízam sobre a recém-finda vivência de seu tutelado considerando o somatório de suas existências, sem jamais se fixarem nas infelizes decisões que tenha tomado ao longo de apenas uma etapa.

Para nós que temos acompanhado inúmeros processos de avaliação nessa perspectiva, aqui na vida espiritual, podemos vos afiançar que a carga de expectativa que os irmãos de ideal no plano físico colocam nos julgamentos uns sobre os outros, via de regra, não corresponde ao beneplácito com o qual é tratado cada desencarne de espíritas.

A elevada carga de expectativas que têm os companheiros destitui o sábio recurso da sensatez e da indulgência. Enquanto na vida espiritual aqueles que para os homens deveriam ser recebidos com honras quase sempre se encontram na perturbação, aqueloutros, que supondes na infelicidade em razão de suas invigilâncias, comumente, contam com o crédito do serviço no bem que realizaram, na amenização de suas faltas, e na garantia de um amparo que os permita experimentar, tão somente, a controlável amargura que terão de suportar pelo bem que podiam fazer e não fizeram...

Essa é uma empreitada decisiva do orgulho que ainda nos mantém reféns ante os novos ideais que esposamos.

Não conseguindo os vôos de amor no campo do afeto que nos possibilitaria a tolerância e a afeição incondicionais, vivemos atrelados aos pesados fardos impostos pelas relações fatigantes uns com os outros, incomodados com a ação alheia, estabelecendo cobranças que supomos justas, sobrecarregando o próprio psiquismo com agastamentos a título de “defesa doutrinária” ou de correção de fatores históricos mal talhados, sob a ótica de nossas avaliações. Enquanto mantivermos essas sentenças imutáveis penetraremos cada dia mais as sombras de nós mesmos, revivendo velhos quadros da perseguição doentia por “amor a Deus”!

Quem cultiva a autenticidade e guarda a consciência tranqüila na vivência dos ideais que esposa deve sempre recorrer ao diálogo, ao perdão, ao estudo atento dos fatos, objetivando fazer melhores juízos de tudo e todos, buscando penetrar na essência das experiências da convivência e, sobretudo, sempre advogando o bem e a concordância no trabalho digno e renovador, evitando as ciladas do orgulho humano a nos conduzir ao império do autoritarismo e da tirania.

Jesus poderia ter estabelecido a Verdade para Pilatos, mas não o fez. Decretaria Ele na ocasião algo que competia ao governador descobrir por si mesmo. Certamente o Mestre sabia que pouco adiantaria julgar Pilatos em sentença recriminativa de qualquer natureza moral, porque ele não aceitaria e tudo permaneceria do mesmo modo.

Abstendo-se de ajuizar com o séquito romano, Jesus ensina-nos a evitar a promoção de vínculos sutis e desgastantes, que sempre passam a existir quando decidimos, com nossa suposta autoridade, sentenciar com maus sentimentos a vida além da nossa, roubando a própria paz interior.

Razão pela qual, com o brilhantismo de sempre, Allan Kardec destacou, conforme nossa referência em estudo: “Já vimos de quanta importância é a uniformidade de sentimentos, para a obtenção de bons resultados.


Capítulo 19

Nos Leitos da Caridade

“Como a caridade é o mais forte antídoto desse veneno, o sentimento da caridade é o que eles mais procuram abafar. Não se deve, portanto, esperar que o mal se haja tornado incurável, para remediá-lo; não se deve, se quer esperar que os primeiros sintomas se manifestem; o de que se deve cuidar; acima de tudo, é de preveni-lo.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 340

Uma sutilidade da convivência humana tem se tornado muito habitual: a falta de gratificação nos relacionamentos.

O efeito imediato dessa indesejável situação é a ausência de motivos para recriar os encontros, já desgastados, com aqueles que compartilhamos os deveres na órbita doutrinária, levando-nos a acalentar o distanciamento proposital, escolhido.

No educandário das provas sociais, onde crescemos à custa do trabalho-obrigação, é compreensível que tal quadro se desenvolva. Não podemos afirmar o mesmo quando se trata dos encontros e desencontros nas frentes de crescimento com Jesus.

Simpatia, antipatia, admiração e aversão nessa perspectiva são fatores reeducacionais de aprendizagem dos quais jamais devemos desertar, a pretexto de estabelecer somente relações felizes e que sejam agradáveis.

Quando nominamos o centro espírita como educandário do afeto é porque nele percebemos a imensa clareira de oportunidades para a aquisição dos valores morais e emocionais, que somente serão hauridos na vida relacional ajustada a uma proposta de transformação pelas vias da educação.

Uma das causas dessa desistência de conviver podemos encontrar na sobrecarga que muitas vezes costumamos colocar sobre os irmãos de ideal, em razão das elevadas expectativas que nutrimos sobre seu proceder, aguardando deles finuras e gentilezas constantes como atestado de autenticidade espírita. Com isso esquecemos das nossas limitações e carências, passando a cobrar dos outros o que ainda não temos condições de realizar. É salutar aguardar o melhor dos amigos, contudo, evitemos a rigidez ante suas escorregadelas, porque senão estaremos, em verdade, acariciando a intransigência disfarçada em decepção. Elevadas expectativas devemos tê-las para conosco mesmo, embora ainda assim tenhamos de usar de paciência e autoperdão constantes.

Temos muitas barreiras de comunicação nas relações, e isso tem impingido uma carga por demais pesada no favorecimento do entendimento e da afetividade.

O tempero do afeto, contudo, facultaria o encanto e o bem-estar à convivência, estimulando a continuidade de elos imprescindíveis para a elaboração de projetos e labores de fundamental significado nas leiras do serviço espiritual.

Ações intransigentes, se dotadas de afeto, tornar-se-iam determinação construtiva.

Palavras enérgicas, embaladas na ternura da voz, seriam alertas promissores.

Normas rígidas, se externadas com carinho, concitariam à reflexão.

Vigiemos, portanto esse distanciamento por opção e transformemos nossas relações.

Reflitamos um pouco mais: deslocamos quilômetros para servir em caridade àqueles penalizados na pobreza, nos cárceres, nos hospitais, nas creches ou nas sombras da obsessão, todavia, quase sempre, descuidamos daquele coração que está ao nosso lado nas tarefas junto à agremiação doutrinária, com o qual nem sempre nutrimos as melhores expressões de afinidade e simpatia.

Estejamos assim mais atentos aos leitos de dor e penúria que se encontram, também, no âmbito de nossas próprias relações doutrinárias, acrescendo-lhes amor e amparo, proximidade e afeição.

Afeto no ato de ouvir é a caridade da atenção. Quantos se sentem menosprezados e submissos aos leitos da escassa auto-estima, clamando por um minuto de prestígio?

Afeto na atitude de valorizar o esforço alheio é a caridade do incentivo. Quantos se encontram desanimados e estirados aos leitos do descomprometimento por faltarem-lhe apreço a sua colaboração?

Afeto na saudação é a caridade da cordialidade. Quantos são aqueles que ante um gesto de bondade decidem levantar-se do leito da aversão?

Afeto na prontidão é a caridade da cooperação. Milhares de criaturas, sob a influência contagiante da atitude da disponibilidade alheia, libertam-se dos leitos da preguiça seguindo-lhes os exemplos.

Afeto na delegação é a caridade da confiança. Será que imaginamos quantos são os corações sensíveis e bem intencionados que se entregam aos leitos da desistência simplesmente por não serem convocados a realizar?

Afeto na disciplina, caridade da tolerância. A ausência de ternura na aplicação de regras tombam muitos nos leitos da insatisfação e da inveja.

Afeto na palavra, caridade da brandura. A rigidez do verbo tem agredido a muitos que se aterram propositadamente aos leitos da suscetibilidade.

Afeto na tolerância, caridade da indulgência. E quantos são os que padecem o arrefecimento do ideal em razão de serem entregues aos leitos da recriminação, ante suas intenções e projetos de ousadia nas mudanças?

Atenção, incentivo, cordialidade, cooperação, confiança, tolerância, brandura e indulgência são as “caridades de casa”, pródigas fontes formadoras do espírito familiar que deve enlaçar os grupamentos erguidos em nome de Jesus e Kardec.

Caridade no grupo é obtenção de paz, alívio de culpas, restauração do afeto pela compensação em dar, exercícios de Amor pela didática da solidariedade, revitalização energética, recomposição consciencial, desarticulação dos reflexos da educação infantil, desvinculação obsessiva, lenitivo, conforto e alívio para caminhar.

Estudemos mais sobre a caridade relacional e compreendamos melhor os benefícios da vivência do afeto em favor de nosso futuro espiritual, porque então descobriremos, pelo estudo e pela vivência, que amar é vigoroso preventivo que elimina grande parte de nossas dores provacionais na escola da convivência.


Capítulo 20

Plenitude na Gratidão

“Que importa crer na existência dos Espíritos, se essa crença não faz que aquele que a tem se torne melhor?”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 350

Deus é Amor e compaixão plena.

A vida é a expansão das benesses Divinas que nos fazem “credores universais” em busca de quitação dos saldos de misericórdia por Ele espargidas.

O matemático Frei Luca Pacioli estabeleceu em 1494 os princípios fundamentais da contabilidade humana, consignando que aquilo que se recebe é débito, enquanto a quitação é crédito e desobrigação.

Semelhante princípio nos balanços da economia empresarial reflete a Lei Universal do Amor.

Quanto mais se dá, mais se tem; quanto mais se exige, mais se priva.

Dar é crédito, receber é débito.

Só temos aquilo que damos, e o Amor tem esse “milagre”: quanto mais se dá, mais se tem.

De posse dessa perspectiva, listemos algumas de nossas contas, a fim de verificarmos se temos os saldos que costumamos esbanjar ante as exigências de todo dia.

Renascer no corpo físico, dívida com o recomeço e a esperança.

Acolhimento dos pais, dívida com a gratidão e a prole.

Escola para instruir, dívida com o saber.

Mestras desveladas, dívida com a generosidade.

Arrimo dos amigos, dívida com a cooperação e o estímulo.

Benfeitores inesquecíveis, dívida com o amparo.

Profissão para exercer, dívida com a sociedade.

Orientação espiritual, dívida com o Espiritismo.

Natureza exuberante, dívida com o planeta.

Alimento nutriente, dívida com o agricultor.

Tecnologia facilitadora, dívida com os inventores.

Medicação refazente, dívida com os cientistas.

Diversão e lazer, dívida com o tempo.

Cultura a disposição, dívida com o livro.

Empregados dedicados, dívida com a obediência.

Patrões solidários, dívida com o apoio.

A roupa que vestimos, o conforto dos lares, os recursos amoedados, a saúde e a prosperidade, conquanto sejam recursos amealhados na faina diuturna do progresso pessoal, só se tornaram possíveis porque, antecedendo às vitórias de cada dia, foram alvo de uma previsão na erraticidade, com endosso de avalistas dispostos a tutelar nossos planos reencarnatórios, contemplando-nos com condições mínimas para lograr o sucesso em várias situações da existência. Dessa forma, os recursos mínimos para empreender vitórias maiores constituem dívidas com os “ativos da vida”, ante a Contabilidade Divina.

Somente o egoísmo humano, travestido em usura e insensibilidade, pode levar o raciocínio a encharcar-se de materialismo na supervalorização da movimentação pessoal, a ponto de colocarmo­-nos como centro exclusivo dos nossos êxitos, sem contabilizar a extensão de amparo da Divina Providência.

A vida é um processo de permutas contínuas e o que foge de respirar nessa lei padece as injunções da própria lei, decretando que até aquilo que parece termos pode nos ser tirado. (1)

Essa a razão pela qual apontamos a ingratidão como sendo um dos maiores corrosivos da sensibilidade e do Amor. Ela “apaga” da memória os benefícios do ontem e antecipa obstáculos em relação ao amanhã.

Ser grato é ser melhor e crescer; é ter na lembrança os benfeitores de ontem, é aprender a fixar-se nas circunstâncias felizes da existência, é devolver à vida os créditos que nos beneficiaram, é aprender a superar queixas e desgostos com a reencarnação dilatando o espírito de desprendimento e aceitação, sem deixar de buscar o progresso.

Dar é ter. Reter é emissão magnética de atração dos reflexos do medo, da insegurança e da cobiça com os quais insculpimos nossa derrota a longo prazo, projetando a nossa volta os efeitos infelizes que espelham tal estado íntimo.

Dessa forma, o materialista vê no outro o reflexo da competição e o categoriza como concorrente. O medroso vê no próximo o reflexo de seu temor e nomeia-o como inimigo, O inseguro expande sua emoção e vê-se no outro, classificando-o dilapidador.

Estejamos atentos a essa lição de afeto de todo instante, a fim de aprendermos a sublime lição da gratidão, mantendo-nos em constante estado de satisfação e alegria com as experiências da vida.

Pessoas gratas atraem bênçãos, vibram saúde, são dotadas de otimismo, entendem a dor, alimentam-se de altruísmo, são fortes ante as lutas, adoram gente e sentem-se bem ao lado de todos.

Os gratos ocupam-se em doar-se sem se consumirem em ansiedades e aflições sobre como vão lucrar vantagens.

Corações agradecidos sentem-se gratificados, embora nem sempre se verifique o inverso.

Os gratos sabem perdoar com mais facilidade, desculpar instantaneamente e prosseguir sem fixações em fatos desagradáveis.

Agradeçamos com sentida oração a Jesus e a Kardec as felizes ensanchas de refestelarmo-nos nas ambiências espíritas, mesmo com os agastamentos nos grupamentos, mesmo com as incongruências que observamos.

O Amor é a mais profunda e gratificante experiência da jornada evolutiva do Espírito.

Amando, credenciamos à vida os recursos para nossa felicidade. Exigindo o Amor, debitamos o tributo da paz em nossa conta pessoal.

Procura vivenciar o afeto enobrecedor entre irmãos de ideal, dá de ti mesmo, seja o provedor afetivo de teu grupo.

Aprende a amar, incondicionalmente, e perceberás como é mais preenchedor que ser amado.

O habitual é que todos esperem ser amados. Seja você aquele que realiza o gesto incomum e irradie os nobres sentimentos do

Cristão, mesmo que deles careça. A vida, evidentemente, te responderá.

* * * *

Senhor, receba nossa gratidão pela extensão de tua bondade.

Mesmo esquecidos de teu amor nas variadas formas de auxílio com que nos abençoas, agradecemos agora com sentida oração a oportunidade da existência.

Gratos pelo lar e pela Terra que nos acolhe, gratos pela saúde e o corpo que nos ofertaste, gratos pelo luminoso caminho espírita, receba nossos sentimentos de louvor.

Sabendo, porém, O Pai, do quanto somos distraídos e inconseqüentes em esbanjar qualidades e recursos que ainda não nos pertencem, suplicamos o teu acréscimo de Misericórdia em favor de nossa fragilidade nos dias vindouros.

Ajuda-nos a honrar com atos o reconhecimento dessa hora, mantendo-nos na plenitude da gratidão, irradiando a constante alegria de viver e de “ser” ante os labirintos das provações.

Obrigada Senhor!

(1) Mateus, capítulo 25, versículo 29


Capítulo 21

Melindre nos Centros Espíritas

“Os antagonismos, que não são mais do que efeito de orgulho superexcitado, fornecendo armas aos detratores, só poderão prejudicar a causa, que uns e outros pretendem defender.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 348

Costuma-se asseverar que ele é a doença pertinaz de nossos meios espíritas.

Somente a criatura abnegada nos serviços do bem não padece suas injunções a ponto de se agrilhoar.

É o melindre — reação de apego doentio às nossas criações.

No campo moral podemos concebê-lo com as seguintes facetas:

- Personalismo magoado.

- Indicador de nosso contágio pelo egocentrismo.

- Rebeldia do orgulho.

Surge com mais assiduidade nos relacionamentos de pouca profundidade afetiva, nos quais escasseiam os valores da sinceridade, do diálogo e do bem-querer.

Sua faina consiste em minar as energias através da mágoa crescente, expressada em complexos mecanismos de tristeza, decepção, desânimo e revolta. E depois de alcançar as fibras mais sensíveis do sentimento, promove um “campo de guerra” nos pensamentos que penetra as faixas da fantasia e da obsessão.

Analisado por um prisma psicopatológico, o estágio agudo do melindre, processado em cólera muda ou manifesta, corresponde a uma fuga momentânea da realidade para uma incursão alienante em “quadro esquizofrênico” de rápida duração, no qual a mente raia pelos campos delirantes e persecutórios.

Há pessoas propensas a se melindrarem graças à posição íntima de se colocarem como vítimas da vida. Assediadas por “culpas de outras vidas”, que mais não são que seus desvarios de auto-piedade e pieguismo, elaboram um sensível sistema psíquico que as predispõe a se sentirem perseguidas pela “má sorte”, pelos “obsessores” e pela indiferença dos outros em relação a elas. No fundo são vítimas de si mesmas. São casos de desajuste reencarnatório em bases de rebeldia e inconformação com sua atual existência, promovendo uma insatisfação persistente com tudo e com todos, em lamentável egocentrismo de opiniões e interesses onde quer que se movimentem.

A atitude de suscetibilidade é a responsável pela grande maioria dos litígios, cismas, agastamentos e das querelas do relacionamento dentro das nossas casas espíritas.

Nisso encontramos mais uma forte razão para o urgente investimento na melhora emocional das relações interpessoais dos integrantes de nossas agremiações de amor.

O melindre é a resposta irracional da emoção demonstrando plena ausência de inteligência intrapessoal.

As criaturas educadas emocionalmente têm sempre respostas adequadas ao teste do melindre. Reagir com equilíbrio, elaborar soluções criativas aos impasses e agir com espontâneo amor são respostas de quem é dotado de farta inteligência emotiva, lograda em refregas nas vivências do Espírito que amadureceu para a vida, O melindre é a pobre resposta do sentimento agredido.

As casas espíritas compostas por relacionamentos de conteúdo moral elevado tais como a assertividade, a empatia, o conhecimento mútuo, a amizade favorecem uma convivência saudável e harmoniosa que ensejam defesas contra o “vírus” contagiante do orgulho ofendido.

Por longo tempo ainda estagiaremos sob os alvitres do amor próprio ferido, já que ainda não guardamos a suficiente abnegação e humildade para superá-lo integralmente. Nada mais natural que recebermos seus reflexos. Contudo, se já temos em nós a luz do Evangelho e do Espiritismo para guiar nossos passos, compete-nos empreender árdua luta para não permanecermos por tempo demasiado sob sua influência perniciosa, a fim de não permitirmos os dolorosos trâmites da subjugação e da perda energética seguida de doenças variadas, sobretudo, no sistema circulatório.

Enredados em suas malhas, procuremos meditar e orar, estudemos suas origens em nós e afastemos tudo quanto possa dar-lhe guarida por mais tempo.

Empreendamos nossos melhores esforços pela casa espírita mais fraterna e de relações honestas, sinceras, onde encontremos o clima desejável de confiança e afeto para dirimirmos as dúvidas naturais de nossa convivência, que também se encontra em aperfeiçoamento e aprendizado, não permitindo as brechas das imaginações doentias que são campo arado para a ofensa e a desavença.

Lembremos, por fim, que o futuro trabalhador do movimento espírita é, quase sempre, originado das experiências cotidianas de nossas Casas, onde muito experienciou nas sendas da suscetibilidade ferida. Ante esse fato, ficam para nós as indagações: qual terá sido o recurso de superação adotado pelo trabalhador nas questões melindrosas? Terá ele desenvolvido habilidades emocionais inteligentes para lidar harmoniosamente com tal imperfeição, ou apenas adquiriu o hábito de se insensibilizar e se tornar imune às agressões?

Precisamos dessas respostas, pois elas explicam e geram muitos fatos!


Capítulo 22

Casas ou Grupos?

Nos agregados pouco numerosos, todos se conhecem melhor e a mais segurança quanto à eficácia dos elementos que para eles entram. O silêncio e o recolhimento são mais fáceis e tudo se passa como em família. As grandes assembléias excluem a intimidade, pela variedade dos elementos de que se compõe; exigem sedes especiais, recursos pecuniários e um aparelho administrativo desnecessários nos pequenos grupos.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 335

Feliz e inspirada a fala do educador excelente e magno codificador do Espiritismo, Allan Kardec.

Casas ou grupos? O que atende melhor aos anseios de crescimento e desenvolvimento das potencialidades para “ser”?

As Casas pedem regulamentos, paredes e esforço físico. Os grupos são criados por relações, vivências e esforço moral

As Casas abrigam-nos das intempéries materiais, enquanto os grupos são recantos de estímulos contra as investidas dos reveses da alma.

As Casas formalizam os movimentos para fora, enquanto os grupos consolidam elos essenciais voltados para os valores íntimos.

As Casas têm chefes, os grupos têm líderes.

As Casas são estáticas; os grupos, dinâmicos.

As Casas são “dependências”; os grupos, autonomia.

As Casas são o corpo; os grupos, sua alma.

Casas priorizam a instituição; grupos laboram por mentalidades e idéias.

Casas são submissas a normas; grupos são expressões de criatividade e responsabilidade, harmonia e cooperação.

As Casas pedem hierarquia; os grupos apelam para a participação promocional.

As Casas podem servir de troféus à vaidade pessoal, enquanto os grupos são fontes inesgotáveis de serviço coletivo contra as artimanhas do personalismo.

As Casas reúnem pessoas, os grupos unem as pessoas.

Nas Casas as pessoas encontram-se, nos grupos elas convivem.

Nas Casas onde não encontramos grupos que se amam e respeitam pode-se desenvolver os ambientes de frieza afetiva e menor valor à individualidade, conquanto possam prestar relevantes serviços à sociedade.

O centro espírita, enquanto Casa, precisa reciclar seus paradigmas, contextualizar seus métodos, renovar sua forma de agir e decidir, agilizar suas atividades para atendimento dos inumeráveis e surpreendentes desafios que ora solapam as vidas humanas com dores acerbas.

A renovação dessa mentalidade deve iniciar-se pela formação de equipes, os grupos.

Relembremos a origem da palavra grupo que vem de “gruppo”, do italiano, que significa “nó”. No caso, um nó entre seus membros.

Entretanto, formar e manter os serviços de equipes é iniciativa que demanda preparo dos dirigentes.

Estamos num momento de ausência de horizontes, de respostas, de soluções. Notam-se os problemas, relacionam-se os obstáculos, estudam-se as causas de dificuldades, poucos, porém, conseguem trilhar os caminhos na operacionalização de melhora e driblar os empeços.

Precisamos ajudar os dirigentes a pensar, a encontrar essas respostas e soluções, ampliando-lhes horizontes, auxiliando-lhes em assessoria mental e afetiva pela promoção de intercâmbios salutares e bem planejados para empreendermos uma “nova” atividade na Seara, visando o fortalecimento pela formação de uma “rede de apoios’, de “oficinas de idéias’. O conhecimento que capacita o homem para transformações nasce da reflexão. Aprendamos a pensar pelo estudo vencendo o dogmatismo e a preguiça mental. Aprendamos a reinventar as informações que adquirimos transformando-as em saber operante, dinamizador das mudanças necessárias em direção ao crescimento individual e grupal.

O que faz uma oficina? Reparos, consertos, trocas de peças, regulagens, revisões.

Nos dicionários humanos a palavra oficina significa: “Lugar onde se verificam grandes transformações”. Esse é o sentido que melhor se ajusta a nossos conceitos.

Oficinas permanentes de idéias e intercâmbio tornam-se imprescindíveis nessa hora que passa, arregimentando “laboratórios de troca e reinvenção do agir”, fortalecendo as bases, estimulando os caminheiros, propondo metas, vencendo o marasmo em parcela considerável das Casas.

Como formar uma equipe? Como mantê-la? Como superar suas lutas? Quais as prioridades da casa espírita? Como trabalhar o afeto no Centro? Como elaborar e executar um planejamento? Como fazer uma avaliação? Podemos mudar tudo no Centro? Quais as macro-tendências atuais para os centros espíritas? Como motivar grupos? Quais tarefas cada grupamento tem condição de realizar? Como reestruturar um trabalho para a aquisição da qualidade? Por onde começar tudo?

Assim como mencionamos, na Parte 1ª dessa obra (1), que o centro espírita tem importante papel social no desenvolvimento do afeto, não podemos deixar de frisar que muitos Centros não passam de Casas; em razão disso, precisam transmudar-se em grupos para desempenhar semelhante missão.

Daí insistirmos com veemência pela criação de laços afetivos entre os membros das organizações espíritas, entendendo que nessa medida teremos a salvaguarda para os demais investimentos.

Mas então persiste a pergunta: Como trabalhar o afeto nas Casas?

Oficinas permanentes de idéias! Meditem!

(1) Referência à Parte 1ª “Pedagogia do Afeto na Educação do Espírito” no Capítulo 9, Centro Espírita e Afeto.


Capítulo 23

Calabouço dos Sentimentos

“ Nos agregados pouco numerosos, todos se conhecem melhor e a mais segurança quanto à eficácia dos elementos que para eles entram. O silêncio e o recolhimento são mais fáceis e tudo se passa como em família.”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 335

Contava-se na Idade Média, em determinada região européia, que um suserano odiento tinha por vício separar homens apaixonados de suas mulheres amorosas, e deixá-los morrer em um calabouço, à mingua de água, pão e luz, para que pudesse amparar suas pobres viúvas solitárias e torná-las suas vassalas preferidas. Dizia-se que ele fez centenas de prisões, destruiu várias famílias e vivia refestalando­-se na sexualidade e cortesias insaciáveis de suas companhias femininas.

Certo dia, no entanto, quando foi descoberta a trama, as mulheres revoltadas, informadas de que o suserano era o criminoso de seus esposos, em inteligente armadilha, trancafiaram também o senhor no calabouço. Entretanto, a partir daí passaram a viver de insatisfações e tristeza até a morte, porque sentiram-se presas de um passado infeliz que jamais lhes saía da memória, vivendo por entre o ódio, a insegurança e a saudade.

Conquanto dramática, é bem essa a história de quase todos nós em assuntos da vida sentimental: o narcisismo, a volúpia sexual, o egoísmo e o prazer gerando medo e frustração, culpa e mágoas, dilacerando corações e arruinando lares e sonhos.

Por completa insanidade da razão, em crises de paixão e libidinagem, bastas vezes espezinhamos o amor alheio em impiedosas atitudes de desrespeito, separando homens honrados de mulheres fiéis, em tramas passionais, desleais e injustas, para depois, bem depois, caindo em si no despertamento consciencial, verificarmos os registros desditosos que instalamos no imo de nós próprios, em lances de sede de domínio e satisfação pessoal.

O suserano íntimo, no papel do egoísmo destruidor, é o condutor inconsciente e mantenedor dos calabouços de sofrimento, com o qual ferimos centenas ou milhares de almas nos desdobramentos das vidas sucessivas.

Por isso hoje muitos de nós purgamos a solidão reeducativa nos temas do amor, ainda que enleados em uniões esponsalícias ou afetivas.

Temos um “calabouço do sentimento” como aquisição consciencial de nossas decisões malsinadas em forma de graves lesões afetivas.

Sedentos por novas experiências nas vivências da afeição, renascemos presos aos calabouços provacionais da emoção, sem liberdade novamente para fazer o papel do suserano enlouquecido, conquanto ele ainda esteja, de alguma forma, mesmo aprisionado nas provas da inibição afetiva, querendo espezinhar e ferir, com extrema rebeldia aos novos quadros do hoje. A sua principal manifestação nesses casos é a doentia inveja e o profundo sentimento de abandono, inutilidade e insatisfação por que passam os que se encontram em tal teste corretivo, debandando para a depressão, a suscetibilidade, as neuroses de vários matizes, adiando ainda mais a edificação da felicidade pessoal pela fuga da auto-educação.

Eis bem o retrato dessa expiação dolorosa: a prisão subterrânea do medo e da insegurança encarcerando os sentimentos de amor e esperança, penalizando a criatura com a sede de afeto não correspondido e com a tristeza de viver sempre à espera de alguém que não sabe se existe ou dormita em algum lugar, à sua espera também, assim como ocorreu aos homens trancafiados pelo suserano. Doutras vezes são as vivências da sexualidade embaladas pela luxúria, dissociada da satisfação que, geralmente, termina em revolta, golpes de revide e autodesvalorização.

Os sonhos amorosos, as fantasias da união afetiva, o desejo do lar feliz estão por trás das grades imitadoras da paixão que não se consegue expressar, tornando-se “estranho amor emudecido”. Nessa prova as criaturas permanecem acorrentadas à inibição, baixa auto-estima, insatisfação com a vida, afiveladas a profundos e dolorosos sentimentos, tais como medo de amar, dúvidas e receios sobre suas emoções, descrença na felicidade, desmerecimento a seus ideais de amor e no sucesso afetivo. Pelos “odores psíquicos” que emanam, atraem assim outras criaturas perturbadas ou perturbadoras, em ambos os planos de vida, com as quais tecem elos de frustração e mágoas, dilatando sua solidão e exaurindo-se energeticamente em obsessões “cumulativas” ou mesmo abrindo portas mentais para “vinganças cruentas” de credores de outras épocas.

A origem de semelhante aferição reeducativa, portanto, está no menosprezo e indiferença de outrora recheados dos requintes de falsas promessas aos corações que permitiram confiar em nossos votos de fidelidade e carinho, que foram completamente desonrados.

O afeto não correspondido e o receio de amar no hoje são amargas doses de medicação preventiva ante as feridas emocionais acrisoladas no “centro de força” cardíaco do corpo espiritual, junto às sensíveis “engrenagens” da vida afetiva — verdadeira cirurgia de extirpação nos domínios da vida sentimental em razão das matrizes pré-existênciais e reminiscências de outras reencarnações.

Enclausurado em tal quadro, a criatura passa a viver por entre a desmotivação e a instabilidade nos deveres da rotina, carpindo uma “revolta muda” contra tudo e todos, estabelecendo constantes complicações nos relacionamentos e nas amizades, e, em chegando aos píncaros da resistência, se não se armou da profilaxia adequada, tomba nas neuroses fóbicas, nas alterações cíclicas de humor ou em psicoses graves.

Para a psiquiatria humana são esquizofrênicos irreversíveis, para a medicina do Espírito são doentes que precisam sair de si mesmos e aprender a dar sem ter, amar mesmo sem serem amados. Não logrando, poderão estar iniciando um ciclo provacional de longa duração.

Alma constrangida a sanções, será sempre muito suscetível de rancor com pequenas falhas alheias e com grande dificuldade ao perdão e ao auto-perdão, necessitando de muito apoio e carinho para suportar o peso de seu próprio narcisismo e da dor que carregará até reeducar­-se nos temas do Amor e do sexo.

* * * *

Amigos nas privações cármicas da afetividade:

O calabouço provacional de hoje quando bafejado pela luz do Espiritismo faculta ao “prisioneiro” o pão da misericórdia e a água da restauração, com os quais poderão as penas serem amenizadas e terem novas dimensões.

Se hoje te encontras nas lutas da solidão reeducativa, não fujas de tua oportunidade.

Ainda que entre dores e problemas, assume tua prova e liquida teu débito.

Aceita o amargo remédio da solidão e da abstinência no aprendizado da “saturação emocional”.

Não obtendo apoio familiar e social ante as imposições de tuas “penas reencarnatórias”, procura no grupo doutrinário a integração com a família espiritual que te será arrimo e suporte para os instantes mais difíceis.

Aprende as lições do respeito e do dever nos assuntos do Amor, porque também na casa das orações e estudos espirituais depararás inúmeras vezes com corações que ser-te-ão “príncipes de encanto” aos teus sonhos de afeto, podendo converter-se em “suseranos da ilusão”, mas cuida-te para não decepcionares a outros e a ti mesmo.

Confidencia a quem tenha condições de amparar-te, isso trará alívio e será o embrião de uma relação valorosa no teu recomeço; estarás assim confiando em alguém, e confiar em alguém é refazer os caminhos da libertação de ti próprio.

Não esqueça nunca da prece na qual buscarás o acréscimo de forças que te falte.

Apoia-te nessa família pelos laços do coração e vai “compensando” teus afetos com o esforço de amar, independentemente de ser amado. Muitas vezes terás tendência a exigir essa correspondência, contudo, vigia teu suserano que ainda teima em reinar e dilapidar, tenha siso e lucidez, e analisa o mal que te faz essa postura.

Caminha, chora, desabafa e prossegue sem desistires nunca. Se hoje está difícil, amanhã, se decidires por enfrentar corajosamente, poderá ser menos penoso intimamente, mesmo que não tenha teus anseios atendidos como gostarias. Talvez nada fique como queiras, entretanto, nem sempre terá que ser sofrido, ou infeliz a tua experiência renovadora. Deus espera-nos para a alegria e o Amor e pode promover infinitas formas de conduzir-nos a isso pelas sendas de Sua Inesgotável Misericórdia.

Misericórdia, porém, não é dispensada apenas por pura bondade Paternal, porque a Justiça Divina conta com as conquistas de seus filhos nos rumos do auto-aperfeiçoamento.

* * * *

Condutores e integrantes dos grupamentos espíritas:

Estejamos todos atentos a semelhantes gêneros provacionais como os que assinalamos.

Mesmo com a dramaticidade das palavras por nós escolhidas, ansiamos, sobretudo, em alertar sobre que tipos de assistência estamos sendo chamados no que tange à vida íntima de quantos têm batido às portas do centro espírita, compondo, muita vez, o quadro dos trabalhadores de nossos conjuntos de labor.

Em várias ocasiões temos ao nosso lado na faina doutrinária tais corações em semelhante sofrimento “purgatorial”, e carecemos de concepções mais intuitivas e de instrução mais lapidada para amealhar condições de orientação e apoio.

Jamais descuremos do amparo especializado da medicina humana, quando se fizer necessário.

Os avanços da psicoterapia com foco transpessoal, tomando por base o Espírito, é indicação para muitos deles.

Os serviços de promoção social e solidariedade são exercícios inevitáveis a esses “andarilhos emocionais” em busca de afeto e gratificação.

Providencia a desobsessão como medida extensiva de amparo aos vitimados na expiação além túmulo, jamais esquecendo que são eles os prisioneiros de outra época, trancafiados nos calabouços da decepção pelo doente encarnado que hoje pede socorro em tuas reuniões, amando-os muito como vítimas, e não verdugos inconseqüentes.

Chama sempre a atenção do reeducando quanto à vivência das lições evangélicas, das virtudes, e agrega-o aos esclarecimentos libertadores da Boa Nova.

Acima de tudo construa essa relação de confiança e respeitabilidade com teu assistido de agora, concedendo-lhe, como maior bênção nesse tipo de testes, a crença de que alguém o ama e o quer bem, a despeito de sua autodesvalorização.

Essa relação promissora é a revitalização da esperança e o estímulo para a continuidade que carece o prisioneiro dos calabouços afetivos.

Dá-lhe tudo que tens, assim como fez a viúva pobre do Evangelho (1), depositando nesse coração que esmola carinho e piedade a honra das atitudes nobres, ensejando-lhe uma mensagem, pelo exemplo, de que se pode amar sem possuir e gostar sem dominar, conclamando-o a comportamentos novos, íntegros moralmente.

Sê-lhes íntimo, mas ensina-lhes o limite. Sê-lhes afetuoso, mas ensina-lhes o amor fraternal.

Na condição de condutor de grupo ou integrante do mesmo, faze-te um irmão muito disposto a aceitar, compreender e incentivar.

É tudo que eles precisam para continuar sua prova redentora em busca da quitação consciencial e de um pouco de paz e crença em um futuro menos sombrio ante suas perspectivas, quase sempre, comprometidas pelas tenazes da amargura e do descrédito.

Ama-os, ama-os sempre e ensina-lhes a amar como devem, e permita-lhes sentir novamente, depois de séculos de secura no coração, a importância de uma família espiritual e dos laços de confiança.

(1) Marcos, capítulo 12, versículo 44


Capítulo 24

Amizade, Elixir dos Relacionamentos

“As grandes assembléias excluem a intimidade, pela variedade dos elementos de que se compõe (...)”

O Livro dos Médiuns capítulo 29 — ítem 335

Encontra-se cada vez mais escassa, embora seja cada vez mais procurada.

Quase todos a querem receber, poucos a desejam dar.

Muitos querem que alguém seja seu amigo, poucos oferecem-se como amigos.

Amizade: a alma dos relacionamentos, o elixir da convivência saudável e produtiva.

Em muitos lances da experiência relacional, a amizade tem sido o campo de esperanças no começo de muitos encontros, quase sempre, vindo a constituir-se, com o tempo, como a zona da convivência na qual despejamos limitações e necessidades, convertendo os melhores elos em extenso campo de conflitos a administrar.

Basta uma leve decepção e o encanto do primeiro instante desfaz-se, convertendo-se em antipatia ou mesmo aversão. Por isso, a amizade pede cuidados para ter sua finalidade útil e edificante ao aprendizado espiritual.

Como manter-lhe então a longevidade? Como superar a rotina que costuma tomar conta das amizades? O que tem faltado para que os amigos consigam continuar atraídos na permuta?

Respondamos tais questões definindo inicialmente o que fazem duas criaturas afinadas entre si. Amigos compartilham. Eis uma expressão que sintetiza sua relação: um elo de compartilhamento.

Compartilhar é participar, ter parte em algo do outro, mas não tomar conta ou exigir esse algo do outro, o que nos faz penetrar no âmbito da ética da liberdade.

Amigos compartilham coisas, valores, vibrações, momentos, prazer, trabalho, dever, diversão, o saber, a experiência, as tarefas espíritas, o aprendizado evangélico, necessidades...

Variados relacionamentos nomeados como amizade têm compartilhado, via de regra, problemas, dificuldades, invalidando o motivo central que faz com que duas pessoas se busquem para tecer momentos de convívio, que seria o preenchimento, a satisfação, a compensação, a busca do crescimento pessoal.

A verdadeira amizade, para prolongar-se e vencer a rotina, tem que estar assegurada por um ideal que absorva os amigos ao tempo que enrijeça a relação.

Na casa espírita, por exemplo, onde inúmeras vezes as pessoas recorrem em busca de apoio e de quem as compreenda, carregando extensa dificuldade para expor suas dificuldades, o ponto de partida da amizade é a atitude de disponibilidade para o sagrado ato de ouvir. Em seguida vem a confiança - fio afetivo condutor das amizades — e então estabelece-se um elã de profundidade que, regado pelo ideal de servir e aprender, mantém muitos corações longamente unidos no tempo.

Fraternidade e trabalho pelo próximo são os adubos da amizade espírita.

Mas precisamos estudar com mais atenção e debater os porquês de nossas agremiações estarem tão pouco afeitas à formação de grupos de amigos, transformando em muitas ocasiões a casa de amor em locais “sacralizados’ de encontro com Deus, evitando o encontro entre humanos, guardando uma aura mística e sacra nas posturas, fazendo-nos recordar os templos de outrora nos quais nos encontrávamos para orar e, findo o ritual, cada qual retornava a seu caminho sem se conhecerem, sem se encontrarem para o diálogo, a troca. Outras vezes esse encontro toma maus rumos, graças a não terem seus componentes sido envolvidos pelo “Espírito evangélico”, escasso ou mesmo ausente no ambiente onde se deram tais encontros.

Eis um tema oportuno a nossas discussões debatedoras. Por que está escassa essa amizade em boa parte de nossas agremiações que cultuam o amor? Por que núcleos que laboram com a moral da fraternidade deixam uma lacuna ante os elos de seus membros? O que as agremiações doutrinárias podem empreender em favor da extensão de relações mais agradáveis?

Essa ausência de ternura entre os membros de um mesmo núcleo, guardando distanciamento, é empobrecedor para nossas realizações. Quando os componentes se amam, se conhecem, quando se estabelecem relações de confiança e respeito, as atividades ganham viço, estímulo, produtividade.

Os grandes grupos, nesse prisma, desfavorecem ainda mais por perderem a intimidade.

Grupos menores ensejam esse conhecimento mútuo e uma aproximação afetiva entre seus membros.

Ressaltemos aqui que, se a falta de proximidade pode constituir um obstáculo a nossas lides, o excesso dela também pode gerar outras tantas lutas. Intimidade nos relacionamentos é a zona delicada da convivência que apela para a virtude e o caráter, a fim de saber fazer dela o que se deve, e não o que se quer. Amigos que desejem a longevidade da relação cultivam limites, sem os quais a intimidade pode tornar-se um problema.

Amigos verdadeiros mantém-se na área dos vínculos afetivos, longe da possessão afetiva. O vínculo é uma relação que une sem fusão, sem subtração da individualidade, sem direitos especiais sobre o outro. Daí o motivo pelo qual a amizade autêntica é semelhante a um belo jardim, a exigir cuidados e mais cuidados na manutenção das flores da virtude e na fertilidade da terra do caráter, tornando os verdadeiros amigos cultores da arte do amor, na sua acepção de respeito ao outro, sem os infortúnios causados pela possessividade perturbadora.

Pessoas existem que fazem dos amigos um objeto de desejo e preenchimento de carências, quando então a relação marcha para o fracasso. Esperam tudo do outro e nada fazem, enquanto ser amigo é doar-se e interessar-se pelo outro.

Por isso ocupamo-nos em definir a amizade espírita nos limites da fraternidade e do trabalho nutridos pelo idealismo superior, porque elos com excessiva intimidade, costumeiramente, o temos na família, no ambiente profissional, na vizinhança e, quase sempre, debandam para a licenciosidade, a intromissão, a permissividade, o desrespeito, a perda da integridade moral e o mais lamentável: subtraem o caráter educativo que devem possuir os vínculos da autêntica amizade.

A amizade espírita é uma proposta de amizade voltada para a libertação e crescimento mútuo. Além de todos os ingredientes agradáveis do compartilhamento de amigos comuns, ela terá o objetivo de tornar-se um relacionamento de conscientização e desenvolvimento de valores.

Tecida pelo fio condutor da confiança, a amizade deverá manter-se nesse limite de segurança pelas vias da lealdade, do afeto, da lucidez e dos costumes para ter a garantia de longevidade e enobrecimento espiritual.

A primeira condição de longevidade dos relacionamentos é o dever da atitude responsável, inclusive nas amizades. Guardar a intimidade no patamar do equilíbrio ético. Compartilhar com vigilância, sempre atento à visão imortalista que deve inflamar os vínculos entre os que desfrutam da felicidade de saber que tal longevidade pode perdurar até no além-túmulo, só dependendo de nós aplicar-lhe o elixir do amor.


Capítulo 25

Elos Entre Dois Mundos

Imagine-se que cada indivíduo está cercado de certo número de acólitos invisíveis, que se lhe identificam com o caráter, com os gostos e com os pendores. Assim sendo, todo aquele que entra numa reunião traz consigo Espíritos que lhe são simpáticos. Conforme o número e a natureza deles, podem esses acólitos exercer sobre a assembléia e sobre as comunicações influência boa ou má. Perfeita seria a reunião em que todos os assistentes, possuídos de igual amor ao bem, consigo só trouxessem bons Espíritos. Em falta da perfeição, a melhor será aquela em que o bem suplante o mal. Muito lógica é esta proposição, para que precisemos insistir.”

O Livro dos Médiuns - capítulo 29 - ítem 330

Naquela manhã o medianeiro despertou irritadiço, colérico.

Enquanto preparava-se para a faina do dia, a tormenta mental incendiava-lhe os pensamentos com o rancor e a vindita. Pensava que, ao sair porta afora, se topasse novamente com o vizinho ranzinza e incômodo, não lhe toleraria um só gesto de atrevimento ou desdém.

Mas aconteceu que, ao sair, a primeira fisionomia que vislumbrou, em tom irônico, foi a dele. Tomam o elevador juntos. Inicia-se então uma guerra de dardos mentais. O medianeiro, espírita, perde a fleuma cristã e desborda em palavras infelizes. Houve tumulto e o desentendimento raiou às atitudes desequilibradas.

O dia passa e o servidor da Boa Nova encaminha-se a sua atividade noturna nas fileiras mediúnicas.

No interregno dos intercâmbios, o benfeitor amigo e atento solicita-lhe mentalmente preces, e que aguarde. A tarefa chega quase a seu final e o percipiente, incomodado, nada percebe com suas faculdades, ficando uma sensação de bloqueio.

Surge-lhe novamente o amigo espiritual e diz-lhe:

— Meu filho, tua tarefa nessa noite foi suspensa, pois quando alocamos a teu psiquismo, logo pela manhã, o adversário espiritual de teu vizinho, a fim de apaziguar-lhe as lutas que vive no lar, você expulsou o coração necessitado do atendimento em impensado descuido!

* * * *

Elos entre dois mundos. Intrigado com o tema, Allan Kardec recebe sublime e esclarecedora lição dos nobres “guias”, asseverando que a influência dos Espíritos sobre o mundo físico é maior que pensais. (1)

As Sociedades Espíritas são como um pronto socorro. A multidão sofrida pelos traumatismos de toda espécie recorre-lhe, entre os dois mundos, em busca de lenitivo, paz e esperança.

Como tens acolhido os desencarnados? Como dispensar afeto a quem não se vê na vida extrafísica, se não dispões a cativar os que ombreiam contigo na vida da carne? Que recepção terão os que vagueiam itinerantes em busca de rota e luz, se a ancoragem na casa espírita é feita entre farpas de discórdia e do entrechoque de idéias, em litígios enfermiços entre seus próprios trabalhadores?

Imagine como será guardar a expectativa de visitar alguém distante, que não vemos há muito tempo. Em lá chegando, constatamos um clima de desarmonia e infelicidade. Assim se sentem os “mortos” que asilam a esperança na alma atribulada, e têm a lamentável ocasião de presenciar as adversidades que mais lhes oneram o psiquismo e anulam as esperanças de novas sendas nas tarefas de socorro mediúnico.

A casa espírita é local “preparado” de interação e sinergia entre dois planos de vida. Consagremos as nossas melhores emoções, a fim de obtermos um quantum de ternura e fraternidade que sirva de abrigo aos sofredores em tempos de reparação e dor na vida espiritual. A casa de Jesus e Kardec deve ser um oásis de refazimento, ante o deserto das provações mundanas.

Estejamos certos, porém, que isso só amealharemos quando, no dia-a-dia, ampliarmos nossas noções sobre os elos que criamos e adulamos na conduta moral e afetiva, norteando as palavras, pensamentos e ações.

Afabilidade e doçura são expressões elevadas de caráter e espiritualidade, e, sobretudo, consistem em apanágio de paz e refazimento a quantos anseiam e experimentam a nossa companhia, dentro ou fora das nossas Casas de amor.

Habituem-se a essas virtudes no lar, na profissão, nas vias e, onde estiverem, essa será a garantia dos melhores elos que podemos concretizar entre os dois mundos.

(1) O Livro dos Espíritos — questão 459


Capítulo 26

Benefícios do Conflito

As reuniões espíritas oferecem grandíssimas vantagens, por permitirem que os que nelas tomam parte se esclareçam, mediante a permuta das idéias, pelas questões e observações que se façam, das quais todos aproveitam. Mas, para que produzam todos os frutos desejáveis, requerem condições especiais, que vamos examinar, porqüanto erraria quem as comparasse às reuniões ordinárias.”

O Livro dos Médiuns — capítulo 29 — ítem 324

Feliz e inspirada recordação do Codificador. Comparar as reuniões espíritas a qualquer ajuntamento seria perder seu caráter educativo, seus frutos desejáveis. Com muita propriedade ele se refere às condições especiais, concitando-nos a pensar sobre os cuidados na condução dos grupos.

Uma situação amiúde conturbadora das reuniões, sejam elas de que natureza for, são os conflitos entre seus componentes. O entrechoque de idéias gera as escaramuças, depositárias de alta dosagem de sentimentos nem sempre ajustados ao bem e ao crescimento grupal. Estabelecem-se elas rotineiramente como expressão tácita das diferenças, conquanto nem sempre sejam os conflitos administrados com objetivos salutares, na arregimentação da concórdia e do proveito possíveis, a que tais atritos podem oferecer.

A análise de semelhante tema será significativa a fim de conduzir-nos a uma outra face dos conflitos, geralmente desprezada, e que deve caracterizar os círculos da convivência espírita. Consideremo-los como sintomas que denunciam os misteres de ajustes entre seus membros, sendo que, quase sempre, surgem em razão da deficiência de comunicação que cria barreiras e bloqueia a criatividade.

A comunicabilidade de uma equipe determina sua fluência e produtividade. Quando tratamos de comunicabilidade intra-grupal, não damos ênfase à forma como são expressas as mensagens, mas, acima disso, aos sentidos de apreensão da mensagem, aos sentidos pessoais, individuais, a ela atribuídos. Raramente procura-se ouvir e ensejar participação verbal e operacional nos serviços de equipe, propiciando que se enraíze uma face oculta nos mesmos, desconhecida, subliminar, porém, altamente determinante sobre o processo de consolidação ou desestruturação do todo. O estudo dessa nuança será de grande relevância para a eficácia dos resultados e a superação dos empeços nas realizações levadas a efeito por composições de pessoas, seja para que fins se agrupem.

Condicionamentos milenares no egoísmo sedimentaram o conceito de oposição a tudo que se escape de identificar em harmonia com nossa ótica pessoal de vida. Quantos guardem entendimento diversificado são tomados como oponentes ou adversários nas relações interpessoais. Dificilmente nutrimos a mesma admiração pelos que contrariem nossos pontos de análise ou pelos que demonstrem insatisfação com nossas idéias, com nossos sentidos empregados ao entendimento dos fatos e dos conhecimentos.

As vivências sociais na religião e na política durante longo tempo estimularam ainda mais o caráter de indisposição declarada para quem não “reze pela nossa cartilha”. Nasce então o sectarismo como forma violenta de “resolver” as contendas, excluindo os contendores.

Conciliado com essa conotação de “ser contra” associou-se o sentimento de “gostar menos”, e os conflitos passaram a ser interpretados como uma “arena” na qual têm que haver vitoriosos e derrotados. Esse enfoque faz-nos perder o que mais precioso pode existir nos lances conflituosos: o aprendizado e a dilatação da criatividade na busca de soluções.

Por essa razão será imperativo que os dirigentes e as próprias equipes doutrinárias orientem-se sempre ao treino e ao desenvolvimento da inteligência emocional, em favor das condições especiais de uma vida relacional sadia e enobrecedora, procurando enfocar os embates como sinais e notas. Sinais que indicam rumos a serem seguidos e notas que avaliam nossas reações ante as provas da tribulação.

Será de bom alvitre o cultivo das habilidades que envolvam a “negociação” e a busca de soluções, da empatia, da liderança participativa. Quando agimos com disciplina emocional, recorrendo à assertividade, isto é, ao domínio sobre o cosmo emocional, os atritos são educativos e podem levar a profundas reciclagens. Isso porque, quase sempre, os embates da vida em grupo só ocorrem em razão dos processos conflitantes que carregamos conosco mesmos, optando por sentidos nem sempre harmonizados ao bom senso e consenso grupais, vindo a extravasar-se, circunstancialmente, como objetivos personalistas.

Ante semelhantes fatos, a atitude de “neutralidade” emocional e meditação serão indício de maturidade afetiva e reeducação dos sentimentos nas convivências tormentosas.

Os homens estiveram em desatinado conflito com Jesus, com suas idéias, com suas movimentações, embora Ele, pacífico e sereno, conduzia os provocantes a mergulharem em si mesmos e a descobrirem suas insatisfações, frustrações e as raízes de suas emoções perturbadoras, com as quais intentavam afetar o equilíbrio do Mestre.

Nos grupos doutrinários muitos asseveram a necessidade de unanimidade, determinando que amoráveis seriam as equipes sem problemas e que jamais tivessem de conflitar. Entretanto, dificilmente essa será a tônica de grupamentos sérios e autênticos.

Paulo, o missionário de Tarso, fala-nos do “bom combate”, aquele que vale a pena ser deflagrado para a introspecção, a auto-avaliação, o bom conflito.

Grupos sem conflitos não crescem tanto quanto poderiam e, porque não exista o desentendimento e os desacertos manifestados, nenhuma garantia há de que, intimamente, os componentes não estejam em “litígios”. Eis a importância da sinceridade fraterna, com pleno respeito pelas opiniões alheias, adotando lídima postura de alteridade ante os diferentes e as diferenças, buscando entender as razões subjetivas de cada componente para seu proceder, conhecendo-lhe com mais profundidade os dramas pessoais, sem o que ele será apenas mais um no aglomerado de pessoas. Essa é a tarefa que distingue um grupo que cria elos de afeto de uma reunião de criaturas que se ajuntam sem tecer a rede da fraternidade legítima.

Convenhamos que as tribulações surgem em razão das estruturas íntimas que carreamos para a vida de relações, chamando-nos algumas vezes a muita paciência e tolerância com o outro. Em verdade, a luta é toda nossa, pois ainda não conseguimos decretar a alforria desejada sobre muitas imperfeições, guardando expressivos limites na forma de interpretar as mensagens que compõem o nosso campo de ação doutrinário.

Assumamos em quaisquer circunstâncias de luta a diretriz do perdão, evitando magoar-se com as ações alheias em razão do incômodo que nos causem. Melhor perdoar a ter que carpir o arrependimento.

Ante as tribulações do conflito que não pudemos evitar, recolhamo-nos em atitude elevada, longe dos reflexos costumeiros das emoções conturbadas, e preparemo-nos para extrair suas lições.

Arrimemo-nos na oração nos instantes em que nos situarmos na zona dos conflitos, não perdendo os frutos do teste de abnegação e harmonia. Diluamos a angústia proveniente de semelhantes ocasiões fazendo um auto-exame leal com a consciência, procedendo a uma decisão incomum e educativa que venha somar nos destinos das tarefas às quais somos colaboradores, adotando a postura de humildade e desculpa, distante do orgulho dos pontos de vista pessoais, ensejando que a brisa da concórdia possa roçar os nossos corações no entendimento e fraternidade.

Façamos assim e saberemos extrair o grande benefício do conflito que é a sua capacidade de abalar nossas certezas.

Só os invigilantes e auto-suficientes têm certeza de tudo e não querem renunciar as suas verdades pessoais em busca de novos horizontes.

Habituando-nos paulatinamente a esse mister aprenderemos a arte sublime de debater com a vida e com todos, sem o exaurir desnecessário de forças interiores nos entrechoques da convivência, convertendo cada ocasião de conflito em convite à promoção pessoal, ainda que o outro não deseje o mesmo.

* * * *

Amigos queridos da direção de grupos,

Envidemos esforços pela renovação de conceitos em nossos conjuntos cooperadores.

Discordar com acerto é uma habilidade a ser cultivada na escola do centro espírita que ser-nos-á valoroso preventivo contra o dogmatismo e a perigosa monopolização cultural.

Temos observado que o melindre, essa doença de nossas mentes, tem sido álibi para que se evite dizer o que se pensa, excedendo-se em cuidados e protelação, suprimindo a sinceridade edificante que deveria constituir-se em uma das condições especiais prioritárias citadas pelo codificador em nosso trecho de análise.

Evidentemente, cuidar para verbalizar as críticas ou discordâncias é vigilância operante, contudo, evitar a verdade, a pretexto de prudência, é omissão conivente.

Nossos grupamentos precisam aprender a lidar com os momentos de aspereza ou alteração emocional com equilíbrio e resistência para que não se tornem “flores de estufa”, que ao primeiro golpe murcham em suas metas e desistem de seus ideais, acalentando profundas e doloridas mágoas.

Grupos que se amam verdadeiramente sabem dizer o que pensam, conflitar sem perder o amor uns pelos outros, conquanto isso custe ter que conviver com um “lado” que gostariam de já ter superado no campo das emoções.

Estejamos atentos com a santidade de superfície que tem dominado alguns conjuntos espíritas, que se desestruturam em fases de aferição. Decididamente, e sem receios, saibamos sondar a face oculta dos grupamentos doutrinários e oferecer condições aos demais para essa iniciativa, a fim de que ela não se transforme em sombra agradável para exploração obsessiva.

Os benefícios do conflito superado são muito extensos e fortalecedores, mas só serão possíveis se cuidarmos dessas condições especiais em fazer reinar entre os integrantes os valores do afeto, do estudo, da conversa franca, do tempo para conviver, da amizade respeitosa sem os excessos da intimidade, do trabalho operoso e do estudo libertador, primando pelo cultivo de laços genuinamente cristãos.

Sejam os dirigentes de equipes os primeiros a saberem externar com lucidez e ponderação os seus reclames, seus alertas, suas insatisfações, orientando aos demais como falar das emoções sem ter que extravasá-las em ações que geram mal-estar. Eis a habilidade da parcimônia, da conciliação, da contestação terna, que leva o grupamento a penetrar o sombrio mundo das insatisfações pessoais, escudados pela afabilidade e doçura reinantes, criando assim o bom conflito, doloroso, incômodo, porém, benéfico e promotor.


Capítulo 27

Homogeneidade no Grupo

Uma reunião é um ser coletivo, cujas qualidades e propriedades são a resultante das de seus membros e formam como que um feixe. Ora, este feixe tanto mais força terá, quanto mais homogêneo for. (...)

(...) Toda reunião espírita deve, pois, tender para a maior homogeneidade possível. Está entendido que falamos das em que se deseja chegar a resultados sérios e verdadeiramente úteis. Se o que se quer é apenas obter comunicações sejam estas quais forem, sem nenhuma atenção à qualidade dos que as dêem, evidentemente desnecessárias se tornam todas essas precauções; mas, então, ninguém tem que se queixar da qualidade do produto.”

O Livro dos Médiuns - capítulo 29 - ítem 331

Um dos requisitos mais valorosos na formação e desenvolvimento de grupos é a homogeneidade.

A palavra grupo em suas raízes etimológicas significa um nó, provindo esse gênero da língua Italiana.

O nó recorda os pontos de sustentação e fortalecimento de uma rede, e esse simbolismo nos remete aos grupos espíritas, que deverão ser como redes tecidas pelo sentimento que agrega e baliza todas as suas rotas educacionais no aprendizado espiritual.

Quando se menciona a terminologia homogêneo para grupos, logo vem à mente a idéia de igualdade, padronização. Contudo, seu significado é um tanto mais elástico e profundo, porque jamais obteremos características uniformes, uma vez que cada pessoa é um mundo em si.

Apregoar a qualidade de homogêneo condicionado a imposições é desrespeitar o fluxo dos valores latentes e adormecidos na intimidade de cada ser.

Grupos homogêneos são os que guardam uma certa atração para um ideal comum, um objetivo claro, e que têm uma visão compartilhada de seu futuro, de onde querem chegar, para onde se dirigem. Em torno desse ideal compartilhado, nascido de dentro para fora e constituindo as aspirações de todos, tem-se a chave da homogeneidade.

Esse comprometimento com uma meta, um programa, uma mentalidade estabelece laços no coração, conquanto a divergência de visões intelectivas e as diferenças temperamentais.

Aliás, os grupos só se tornarão harmoniosos na proporção em que prezem, no clima da mais pura fraternidade, as diferenças e as divergências, tomando-as sempre como pontos de aperfeiçoamento e sinais de aferição quanto às direções a se tomar, burilando relações e superando problemas.

Para que valores e necessidades pertinentes a cada criatura possam constituir nó de intercessão e interação entre seus membros, há de se ter o coração ajustado na faixa dos sentimentos evangélicos, únicos capazes de resguardar o clima da necessária segurança e do preciso entendimento, a fim de vencer os embates naturais que tentarão desatar os elos da rede.

Outro sentido não menos valoroso para a homogeneidade é o do resultado da habilidade em transpor os desajustes, provenientes das diferenças na vida interpessoal, propiciando uma convivência harmônica.

Homogeneidade afetiva com diversidade de idéias, sem que isso constitua óbice e fonte de perturbação: eis o caminho natural dos grupamentos que almejem crescer sob a luminosidade espiritual da alteridade.

A força mediadora entre o cérebro repleto de pensamentos e o coração vibrante de amor é a educação. Os grupos espíritas homogêneos são escolas de convivência. Não existem sem problemas, aversões, simpatias, antipatias, dúvidas, desavenças e frustrações, mas como estão aquinhoados com as luzes das diretrizes do Cristo, são regulados por uma consciência de dever e responsabilidade que, espontaneamente, aciona-lhes o campo afetivo para a vitória e a conquista de si mesmos pelas vias da assertividade, do perdão, da disposição sincera de amar e do desejo de aprender, educando as emoções a rumos superiores.

Dentro dessa perspectiva, as relações interpessoais, dada a solidez dos recursos morais, formam um feixe de corações unidos no idealismo superior, banhados pelos júbilos da convivência fraternal e enriquecedora.

Resultados de maior profundez de objetivos só poderão ser alcançados em grupos sérios. Essa homogeneidade é uma insígnia de tal conquista.

Corações que se respeitam, que cativam a amizade, que vibram com o sucesso uns dos outros, que se querem bem, apesar das diferenças, são o esteio de Sociedades Fraternais, que vão refletir em sua atmosfera espiritual os tesouros de afeto cultivados entre seus tarefeiros, em plena afinidade de busca para Deus.


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