quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O HOMEM INTEGRAL

DIVALDO PEREIRA FRANCO

DITADO PELO ESPÍRITO JOANNA DE ÂNGELIS


ÍNDICE

O Homem Integral

PRIMEIRA PARTE

CAPÍTULO 1 = FATORES DE PERTUBAÇÃO

CAPÍTULO 2 = A rotina

CAPÍTULO 3 = A ansiedade

CAPÍTULO 4 = Medo

CAPÍTULO 5 = Solidão

CAPÍTULO 6 = Liberdade

SEGUNDA PARTE - ESTRANHOS RUMOS, SEGUROS ROTEIROS

CAPÍTULO 7 = Homens-aparência

CAPÍTULO 8 = Fobia social

CAPÍTULO 9 = Ódio e suicídio

CAPÍTULO 10 = Mitos

TERCEIRA PARTE - A BUSCA DA REALIDADE

CAPÍTULO 11 = Auto-descobrimento

CAPÍTULO 12 = Consciência ética

CAPÍTULO 13 = Religião e religiosidade

QUARTA PARTE - O HOMEM EM BUSCA DO ÊXITO

CAPÍTULO 14 = Insegurança e crises

CAPÍTULO 15 = Conflitos degenerativos da sociedade

CAPÍTULO 16 = O primeiro lugar e o homem indispensável

QUINTA PARTE - DOENÇAS CONTEMPORÂNEAS

CAPÍTULO 17 = O conceito de saúde

CAPÍTULO 18 = Os comportamentos neuróticos

CAPÍTULO 19 = Doenças físicas e mentais

CAPÍTULO 20 = A tragédia do cotidiano

CAPÍTULO 21 = O homem moderno

SEXTA PARTE - MATURIDADE PSICOLÓGICA

CAPÍTULO 22 = Mecanismos de evasão

CAPÍTULO 23 = O problema do espaço

CAPÍTULO 24 = A reconquista da identidade

CAPÍTULO 25 = Ter e ser

CAPÍTULO 26 = Observador, observação e observado

CAPÍTULO 27 = O devir psicológico

SÉTIMA PARTE - PLENIFICAÇÃO INTERIOR

CAPÍTULO 28 = Problemas sexuais

CAPÍTULO 29 = Relacionamentos perturbadores

CAPÍTULO 30 = Manutenção de propósitos

CAPÍTULO 31 = Leis cármicas e felicidade

OITAVA PARTE - O HOMEM PERANTE A CONSCIÊNCIA

CAPÍTULO 32 = Nascimento da consciência

CAPÍTULO 33 = Os sofrimentos humanos

CAPÍTULO 34 = Recursos para a liberação dos sofrimentos

CAPÍTULO 35 = Meditação e ação

NONA PARTE - O FUTURO DO HOMEM

CAPÍTULO 36 = A morte e seu problema

CAPÍTULO 37 = A controvertida comunicação dos Espíritos

CAPÍTULO 38 = O modelo organizador biológico

CAPÍTULO 39 = A reencarnação


O Homem Integral

As enciclopédias definem o homem como um “animal racional, moral e social, mamífero, bípede, bímano, capaz de linguagem articulada, que ocupa o primeiro lugar na escala zoológica; ser humano...”

O momento mais eloqüente do seu processo evolutivo deu-se quando adquiriu a consciência para discernir o bem do mal, a verdade da impostura, o certo do errado, prosseguindo na marcha ascensional que o conduzirá às culminâncias da angelitude.

Estudado largamente através dos séculos, Pitágoras afir­mava que ele (o homem) é a medida de todas as coisas, en­quanto Sócrates elucidava ser o objeto mais direto da preo­cupação filosófica.

Durante o estoicismo e o neoplatonismo houve uma pre­ocupação para que ocorresse a “dissolução do homem em a Natureza”, mesmo aí revelando a grande preocupação de ambas as escolas com este ser admirável.

Na conceituação cristã ele “transcende o mundo”, em uma dimensão totalmente diferente desta.

Já o racionalismo o considera, desde Descartes, como o “ser pensante por excelência, como a razão que compreende e explica o mundo e a si mesma.”

No espiritualismo idealista o “espírito tem a primazia em tudo que se relaciona com o mundo e a vida humana”, en­quanto que para o materialismo o “espírito não é mais que uma forma de atividade da matéria que, em determinada fase de sua evolução, de formas simples para outras mais comple­xas, adquiriu consciência...”

Mivart, o célebre naturalista inglês, analisando, psicolo­gicamente, o homem, esclarece que ele “difere dos outros animais pelas características da abstração, da percepção inte­lectual, da consciência de si mesmo, da reflexão, da memória racional, do julgamento, da síntese e indução intelectual, do raciocínio, da intuição intelectual, das emoções e sentimen­tos superiores, da linguagem racional, do verdadeiro poder de vontade.”

Sócrates e Platão estabeleceram que o homem era o re­sultado do ser ou Espírito imortal e do não ser ou sua matéria que, unidos, lhe facultavam o processo de evolução.

Os filósofos atomistas reduziam-no ao capricho das par­tículas que, em se desarticulando, aniquilavam-se através do fenômeno biológico da morte.

Jesus, superando todos os limites do conhecimento, fez-se o biótipo do Homem Integral, por haver desenvolvido to­das as aptidões herdadas de Deus, na condição de ser mais perfeito de que se tem notícia.

Toda a Sua vida é modelar, tornando-se o exemplo a ser seguido, para o logro da plenitude, de quem deseja libertação real.

A Filosofia, mediante as suas diversas escolas, tem pro­curado oferecer ao homem caminhos que o felicitem em con­tínuas tentativas de interpretar a vida e entendê-lo.

A Psicologia, que inicialmente se confundia com a estru­tura filosófica, de passo em passo libertou-se de seu jugo e, buscando estudar a psique, alcançou, na atualidade, expres­são de relevo para a compreensão do homem, dos seus pro­blemas e seus desafios psicológicos.

A multiplicidade de tendências ora vigentes, nessa área, comprova o interesse dos estudiosos desta e de outras disci­plinas do conhecimento, buscando a libertação do indivíduo em relação aos desafios e dificuldades que o afligem.

Algo recentemente (1966) surgiu, nos Estados Unidos, a quarta força em Psicologia, que é a Transpessoal, ampliando o campo de investigação além do Behaviorismo, da Psicaná­lise e da Psicologia Humanista, fornecendo mais amplos es­clarecimentos sobre o homem integral...

Os seus pioneiros vieram dos quadros da Psicologia Hu­manista, facultando a introdução de alguns ensinamentos e experiências orientais, graças aos quais abrem espaços para uma visão espiritualista do ser humano em maior profundi­dade.

O Espiritismo, por sua vez, sintetizando diversas corren­tes de pensamento psicológico e estudando o homem na sua condição de Espírito eterno, apresenta a proposta de um comportamento filosófico idealista, imortalista, auxiliando-o na equação dos seus problemas, sem violência e com base na reencarnação, apontando-lhe os rumos felizes que deve se­guir.

Na presente Obra fazemos um estudo de diversos fatores de perturbação psicológica, procurando oferecer terapias de fácil aplicação, fundamentadas na análise do homem à luz do Evangelho e do Espiritismo, de forma a auxiliá-lo no equilí­brio e no amadurecimento emocional, tendo sempre como ser ideal Jesus, o Homem Integral de todos os tempos.

Embora reconheçamos singela a nossa contribuição, es­peramos de alguma forma auxiliar aqueles que nos leiam com real desejo de renovação e de aquisição de saúde psicológica, consciente de havermos feito o máximo ao nosso alcance, neste grave momento da Humanidade.

Salvador, 20 de fevereiro de 1990.

Joanna de Ângelis


PRIMEIRA PARTE


1

FATORES DE PERTURBAÇÃO

A segunda metade do Século 19 transcorre numa Eurá­sia sacudida pelas contínuas calamidades guerreiras, que se sucedem, truanescas, dizimando vidas e povos.

As admiráveis conquistas da Ciência que se apóia na Tec­nologia, não logram harmonizar o homem belicoso e insatis­feito, que se deixa dominar pela vaga do materialismo-utili­tarista, que o transforma num amontoado orgânico que pen­sa, a caminho de aniquilamento no túmulo.

Possuir, dominar e gozar por um momento, são a meta a que se atira, desarvorado.

Mal se encerra a guerra da Criméia, em 1856, e já se in­quietam os exércitos para a hecatombe franco-prussiana, cu­jos efeitos estouram em 1914, envolvendo o imenso conti­nente na loucura selvagem que ameaça de consumição a tudo e a todos.

O Armistício, assinado em nome da paz, fomentou o ex­plodir da Segunda Guerra Mundial, que sacudiu o Orbe em seus quadrantes.

Somando-se efeitos a novas causas, surge a Guerra Fria, que se expande pelo sudeste asiático em contínuos conflitos lamentáveis, em nome de ideologias alienígenas, disfarçadas de interesses nacionais, nos quais, os armamentos superados são utilizados, abrindo espaços nos depósitos para outros mais sofisticados e destrutivos...

Abrem-se chagas purulentas que aturdem o pensamento, dores inomináveis rasgam os sentimentos asselvajando os indivíduos.

O medo e o cinismo dão-se as mãos em conciliábulo ir­reconciliável.

A Guerra dos seis dias, entre árabes e judeus, abre sulcos profundos na economia mundial, erguendo o deus petróleo a uma condição jamais esperada.

Os holocaustos sucedem-se.

Os crimes hediondos em nome da liberdade se acumulam e os tribunais de justiça os apóiam.

O homem é reduzido à ínfima condição no “apartheid”, nas lutas de classes, na ingestão e uso de alcoólicos e drogas alucinógenas como abismo de fuga para a loucura e o suici­dio.

Movimentos filosóficos absurdos arregimentam as men­tes jovens e desiludidas em nome do Nadaísmo, do Existen­cialismo, do Hippieísmo e de comportamentos extravagantes mais recentes, mais agressivos, mais primários, mais violen­tos.

O homem moderno estertora, enquanto viaja em naves superconfortáveis fora da atmosfera e dentro dela, vencendo as distâncias, interpretando os desafios e enigmas cósmicos.

A sonda investigadora penetra o âmago da vida micros­cópica e abre todo um universo para informações e esclareci­mentos salvadores.

Há esperança para terríveis enfermidades que destruíram gerações, enquanto surgem novas doenças totalmente pertur­badoras.

A perplexidade domina as paisagens humanas.

A gritante miséria econômica e o agressivo abandono so­cial fazem das cidades hodiernas o palco para o crime, no qual a criatura vale o que conduz, perdendo os bens materiais e a vida em circunstâncias inimagináveis.

Há uma psicosfera de temor asfixiante enquanto emerge do imo do homem a indiferença pela ordem, pelos valores éticos, pela existência corporal.

Desumaniza-se o indivíduo, entregando-se ao pavor, ou gerando-o, ou indiferente a ele.

Os distúrbios de comportamento aumentam e o despauté­rio desgoverna.

Uma imediata, urgente reação emocional, cultural, religi­osa, psicológica, surge, e o homem voltará a identificar-se consigo mesmo.

A sua identidade cósmica é o primeiro passo a dar, abrin­do-se ao amor, que gera confiança, que arranca da negação e o irisa de luz, de beleza, de esperança.

A grande noite que constringe é, também, o início da al­vorada que surge.

Neste homem atribulado dos nossos dias, a Divindade deposita a confiança em favor de uma renovação para um mundo melhor e uma sociedade mais feliz.

Buscar os valores que lhe dormem soterrados no íntimo é a razão de sua existência corporal, no momento.

Encontrar-se com a vida, enfrentá-la e triunfar, eis o seu fanal.


2

A rotina

A natural transformação social, decorrente dos efeitos da ciência aliada à tecnologia a partir do século 19, impôs que o individualismo competitivo pós renascentista cedesse lugar ao coletivismo industrial e comunitário da atualidade.

A cisão decorrente do pensamento cartesiano, na dicoto­mia do corpo e da alma, ensejou uma radical mudança nos hábitos da sociedade, dando surgimento a uma série de con­flitos que irrompem na personalidade humana e conduzem a alienações perturbadoras.

Antes, os tabus e as superstições geravam comportamen­tos extravagantes, e a falsa moral mascarava os erros que se tornavam fatores de desagregação da personalidade, a servi­ço da hipocrisia refinada.

A mudança de hábitos, no entanto, se liberou o homem de algumas fobias e mecanismos de evasão perniciosos, im­pôs outros padrões comportamentais de massificação, nos quais surgem novos ídolos e mitos devoradores, que respon­dem por equivalentes fenômenos de desequilíbrio.

Houve troca de conduta, mas não de renovação saudável na forma de encarar-se a vida e de vivê-la.

De um lado, a ciência em constante progresso, não se fa­zendo acompanhar por um correspondente desenvolvimento ético-espiritual, candidata-se a conduzir o homem ao milis­mo, ao conceito de aniquilamento.

Noutro sentido, o contubérnio subjacente, apresenta um elenco exasperador de áreas conflitantes nas guerras e ame­aças de guerras que se sucedem, nas variações da economia, nos volumosos bolsões de miséria de vária ordem, empur­rando o homem para a ansiedade, a insegurança, a suspeição contumaz, a violência.

A fim de fugir à luta desigual — o homem contra a máqui­na — os mecanismos responsáveis pela segurança emocional levam o indivíduo, que não se encoraja ao competitivismo doentio, à acomodação, igualmente enferma, como forma de sobrevivência no báratro em que se encontra, receando ser vencido, esmagado ou consumido pela massa crescente ou pelo desespero avassalador.

Estabelece algumas poucas metas, que conquista com re­lativa facilidade, passando a uma existência rotineira e neu­rotizante, que culmina por matar-lhe o entusiasmo de viver, os estímulos para enfrentar desafios novos.

Rotina é como ferrugem na engrenagem de preciosa ma­quinaria, que a corrói e arrebenta.

Disfarçada como segurança, emperra o carro do progres­so social e automatiza a mente, que cede o campo do raciocí­nio ao mesmismo cansador, deprimente.

O homem repete a ação de ontem com igual intensidade hoje; trabalha no mesmo labor e recompõe idênticos passos; mantém as mesmas desinteressantes conversações: retorna ao lar ou busca os repetidos espairecimentos: bar, clube, tele­visão, jornal, sexo, com frenético receio da solidão, até al­cançar a aposentadoria.. - Nesse ínterim, realiza férias progra­madas, visita lugares que o desagradam, porém reúne-se a outros grupos igualmente tediosos e, quando chega ao denominado período do gozo-repouso, deixa-se arrastar pela inu­tilidade agradável, vitimado por problemas cardíacos, que resultam das pressões largamente sustentadas ou por neuro­ses que a monotonia engendra.

O homem é um mamífero biossocial, construído para experiências e iniciativas constantes, renovadoras.

A sua vida é resultado de bilhões de anos de transforma­ções celulares, sob o comando do Espírito, que elaborou equi­pamentos orgânicos e psíquicos para as respostas evolutivas que a futura perfeição lhe exige.

O trabalho constitui-lhe estímulo aos valores que lhe dor­mem latentes, aguardando despertamento, ampliação, desdo­bramento.

Deixando que esse potencial permaneça inativo por indo­lência ou rotina, a frustração emocional entorpece os sentimentos do ser ou leva-o à violência, ao crime, como processo de libertação da masmorra que ele mesmo construiu, nela encarcerando-se.

Subitamente, qual correnteza contida que arrebenta a bar­ragem, rompe os limites do habitual e dá vazão aos conflitos, aos instintos agressivos, tombando em processos alucinados de desequilíbrios e choque.

Nesse sentido, os suportes morais e espirituais contribu­em para a mudança da rotina, abrindo espaços mentais e emo­cionais para o idealismo do amor ao próximo, da solidarieda­de, dos serviços de enobrecimento humano.

O homem se deve renovar incessantemente, alterando para melhor os hábitos e atividades, motivando-se para o aprimo­ramento íntimo, com conseqüente movimentação das forças que fomentam o progresso pessoal e comunitário, a benefí­cio da sociedade em geral.

Face a esse esforço e empenho, o homem interior sobrepõe-se ao exterior, social, trabalhado pelos atavismos das re­pressões e castrações, propondo conceitos mais dignos de convivência humana, em consonância com as ambições es­pirituais que lhe passam a comandar as disposições íntimas.

O excesso de tecnologia, que aparentemente resolveria os problemas humanos, engendrou novos dramas e conflitos comportamentais, na rotina degradante, que necessitam ser reexaminados para posterior correção.

O individualismo, que deu ênfase ao enganoso conceito do homem de ferro e da mulher boneca, objeto de luxo e de inutilidade, cedeu lugar ao coletivismo consumista, sem iden­tidade, em que os valores obedecem a novos padrões de críti­ca e de aceitação para os triunfos imediatos sob os altos pre­ços da destruição do indivíduo como pessoa racional e livre.

A liberdade custa um alto preço e deve ser conquistada na grande luta que se trava no cotidiano.

Liberdade de ser e atuar, de ter respeitados os seus valo­res e opções de discernir e aplicar, considerando, naturalmente, os códigos éticos e sociais, sem a submissão acomodada e indiferente aos padrões de conveniência dos grupos domi­nantes.

A escala de interesses, apequenando o homem, brinda-o com prêmios que foram estabelecidos pelo sistema desuma­no, sem participação do indivíduo como célula viva e pen­sante do conjunto geral.

Como profilaxia e terapêutica eficaz, existem os desafios propostos por Jesus, que são de grande utilidade, induzindo a criatura a dar passos mais largos e audaciosos do que aqueles que levam na direção dos breves objetivos da existência ape­nas material.

A desenvoltura das propostas evangélicas facilita a rup­tura da rotina, dando saudável dinâmica para uma vida inte­gral em favor do homem-espírito eterno e não apenas da má­quina humana pensante a caminho do túmulo, da dissolução, do esquecimento.


3

A ansiedade

Não se deixando vitimar pela rotina, o homem tende, às vezes, a assumir um comportamento ansioso que o desgasta, dando origem a processos enfermiços que o consomem.

A ansiedade é uma das características mais habituais da conduta contemporânea.

Impulsionado ao competitivismo da sobrevivência e es­magado pelos fatores constringentes de uma sociedade etica­mente egoísta, predomina a insegurança no mundo emocio­nal das criaturas.

As constantes alterações da Bolsa de Valores, a compres­são dos gastos, a correria pela aquisição de recursos e a dis­puta de cargos e funções bem remunerados geram, de um lado, a insegurança individual e coletiva. Por outro, as amea­ças de guerras constantes, a prepotência de governos inescru­pulosos e chefes de atividades arbitrários quão ditadores; os anúncios e estardalhaços sobre enfermidades devastadoras; os comunicados sobre os danos perpetrados contra a ecolo­gia prenunciando tragédias iminentes; a catalogação de cri­mes e violências aterradoras respondem pela inquietação e pelo medo que grassam em todos os meios sociais, como cons­tante ameaça contra o ser e o seu grupo, levando-os a perma­nente ansiedade que deflui das incertezas da vida.

Passando, de uma aparente segurança, que era concedida pelos padrões individualistas do século 19, no apogeu da industrialização, para o período eletrônico, a robotização ameaça milhões de empregados, que temem a perda de suas atividades remuneradas, ao tempo em que o coletivismo, igua­lando os homens nas aparências sociais, nos costumes e nos hábitos, alija os estímulos de luta, neles instalando a incerte­za, a necessidade de encontrar-se sempre na expectativa de notícias funestas, desagradáveis, perturbadoras.

Esvaziados de idealismo e comprimidos no sistema em que todos fazem a mesma coisa, assumem iguais compostu­ras, passando de uma para outra pauta de compromisso com ansiedade crescente.

A preocupação de parecer triunfador, de responder de for­ma semelhante aos demais, de ser bem recebido e considera­do é responsável pela desumanização do indivíduo, que se torna um elemento complementar no grupamento social, sem identidade, nem individualidade.

Tendo como modelo personalidades extravagantes, que ditam modas e comportamento exóticos, ou liderado por ído­los da violência, como da astúcia dourada, o descobrimento dos limites pessoais gera inquietação e conflitos que mal disfarçam a contínua ansiedade humana.

A ansiedade tem manifestações e limites naturais, perfei­tamente aceitáveis.

Quando se aguarda uma notícia, uma presença, uma res­posta, uma conclusão, é perfeitamente compreensível uma atitude de equilibrada expectativa.

Ao extrapolar para os distúrbios respiratórios, o colapso periférico, a sudorese, a perturbação gástrica, a insônia, o cli­ma de ansiedade torna-se um estado patológico a caminho da somatização física em graves danos para a vida.

O grande desafio contemporâneo para o homem é o seu autodescobrimento.

Não apenas identificação das suas necessidades, mas, prin­cipalmente, da sua realidade emocional, das suas aspirações legítimas e reações diante das ocorrências do cotidiano.

Mediante o aprofundamento das descobertas íntimas, al­tera-se a escala de valores e surgem novos significados para a sua luta, que contribuem para a tranqüilidade e a autoconfi­ança.

Não há, em realidade, segurança enquanto se transita no corpo físico.

A organização mais saudável durante um período, debili­ta-se em outro, assim como os melhores equipamentos orgâ­nicos e psíquicos sofrem natural desgaste e consumição, dan­do lugar às enfermidades e à morte, que também é fenômeno da vida.

A ansiedade trabalha contra a estabilidade do corpo e da emoção.

A análise cuidadosa da existência planetária e das suas finalidades proporciona a vivência salutar da oportunidade orgânica, sem o apego mórbido ao corpo nem o medo de per­dê-lo.

Os ideais espiritualistas, o conhecimento da sobrevivência à morte física tranqüilizam o homem, fazendo que consi­dere a transitoriedade do corpo e a perenidade da vida, da qual ninguém se eximirá.

Apegado aos conflitos da competição humana ou deixan­do-se vencer pela acomodação, o homem desvia-se da finali­dade essencial da existência terrena, que se resume na aplica­ção do tempo para a aquisição dos recursos eternos, propici­adores da beleza, da paz, da perfeição.

O pandemônio gerado pelo excesso de tecnologia e de conforto material nas chamadas classes superiores, com ab­soluta indiferença pela humanidade dos guetos e favelas, em promiscuidade assustadora, revela a falência da cultura e da ética estribada no imediatismo materialista com o seu arro­gante desprezo pelo espiritualismo.

Certamente, ao fanatismo e proibição espiritualista de caráter medieval, que ocultavam as feridas morais dos ho­mens, sob o disfarce da hipocrisia, o surgimento avassalador da onda de cinismo materialista seria inevitável. No entanto, o abuso da falsa cultura desnaturada, que pretendeu solucio­nar os problemas humanos de profundidade como reparava os desajustes das engrenagens das máquinas que construiu, resultou na correria alucinada para lugar nenhum e pela con­quista de coisas mortas, incapazes de minimizar a saudade, de preencher a solidão, de acalmar a ansiedade, de evitar a dor, a doença e a morte...

Magnatas, embora triunfantes, proíbem que se pronuncie o nome da morte diante deles.

Capitães de monopólios recusam-se a sair à rua, para evi­tarem contágio de enfermidades, e alguns impõem, para vi­ver, ambientes assepsiados, tentando driblar o processo de degeneração celular.

Ases da beleza cercam-se de jovens, receando a velhice, e utilizam-se de estimulantes para preservarem o corpo, apli­cando-se massagens, exercícios, cirurgias plásticas, muscu­lação e, não obstante, acompanham a degeneração física e mental, ansiosos, desventurados.

Propalando-se que as conquistas morais fazem parte das instituições vencidas — matrimônio, família, lar — os apani­guados da loucura crêem que aplicam, na velha doença das proibições passadas, uma terapêutica ideal. E olvidam-se que o exagero de medicamento utilizado em uma doença, gera danos maiores do que aqueles que eram sofridos.

A sociedade atual sofre a terapia desordenada que usou na enfermidade antiga do homem, que ora se revela mais de­bilitado do que antes.

São válidas, para este momento de ansiedade, de insatis­fação, de tormento, as lições do Cristo sobre o amor ao pró­ximo, a solidariedade fraternal, a compaixão, ao lado da ora­ção, geradora de energias otimistas e da fé, propiciadora de equilíbrio e paz, para uma vida realmente feliz, que baste ao homem conforme se apresente, sem as disputas conflitantes do passado, nem a acomodação coletivista do presente.


4

Medo

Decorrente dos referidos fatores sociológicos, das pres­sões psicológicas, dos impositivos econômicos, o medo as­salta o homem, empurrando-o para a violência irracional ou amargurando-o em profundos abismos de depressão.

Num contexto social injusto, a insegurança engendra muitos mecanismos de evasão da realidade, que dilaceram o comportamento humano, anulando, por fim, as aspirações de beleza, de idealismo, de afetividade da criatura.

Encarcerando-se, cada vez mais, nos receios just ificáveis do relacionamento instável com as demais pessoas, surgem as ilhas individuais e grupais para onde fogem os indivíduos, na expectativa de equilibrarem-se, sobrevivendo ao tumulto e à agressividade, assumindo, sem darem-se conta, um com­portamento alienado, que termina por apresentar-se igualmen­te patológico.

As precauções para resguardar-se, poupar a família aos dissabores dos delinquentes, mantendo os haveres em luga­res quase inexpugnáveis, fazem o homem emparedar-se no lar ou aglomerar-se em clubes com pessoal selecionado, per­dendo a identidade em relação a si mesmo, ao seu próximo e consumindo-se em conflitos individualistas, a caminho dos desequilíbrios de grave porte.

Os valores da nossa sociedade encontram-se em xeque, porque são transitórios.

Há uma momentânea alteração de conteúdo, com a con­seqüente perda de significado.

A nova geração perdeu a confiança nas afirmações do passado e deseja viver novas experiências ao preço da aluci­nação, como forma escapista de superar as pressões que so­fre, impondo diferentes experiências.

No âmago das suas violações e protestos, do vilipêndio aos conceitos anteriores vige o medo que atormenta e sub­mete às suas sombras espessas.

A quantidade expressiva de atemorizados trabalha a qua­lidade do receio de cada um, que cresce assustadoramente, comprimindo a personalidade, até que esta se libere em des­regramento agressivo, como forma de escapar à constrição.

Quem, porém, não consiga seguir a correnteza da nova ordem, fica afogado no rio volumoso, perde o respeito por si mesmo, aliena-se e sucumbe.

Na luta furiosa, as festas ruidosas, as extravagâncias de conduta, os desperdícios de moedas e o exibicionismo com que algumas pessoas pensam vencer os medos íntimos, ape­nas se transformam em lâminas baças de vidro pelas quais observam a vida sempre distorcida, face à óptica incorreta que se permitem. São atitudes patológicas decorrentes da fra­gilidade emocional para enfrentar os desafios externos e in­ternos.

A consumação da sociedade moderna é a história da desí­dia do homem em si mesmo, enlanguescido pelos excessos ou esfogueado pelos desejos absurdos.

Adaptando-se às sombras dominadoras da insensatez, neglicencia o sentido ético gerador da paz.

A anarquia então impera, numa volúpia destrutiva, ten­tando apagar as memórias do ontem, enquanto implanta a tirania do desconcerto.

Os seus vultos expressivos são imaturos e alucinados, em cuja rebelião pairam o oportunismo e a avidez.

Procedentes dos guetos morais, querem reverter a ordem que os apavora, revolucionando com atrevimento, face ao insólito, o comportamento vigente.

Os antigos ídolos, que condenaram a década de 20 e 30 como a da “geração perdida”, produziram a atual “era da in­segurança”, na qual malograram as profecias exageradamen­te otimistas dos apaniguados do prazer em exaustão, fabri­cando os super-homens da mídia que, em análise última, são mais frágeis do que os seus adoradores, pois que não passam de heróis da frustração.

Guindados às posições de liderança, descambaram, esses novos condutores, em lamentáveis desditas, consumidos pe­las drogas, vencidos pelas enfermidades ainda não controla­das, pelos suicídios discretos ou espetaculares.

A alucinação generalizada certamente aumenta o medo nos temperamentos frágeis, nas constituições emocionais de pouca resistência, de começo, no indivíduo, depois, na soci­edade.

Esta é uma sociedade amedrontada.

As gerações anteriores também cultivaram os seus medos de origem atávica e de receios ocasionais.

O excesso de tecnicismo com a correspondente ausência de solidariedade humana produziram a avalanche dos recei­os.

A superpopulação tomando os espaços e a tecnologia re­duzindo as distâncias arrebataram a fictícia segurança indivi­dual, que os grupos passaram a controlar, e as conseqüências da insânia que cresce são imprevistas.

Urge uma revisão de conceitos, uma mudança de condu­ta, um reestudo da coragem para a imediata aplicação no or­ganismo social e individual necrosado.

Todavia, é no cerne do ser — o Espírito — que se encon­tram as causas matrizes desse inimigo rude da vida, que é o medo.

Os fenômenos fóbicos procedem das experiências passa­das — reencarnações fracassadas —, nas quais a culpa não foi liberada, face ao crime haver permanecido oculto, ou dissi­mulado, ou não justiçado, transferindo-se a consciência fal­tosa para posterior regularização.

Ocorrências de grande impacto negativo, pavores, urdi-duras perversas, homicídios programados com requintes de crueldade, traições infames sob disfarces de sorrisos produ­ziram a atual consciência de culpa, de que padecem muitos atemorizados de hoje, no inter-relacionamento pessoal.

Outrossim, catalépticos sepultados vivos, que desperta­ram na tumba e vieram a falecer depois, por falta de oxigê­nio, reencarnam-se vitimados pelas profundas claustrofobi­as, vivendo em precárias condições de sanidade mental.

O medo é fator dissolvente na organização psíquica do homem, predispondo-o, por somatização, a enfermidades di­versas que aguardam correta diagnose e específica terapêuti­ca.

À medida que a consciência se expande e o indivíduo se abriga na fé religiosa racional, na certeza da sua imortalida­de, ele se liberta, se agiganta, recupera a identidade e huma­niza-se definitivamente, vencendo o medo e os seus sequa­zes, sejam de ontem ou de agora.


5

Solidão

Espectro cruel que se origina nas paisagens do medo, a solidão é, na atualidade, um dos mais graves problemas que desafiam a cultura e o homem.

A necessidade de relacionamento humano, como meca­nismo de afirmação pessoal, tem gerado vários distúrbios de comportamento, nas pessoas tímidas, nos indivíduos sensí­veis e em todos quantos enfrentam problemas para um inter­câmbio de idéias, uma abertura emocional, uma convivência saudável.

Enxameiam, por isso mesmo, na sociedade, os solitários por livre opção e aqueloutros que se consideram marginalizados ou são deixados à distância pelas conveniências dos grupos.

A sociedade competitiva dispõe de pouco tempo para a cordialidade desinteressada, para deter-se em labores a bene­fício de outrem.

O atropelamento pela oportunidade do triunfo impede que o indivíduo, como unidade essencial do grupo, receba consi­deração e respeito ou conceda ao próximo este apoio que gostaria de fruir.

A mídia exalta os triunfadores de agora, fazendo o pane­gírico dos grupos vitoriosos e esquecendo com facilidade os heróis de ontem, ao mesmo tempo que sepulta os valores do idealismo, sob a retumbante cobertura da insensatez e do oportunismo.

O homem, no entanto, sem ideal, mumifica-se. O ideal é-lhe de vital importância, como o ar que respira.

O sucesso social não exige, necessariamente, os valores intelecto-morais, nem o vitalismo das idéias superiores, an­tes cobra os louros das circunstâncias favoráveis e se apóia na bem urdida promoção de mercado, para vender imagens e ilusões breves, continuamente substituídas, graças à rapidez com que devora as suas estrelas.

Quem, portanto, não se vê projetado no caleidoscópio mágico do mundo fantástico, considera-se fracassado e recua para a solidão, em atitude de fuga de uma realidade mentiro­sa, trabalhada em estúdios artificiais.

Parece muito importante, no comportamento social, rece­ber e ser recebido, como forma de triunfo, e o medo de não ser lembrado nas rodas bem sucedidas, leva o homem a esta­dos de amarga solidão, de desprezo por si mesmo.

O homem faz questão de ser visto, de estar cercado de bulha, de sorrisos embora sem profundidade afetiva, sem o calor sincero das amizades, nessas áreas, sempre superficiais e interesseiras. O medo de ser deixado em plano secundário, de não ter para onde ir, com quem conversar, significaria ser desconsiderado, atirado à solidão.

Há uma terrível preocupação para ser visto, fotografado, comentando, vendendo saúde, felicidade, mesmo que fictí­ci a.

A conquista desse triunfo e a falta dele produzem soli­dão.

O irreal, que esconde o caráter legítimo e as lídimas aspi­rações do ser, conduz à psiconeurose de autodestruição.

A ausência do aplauso amargura, face ao conceito falso em torno do que se considera, habitualmente como triunfo.

Há terrível ânsia para ser-se amado, não para conquistar o amor e amar, porém para ser objeto de prazer, mascarado de afetividade. Dessa forma, no entanto, a pessoa se desama, não se torna amável nem amada realmente.

Campeia, assim, o “medo da solidão”, numa demonstra­ção caótica de instabilidade emocional do homem, que pare­ce haver perdido o rumo, o equilíbrio.

O silêncio, o isolamento espontâneo são muito saudáveis para o indivíduo, podendo permitir-lhe reflexão, estudo, auto-aprimoramento, revisão de conceitos perante a vida e a paz interior.

O sucesso, decantado como forma de felicidade, é, tal­vez, um dos maiores responsáveis pela solidão profunda.

Os campeões de bilheteria nos shows, nas rádios, televi­sões e cinemas, os astros invejados, os reis dos esportes, dos negócios cercam-se de fanáticos e apaixonados, sem que se vejam livres da solidão.

Suicídios espetaculares, quedas escabrosas nos porões dos vícios e dos tóxicos comprovam quanto eles são tristes e so­litários. Eles sabem que o amor, com que os cercam, traz, apenas, apelos de promoção pessoal dos mesmos que os en­volvem, e receiam os novos competidores que lhes ameaçam os tronos, impondo-lhes terríveis ansiedades e inseguranças, que procuram esconder no álcool, nos estimulantes e nos de­rivativos que os mantêm sorridentes, quando gostariam de chorar, quão inatingidos, quanto se sentem fracos e huma­nos.

A neurose da solidão é doença contemporânea, que ame­aça o homem distraído pela conquista dos valores de peque­na monta, porque transitórios.

Resolvendo-se por afeiçoar-se aos ideais de engrandeci­mento humano, por contribuir com a hora vazia em favor dos enfermos e idosos, das crianças em abandono e dos ani­mais, sua vida adquiriria cor e utilidade, enriquecendo-se de um companheirismo digno, em cujo interesse alargar-se-ia a esfera dos objetivos que motivam as experiências vivenciais e inoculam coragem para enfrentar-se, aceitando os desafios naturais.

O homem solitário, todo aquele que se diz em solidão, exceto nos casos patológicos, é alguém que se receia encon­trar, que evita descobrir-se, conhecer-se, assim ocultando a sua identidade na aparência de infeliz, de incompreendido e abandonado.

A velha conceituação de que todo aquele que tem amigos não passa necessidades, constitui uma forma desonesta de estimar, ocultando o utilitarismo sub-reptício, quando o pra­zer da afeição em si mesma deve ser a meta a alcançar-se no inter-relacionamento humano, com vista à satisfação de amar.

O medo da solidão, portanto, deve ceder lugar, à confian­ça nos próprios valores, mesmo que de pequenos conteúdos, porém significativos para quem os possui.

Jesus, o Psicoterapeuta Excelente, ao sugerir o “amor ao próximo como a si mesmo” após o “amor a Deus” como a mais importante conquista do homem, conclama-o a amar-se, a valorizar-se, a conhecer-se de modo a plenificar-se com o que é e tem, multiplicando esses recursos em implementos de vida eterna, em saudável companheirismo, sem a preocu­pação de receber resposta equivalente.

O homem solidário, jamais se encontra solitário.

O egoísta, em contrapartida, nunca está solícito, por isto, sempre atormentado.

Possívelmente, o homem que caminha a sós se encontre mais sem solidão, do que outros que, no tumulto, inseguros, estão cercados, mimados, padecendo disputas, todavia sem paz nem fé interior.

A fé no futuro, a luta por conseguir a paz íntima — eis os recursos mais valiosos para vencer-se a solidão, saindo do arcabouço egoísta e ambicioso para a realização edificante onde quer que se esteja.


6

Liberdade

As pressões constantes geradoras de medo, não raro ex­trapolam em forma de violência propondo a liberdade.

Sentindo-se coarctado nos movimentos, o animal reage àprisão e debate-se até à exaustão, na tentativa de libertar-se. Da mesma forma, o homem, sofrendo limites, aspira pela amplidão de horizontes e luta pela sua independência.

É perfeitamente normal o empenho do cidadão em favor da sua libertação total, passo esse valioso na conquista de si mesmo. Todavia, pouco esclarecido e vitimado pelas com-pressões que o alucinam, utiliza-se dos instrumentos da re­beldia, desencadeando lutas e violência para lograr o que as­pira como condição fundamental de felicidade.

A violência porém, jamais oferece a liberdade real.

Arranca o indivíduo da opressão política, arrebenta-lhe as injunções caóticas impostas pela sociedade injusta, favo­rece-o com terras e objetos, salários e haveres.

Isto, porém, não é a liberdade, no seu sentido profundo.

São conquistas de natureza diferente, nas áreas das ne­cessidades dos grupos e aglomerados humanos, longe de ser

a meta de plenitude, talvez constituindo um meio que faculte

a realização do próximo passo, que é o do autodescobrimen­to.

A violência retém, porém não doa, já que sempre abre perspectivas para futuros embates sob a ação de maiores cru­eldades.

As guerras, que se sucedem, apóiam-se nos tratados de paz mal formulados, quando a violência selou, com sujeição, o destino da nação ou do povo submetido...

O instinto de rebeldia faz parte da psique humana.

A criança que se obstina usando a negativa, afirma a sua identidade, exteriorizando o anseio inconsciente de ser livre. Porque carece de responsabilidade, não pode entender o que tal significa.

Somente mediante a responsabilidade, o homem se liber­ta, sem tornar-se libertino ou insensato.

A sociedade, que fala em nome das pessoas de sucesso, estabelece que a liberdade é o direito de fazer o que a cada qual apraz, sem dar-se conta de que essa liberação da vonta­de, termina por interditar o direito dos outros, fomentando as lutas individuais, dos que se sentem impedidos, espocando nas violências de grupos e classes, cujos direitos se encon­tram dilapidados.

Se cada indivíduo agir conforme achar melhor, conside­rando-se liberado, essa atitude trabalha em favor da anarquia, responsável por desmandos sem limites.

Em nome da liberdade, atuam desonestamente os vende­dores das paixões ignóbeis, que espalham o bafio criminoso das mercadorias do prazer e da loucura.

A denominada liberação sexual, sem a correspondente maturidade emocional e dignidade espiritual, rebaixou as fon­tes genésicas a paul venenoso, no qual, as expressões aber­rantes assumem cidadania, inspirando os comportamentos alienados e favorecendo a contaminação das enfermidades degenerativas e destruidoras da existência corporal. Ao mes­mo tempo, faculta o aborto delituoso, a promiscuidade mo­ral, reconduzindo o homem a um estágio de primarismo dan­tes não vivenciado.

A liberdade de expressão, aos emocionalmente desajus­tados, tem permitido que a morbidez e o choque se revelem com mais naturalidade do que a cultura e a educação, por enxamearem mais os aventureiros, com as exceções compre­ensíveis, do que os indivíduos conscientes e responsáveis.

A liberdade é um direito que se consolida, na razão direta em que o homem se autodescobre e se conscientiza, podendo identificar os próprios valores, que deve aplicar de forma edificante, respeitando a natureza e tudo quanto nela existe.

A agressão ecológica, em forma de violencia cruel contra as forças mantenedoraS da vida, demonstra que o homem, em nome da sua liberdade, destrói, mutila, mata e mata-se, por fim, por não saber usá-la conforme seria de desejar.

A liberdade começa no pensamento, como forma de aspi­ração do bom, do belo, do ideal que são tudo quanto fomenta a vida e a sustenta, dá vida e a mantém.

Qualquer comportamento que coage, reprimes viola é ad­versário da liberdade.

Examinando o magno problema da liberdade, Jesus sin­tetizou os meios de consegui-la, na busca da verdade, única opção para tornar o homem realmente livre.

A verdade, em síntese, que é Deus — e não a verdade con­veniente de cada um, que é a forma doentia de projetar a pró­pria sombra, de impor a sua imagem, de submeter à sua, a vontade alheia — constitui meta prioritária.

Deus, porém, está dentro de todos nós, e é necesSário imergir na Sua busca, de modo que O exteriorizemos sobran­ceiro e tranqüilizador.

As conquistas externas atulham as casas e os cofres de coisas, sem torná-los lares nem recipientes de luz, destituí­dos de significado, quando nos momentos magnos das gran­des dores, dos fortes dissabores, da morte, que chegam a to­dos...

A liberdade, que se encerra no túmulo, é utópiCa, menti­rosa.

Livre, é o Espírito que se domina e se conquista. movi­mentando-se com sabedoria por toda parte, idealista e amo­roso, superando as injunções pressionadoras e amesquinhantes.

Ghandi fez-se o protótipo da liberdade, mesmo quando nas várias vezes em que esteve encarcerado, informando que “não tinha mensagem a dar. A minha mensagem é a minha vida.”

Antes dele, Sócrates permaneceu em liberdade, embora na prisão e na morte que lhe adveio depois.

E Cristo, cuja mensagem é o amor que liberta, prosse­gue ensinando a eficiente maneira de conquistar a liberdade.

Nenhuma pressão de fora pode levar à falta de liberdade, quando se conseguir ser lúcido e responsável interiormente, portanto, livre.

Não se justifica, deste modo, o medo da liberdade, como efeito dos fatores extrínsecos, que as situações políticas, so­ciais e econômicas estabelecem como forma espúria de fazer que sobrevivam as suas instituições, subjugando aqueles que vencem. O homem que as edifica, dá-se conta, um dia, que dominando povos, grupos, classes ou pessoas também não élivre, escravo, ele próprio, daqueles que submete aos seus caprichos, mas lhe roubam a opção de viver em liberdade.

Não há liberdade quando se mente, engana, impõe e atrai­çoa.

A liberdade é uma atitude perante a vida.

Assim, portanto, só há liberdade quando se ama consci­entemente.


SEGUNDA PARTE

ESTRANHOS RUMOS, SEGUROS ROTEIROS


7

Homens-aparência

A falta de uma consciência idealista, na qual predomina o bem geral sem os impulsos egoístas que trabalham em favor do imediatismo, torna difícil a realização da liberdade.

Para lográ-la até a plenitude, faz-se mister um seguro co­nhecimento interior do homem, das suas aspirações e metas, bem como os instrumentos de trabalho com os quais preten­de movimentar-se.

Ignorando as reações pessoais sempre imprevisíveis, fa­cilmente ele tomba nas ciladas da violência ou entrega-se àdepressão, quando surgem dificuldades e as respostas ao seu esforço não correspondem ao anelado.

Incapaz de controlar-se, mantendo uma atitude criativa e otimista, mesmo em face dos dissabores, a liberdade se lhe transforma em uma conquista vazia, cuja finalidade é per­mirtir-lhe extravasar os impulsos primitivos e as paixões agressivas, em atentado cruel contra aquilo que pretende: o anseio de ser livre.

O homem livre, sonha e trabalha, confia e persevera, se­meando, em tempo próprio, a feliz colheita porvindoura.

Não se pode conseguir de um para outro momento a li­berdade, nem a herdar das gerações passadas. Cada indiví­duo a conquista lentamente, acumulando experiências que amadurecem o discernimento e a razão de que se utiliza no momento de vivenciá-la.

Ela começa na escolha de si próprio, conforme o enunci­ado cristão do “amar ao próximo como a si mesmo” se ama, por quanto não existindo este sentimento pessoal de respeito à própria individualidade, que propõe os limites dos direitos na medida dos deveres executados, não se pode esperar con­sideração aos valores alheios, com a conseqüente liberdade dos outros indivíduos.

Esse amor a si mesmo ergue o homem aos patamares su­periores da vida que a sua consciência idealista descortina e o seu esforço produz. Meta a meta, ele ascende, fazendo op­ções mais audaciosas no campo do belo, do útil, do humano, deixando pegadas indicadoras para os indecisos da retaguar­da. Sua personalidade se ilumina de esperança e a sua condu­ta se permeia de paz.

Lentamente, são retiradas as aparências do conveniente social, do agradável estatuído, do conforme desejado, para que a legítima identidade apareça e o homem se torne o que realmente e.

É claro que nos referimos às expressões de engrandeci­mento que, normalmente, permanecem enclausuradas no ín­timo sem oportunidade de exteriorizar-se, soterradas, às ve­zes, sob sucessivas camadas de medo, de indiferença, de aco­modação.

Muitos homens temem ser conhecidos nos seus sentimen­tos éticos, nos seus esforços de saudável idealismo, tacha­dos, esses valores, pelos pigmeus morais, encarcerados no exclusivismo das suas paixões, como sentimentalismos, pie­guices, fraquezas de caráter.

Confundem coragem com impulsividade e força com ex­pressões do poder, da dominação.

Porque vivem sem liber­dade, desdenham os homens livres.

Na consciência profunda está ínsita a verdadeira liberda­de, que deve ser buscada mediante o mergulho no âmago do ser e a reflexão demorada, propiciadora do autoconhecimen­to.

Em realidade o homem é livre e nasceu para preservar este estado.

Não tem limites a conquista da liberdade, porqüanto ele pode, embora não deva, optar por preservar ou não o corpo, através do suicídio espetacular ou escamoteado, na recusa consciente ou não de continuar a viver.

Não se decidindo, porém, em preservar esse atributo, sus­tentando ou melhorando as estruturas psicológicas, sofre os efeitos do relacionamento social pressionador, e tomba nos meandros da turbulência dos dias que vive.

Esvaziados de objetivos elevados, os movimentos dos grupos sociais como dos indivíduos proporcionam a anar­quia, que se mascara de liberdade, destacando-se a violência de um lado e o conformismo de outro, sem um relaciona­mento saudável entre as criaturas. Dissimulam-se os senti­mentos para se apresentarem bem, conforme o figurino vi­gente, detestando-se fraternalmente e vivendo a competição frenética e desgastante para cada qual alcançar a supremacia no grupo, agradando o ego atormentado.

Apesar de acumularem haveres pregando o existencialis­mo comportamental, esses vitoriosos permanecem vazios, sem ideal, sem consciência ética, mumificados nas ambições e presos aos desejos que nunca satisfazem.

Desencadeia-se um distúrbio no conjunto social, que afe­ta o homem, por sua vez perturbando mais o grupo, em círcu­lo vicioso, no qual a causa, gerando efeitos, estes se tornam novas causas de tribulação.

Reverter o sistema injusto e desgastante, no qual se mede e valoriza o homem pelo que tem, e não pelo que é, em razão do que pode, não do que faz, é o compromisso de todo aquele que é livre.

A desordenada preocupação por adquirir, a qualquer pre­ço, equipamentos, veículos, objetos da propaganda alucina­da; a ansiedade para ser bem-visto e acatado no meio social; o tormento para vestir-se de acordo com a moda exigente; a inquietação para estar bem informado sobre os temas sem profundidade de cada momento transtornam o equilíbrio emocional da criatura, arrojando-a aos abismos da perda da identidade, à desestruturação pessoal, à confusão de valores.

Homens-aparência, tornam-se quase todos. Calmos ou não, fortes ou fracos, ricos ou pobres enxameiam num con­texto confuso, sem liberdade, no entanto, em regime político e social de liberdade, atulhados de ferramentas de trabalho como de lazer, desmotivados e automatistas, sem rumo. Pros­seguem, avançando — ou caminhando em círculo? — desnor­teados na grande horizontal das conquistas de fora, temendo a verticalidade da interiorização realmente libertadora.


8

Fobia social

Pressionado pelas constrições de vária ordem, exceção feita aos fenômenos patológicos, na área da personalidade, o indivíduo tímido, desistindo de reagir, assume comportamen­tos fóbicos.

Neuroses e psicoses se lhe manifestam, atormentando-o e gerando-lhe um clima de pesadelo onde quer que se encon­tre.

A liberdade, que lhe é de fundamental importância para a vida, perde o seu significado externo, face às prisões sem paredes que são erguidas, nelas encarcerando-se.

Da melancolia profunda ele passa à ansiedade, com alter­nâncias de insatisfação e tentativas de autodestruição, e da desconfiança sistemática tomba, por falta de resistências morais, diante dos insucessos banais da existência. Nem mes­mo o êxito nos negócios, na vida social e familiar, consegue minimizar-lhe o desequilíbrio que, muitas vezes, aumenta, em razão dejá não lhe sendo necessário fazer maiores esfor­ços para conseguir, considera-se sem finalidade que justifi­que prosseguir.

Os estados fóbicos desgastam-lhe os nervos e conduzem-no às depressões profundas. São vários estes fenômenos no comportamento humano.

Surge, porém, no momento, um que se generaliza, a pou­co e pouco, o denominado como fobia social, graças ao qual, o indivíduo começa a detestar o convívio com as demais pes­soas, retraindo-se, isolando-se.

A princípio, apresenta-se como forma de mal-estar, de­pois, como insegurança, quando o homem é conduzido a en­frentar um grupo social ou o público que lhe aguarda apre­sença, a palavra.

O grau de ansiedade foge-lhe ao controle, estabelecendo conflitos psicológicos perturbadores.

A ansiedade comedida é fenômeno perfeitamente natu­ral, resultante da expectativa ante o inusitado, face ao traba­lho a ser desenvolvido, diante da ação que deve ser aplicada como investimento de conquista, sem que isto provoque de­sarmonia interior com reflexos físicos negativos.

Quando, então, se revela, desencadeada por problemas de somenos importância, produzindo taquicardias, sudorese álgida, tremores contínuos, estão ultrapassados os limites do equilíbrio, tornando-se patológica.

A fobia social impede uma leitura em voz alta, uma assi­natura diante de alguém que acompanhe o gesto, segurar um talher para uma refeição, pegar um vaso com líquido sem o entornar... O paciente, nesses casos, tem a impressão de que está sob severa observação e análise dos outros, passando a detestar as presenças estranhas até os familiares e amigos mais íntimos.

Em algumas circunstâncias, quando o processo se encon­tra em instalação, a concentração e o esforço para superar o impedimento auxiliam-no, facultando-o somente relaxar-se e adquirir naturalidade após constatar que ninguém o observa, perdendo, assim, o prazer do diálogo, face à tensão gerada pelo problema.

A tendência natural do portador de fobia social é fugir, ocultar-se malbaratando o dom da existência, vitimado pela ansiedade e pelo medo.

O homem é o único animal ético existente.

Para adquirir a condição de uma consciência ética é con­vidado a desafios contínuos, graças aos quais discerne o bem do mal, o belo do feio, o lógico do absurdo, imprimindo-se um comportamento que corresponda ao seu grau de compre­ensão existencial.

Aprofundando-se no exame dos valores, distingue-os. passando a viver conforme os padrões que estabelece como indispensáveis às metas que persegue, porqüanto pretende constituir-lhe a felicidade.

A fim de lograr o domínio desses legítimos valores, apli­ca outra das suas características essenciais, que é o de ser um animal biossocial.

A vida de relação com os demais indivíduos é-lhe essen­cial ao progresso ético.

Isolado, asselvaja-se ou entrega-se a uma submissão in­diferente, perniciosa.

As imposições do relacionamento social exterior, sem profundidade emocional, respondem por esta explosão fóbi­ca, face à ausência de segurança afetiva entre os indivíduos e à competição que grassa, desenfreada, fazendo que se veja sempre, no atual amigo, o potencial usurpador da sua função, o possível inimigo de amanhã.

Tal desconfiança arma as pessoas de suspeição, levando-as a uma conduta artificial, mediante a qual se devem apre­sentar como bem estruturadas emocionalmente, superiores às vicissitudes, capazes de enfrentar riscos, indiferentes às agressões do meio, porque seguras das suas reservas de for­ças morais.

Gerando instabilidade entre o que demonstram e aquilo que são realmente, surge o pavor de serem vencidas, deixa­das à margem, desconsideradas. O mecanismo de fuga da luta sem quartel apresenta-se-lhes como alternativa saudável, por poupar-lhes esforços que lhes parecem inúteis, desde que não se sentem inclinadas a usar dos mesmos métodos de que se crêem vítimas.

Simultaneamente, as atividades trepidantes e as festas ruidosas mais afastam os amigos, que dizem não dispor de tempo para o intercâmbio fraternal, a assistência cordial, re­ceosos, por sua vez, de igualmente tombarem, vitimados pelo mesmo mal que os ronda, implacável.

Nestas circunstâncias, mentes desencarnadas, deprimen­tes, se associam aos pacientes, complicando-lhes o quadro e empurrando-os para as psicoses profundas, irreversíveis.

A desumanização do homem, que se submete aos capri­chos do momento dourado das ilusões, conspira contra ele próprio e o seu próximo, tornando esta a geração do medo, a sociedade sem destino.


9

Ódio e suicídio

Herdeiro de si mesmo, carregando, no inconsciente, as experiências transatas, o homem não foge aos atavismos que ojungem ao primitivismo, embora as claridades arrebatado­ras do futuro chamando-o para as grandes conquistas.

Liberar-se do forte cipoal das paixões animalizantes para os logros da razão é o grande desafio que tem pela frente.

Onde quer que vá, encontra-se consigo mesmo.

A sua evolução sócioantropológica é a história das contí­nuas lutas, em que o artista — o Espírito — arranca do bloco grotesco — a matéria — as expressões de beleza e grandiosida­de que lhe dormem imanentes.

Os mitos de todos os povos, na história das artes, das filo­sofias e das religiões, apresentam a luta contínua do ser liber­tando-se da argamassa celular, arrebentando algemas para fir­mar-se na liberdade que passa a usar, agressivamente, no co­meço, até converter-se em um estado de consciência ética plenificador, carregado de paz.

Em cada mito do passado surge o homem em luta contra forças soberanas que o punem, o esmagam, o dominam.

Gerado o conceito da desobediência, o reflexo da puni­ção assoma dominador, reduzindo o calceta a uma posição ínfima, contra a qual não se pode levantar, sequer justificar a fragilidade.

Essa incapacidade de enfrentar o imponderável — as for­ças desgovernadas e prepotentes — mais tarde se apresenta camuflada em forma de rebelião inconsciente contra a exis­tência física, contra a vida em si mesma.

Obrigado mais a temer esses opressores, do que a os amar, compelido a negociar a felicidade mediante oferendas e cul­tos, extravagantes ou não, sente-se coibido na sua liberdade de ser, então rebelando-se e passando a uma atitude formal em prejuízo da real, a um comportamento social e religioso conveniente ao invés de ideal, vivendo fenômenos neuróti­cos que o deprimem ou o exaltam, como efeitos naturais de sua rebelião íntima.

Ao mesmo tempo, procurando deter os instintos agressi­vos nele jacentes, sem os saber canalizar, sofre reações psi­cológicas que lhe perturbam o sistema emocional.

O ressentimento — que é uma manifestação da impotência agressiva não exteriorizada — converte-se em travo de amar­gura, a tornar insuportável a convivência com aqueles contra os quais se volta.

Antegozando o desforço — que é a realização íntima da fraqueza, da covardia moral — dá guarida ao ódio que o com­bure, tornando a sua existência como a do outro em um ver­dadeiro inferno.

O ódio é o filho predileto da selvageria que permanece em a natureza humana. Irracional, ele trabalha pela destrui­ção de seu oponente, real ou imaginário, não cessando, mes­mo após a derrota daquele.

Quando não pode descarregar as energias em descontrole contra o opositor, volta-se contra si mesmo articulando me­canismos de autodestruição, graças aos quais se vinga da so­ciedade que nele vige.

Os danos que o ódio proporciona ao psiquismo, por des­trambelhar a delicada maquinaria que exterioriza o pensa­mento e mantém a harmonia do ser, tornam-se de difícil cata­logação.

Simultaneamente, advêm reações orgânicas que se refletem nas funções hepáticas, digestivas, circulatórias, dando origem a futuros processos cancerígenos, cardíacos, cere­brais...

A irradiação do ódio é portadora de carga destrutiva que, não raro, corrói as engrenagens do emissor como alcança aquele contra quem vai direcionada, caso este sintonize em faixa de equivalência vibratória.

Lixo do inconsciente, o ódio extravasa todo o conteúdo de paixões mesquinhas, representativas do primarismo evo­lutivo e cultural.

Algumas escolas, na área da psicologia, preconizam como terapia, a liberação da agressividade, do ódio, dos recalques e castrações, mediante a permissão do vocabulário chulo, das diatribes nas sessões de grupo, das acusações recíprocas, pre­tendendo o enfraquecimento das tensões, ao mesmo tempo a conquista da auto-realização, da segurança pessoal.

Sem discutirmos a validade ou não da experiência, o ho­mem é pássaro cativo fadado a grandes vôos; ser equipado com recursos superiores, que viaja do instinto para a razão, desta para a intuição e, por fim, para a sua fatalidade plena, que é a perfeição.

Uma psicologia baseada em terapêutica de agressão e li­bertação de instintos, evitando as pressões que coarctam os anseios humanos, certamente atinge os primeiros propósitos, sem erguer o paciente às cumeadas da realização interior, da identificação e vivência dos valores de alta monta, que dão cor, objetivo e paz à existência.

Assumir a inferioridade, o desmando, a alucinação é ex­travasá-los, nunca sanar o mal, libertar-se dele por desneces­sário.

Se não é recomendável para as referidas escolas, a repres­são, pelos males que proporciona, menos será liberar alguns, aos outros agredindo, graças aos falsos direitos que tais paci­entes requeiram para si, arremetendo contra os direitos alheios.

A sociedade, considerada como castradora, marcha para terapias que canalizem de forma positiva as forças humanas, suavizando as pressões, eliminando as tensões através de pro­gramas de solidariedade, recreio e serviços compatíveis com a clientela que a constitui.

O ódio pressiona o homem que se frustra, levando-o ao suicídio. Tem origens remotas e próximas.

Nas patologias depressivas, há muito fenômeno de ódio embutido no enfermo sem que ele se dê conta. A indiferença pela vida, o temor de enfrentar situações novas, o pessimis­mo disfarçam mágoas, ressentimentos, iras não digeridas, ódios que ressumam como desgosto de viver e anseio por interromper o ciclo existencial.

Falhando a terapia profunda de soerguimento do enfer­mo, o suicídio é o próximo passo, seja através da negação de viver ou do gesto covarde de encerrar a atividade física.

Todos os indivíduos experimentam limites de alguma pro­cedência.

Os extrovertidos conquistadores ocultam, às vezes, lar­gos lances de timidez, solidão e desconfiança, que têm difi­culdade em superar.

Suas reuniões ruidosas são mais mecanismos de fuga do que recursos de espairecimento e lazer.

Os alcoólicos que usam, as músicas ensurdecedoras que os aturdem, encarregam-se de mantê-los mais solitários na confusão do que solidários uns com os outros.

As gargalhadas, que são esgares festivos, substituem os sorrisos de bem-estar, de satisfação e humor, levando-os de um para outro lugar-nenhum, embora se movimentem por cidades, clubes e reuniões diversos.

O ser humano deve ter a capacidade de discernimento para eleger os valores compatíveis com as necessidades reais que lhe são inerentes.

Descobrir a sua realidade e crescer dentro dela, aumen­tando a capacidade de ser saudável, eis a função da inteligên­cia individual e coletiva, posta a benefício da vida.

As transformações propõem incertezas, que devem ser enfrentadas naturalmente, como as oposições e os adversári­os encarados na condição de ocorrências normais do proces­so de crescimento, sem ressentimentos, nem ódios ou fugas para o suicídio.

O homem que progride cada dia, ascende, não sendo atin­gido pelas famas dos problematizados que o não podem acom­panhar, por enquanto, no processo de crescimento.

Alcançado o acume desejado, este indivíduo está em con­dições de descer sem diminuir-se, a fim de erguer aquele que permanece na retaguarda.

Ora, para alcançar-se qualquer meta e, em especial, a da paz, torna-se necessário um planejamento, que deflui da au­toconsciência, da consciência ética, da consciência do conhe­cimento e do amor,

O planejamento precede a ação e desempenha papel fun­damental na vida do homem.

Somente uma atitude saudável e uma emoção equilibra­da, sem vestígios de ódio, desejo de desforço, podem plane­jar para o bem, o êxito, a felicidade.


10

Mitos

A história do homem é a conseqüência dos mitos e cren­dices que ele elaborou para a sobrevivência, para o seu pen­samento ético.

Medos e ansiedades, aspirações e sofrimentos estereoti­pam-se em fórmulas e formas mitológicas que lhe refletem o estágio evolutivo, em alguns deles perfeitamente consentâ­neos com as suas conquistas contemporâneas.

As concepções indianas lendárias, as tradições templári­as dos povos orientais, recuperam as suas formulações nas tragédias gregas, excelentes repositórios dos conflitos hu­manos, que a mitologia expõe, ora com poesia, em momen­tos outros com formas grotescas de dramas cruéis.

A vingança de Zeus contra Prometeu, condenado à puni­ção eterna, atado a um rochedo, no qual, um abutre lhe devo­rava o fígado durante o dia e este se refazia à noite para que o suplício jamais cessasse, humaniza o deus vingador e despei­tado, porque o ser, que ele criara, ao descobrir o fogo, adqui­rira o poder de iluminar a Terra, tornando-se uma quase di­vindade. O ciúme e a paixão humana cegaram o deus, que se enfureceu.

O criador desejava que o seu gerado fosse sempre um ino­cente, ignorante, dependente, sem consciência ética, sem dis­cernimento, a fim de que pudesse, o todo-poderoso, nele com-prazer-se.

A desobediência, ingênua e curiosa do ser criado, trouxe-lhe o ignóbil, inconcebível e imerecido castigo, caracterizan­do a falência do seu gerador.

Com pequenas variações vemos a mesma representação em outros povos e doutrinas de conteúdo infantil, que se não dão conta ou não querem encontrar o significado real da vida, a sua representação profunda, castigando aqueles que lhe de­sobedecem e preferem a idade adulta da razão, abandonando a infância.

O pensamento cartesiano, com o seu “senso prático”, deu-lhes o primeiro golpe e lentamente decretou a morte dos mitos e das crenças.

Se, de um lado, favoreceu ao homem que abandonasse a tradição dos feiticeiros, dos bichos-papões, das cegonhas tra­zendo bebês, eliminou também as fadas madrinhas, os gêni­os bons, os anjos-da-guarda. E quando já se acreditava na morte dos mitos, considerando-se as mentes adultas libera­das deles, eis que a tecnologia e a mídia criaram outros hodiernos: ­ os super-homens, os He-man, os invasores marcia­nos, os homens invisíveis, gerando personagens considera­das extraordinárias para o combate contra o mal sem trégua em nome do bem incessante.

Concomitantemente, a robótica abriu espaços para que a imaginação ampliasse o campo mitológico e as máquinas ele­trônicas, na condição de simuladores, produzissem novos heróis e ases vencedores no contínuo campeonato das com­petições humanas.

O exacerbar do entusiasmo tornou a ficção uma realidade próxima, permitindo que os jovens modernos confundam as suas possibilidades limitadas com as remotas conquistas da fantasia.

Imitam os heróis das histórias em quadrinhos, tomam posturas semelhantes aos líderes de bilheteria, no teatro, no rádio, no cinema, na televisão e chegam a crer-se imortais físicos, corpos indestrutíveis ou recuperáveis pelos engenhos da biônica, igualmente fabricantes de seres imbatíveis.

Retorna-se, de certo modo, ao período em que os deuses desciam à Terra, humanizando-se, e os magos com habilida­des místicas resolviam quaisquer dificuldades, dando mar­gem a uma cultura superficial e vandálica de funestos resul­tados éticos.

A violência, que irrompe, desastrosa, arma os novos Ram­bos com equipamentos de vingança em nome da justiça, en­frentando as forças do mal que se apresentam numa socieda­de injusta, promovendo lutas lamentáveis, sem controle.

As experiências pessoais, resultado das conquistas éticas, cedem lugar aos modelos fabricados pela imaginação fértil, que descamba para o grotesco, fomentado o pavor, ironizan­do os valores dignos e desprezando as Instituições.

A falência do individualismo industrial, a decadência do coletivismo socialista deram lugar a novas formas de afirmação, nas quais o inconsciente projeta os seus mitos e asse­nhoreia-se da realidade, confundindo-a com a ilusão.

As virtudes apresentam-se fora de moda e a felicidade surge na condição de desprezo pelo aceito e considerado, ins­tituindo a extravagância — novo mito — como modelo de auto-realização, desde que choque e agrida o convívio social.

O perdido “jardim do Éden” da mitologia bíblica reapare­ce na grande satisfação do “fruto do pecado”, transformando a punição em prazer e desafiando, mediante a contínua deso­bediência, o Implacável que lhe castigou o despertar da cons­ciência.

Na sucessão de desmandos propiciados pelos mitos con­temporâneos, toma corpo a saudade da paz — inocência re­presentativa do bem — e a experiência, demonstrando a inevi­tabilidade dos fenômenos biológicos do desgaste do cansa­ço, do envelhecimento e da morte, propicia uma revisão cul­tural com amadurecimento das vivências, induzindo o ser a uma nova busca da escala de valores realmente representati­vos das aspirações nobres da vida.

A solidão e a ansiedade que os mitos mascaram, mas não eqüacionam, rompem a couraça de indiferença do homem pela sua profunda identidade, levando-o a um amadurecimento em que o grupo social dele necessita para sobreviver, tanto quanto lhe é importante, favorecendo-o com um intercâmbio de emoções e ações plenificadoras.

Os mitos, logo mais, cederão lugar a realidades que já se apresentam, no início, como símbolos de uma nova conquis­ta desafiadora e que se incorporarão, a pouco e pouco, ao cotidiano, ensinando disciplina, controle, respeito por si mes­mo, aos outros, às autoridades, que no homem se fazem in­dispensáveis para a feliz coexistência pacífica.


TERCEIRA PARTE

A BUSCA DA REALIDADE


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Auto-descobrimento

O esforço para a aquisição da experiencia da própria iden­tidade humanizada leva o indivíduo ao processo valioso do autodescobrimento. Enquanto empreende a tarefa do traba­lho para a aquisição dos valores de consumo isola-se, sem contribuir eficazmente para o bem-estar do grupo social, no qual se movimenta. Os seus empreendimentos levam-no a uma negação da comunidade a benefício pessoal, esperando recuperar esta dívida, quando os favores da fortuna e da pro­jeção lhe facultarem o desfrutar do prazer, da aposentadoria regalada. As suas preocupações giram em torno do imedia­tismo, da ambição do triunfo sem resposta de paz interior. A sociedade, por sua vez, ignora-o, pressentindo nele um usur­pador.

De alguma forma é levado ao competitivismo individua­lista, criando um clima desagradável. A sua ascensão será possível mediante a queda de outrem, mesmo que o não de­seje. Torna-se, assim, um adversário natural. O seu produto vende na razão direta em que aumentam as necessidades dos outros e a sua prosperidade se erige como conseqüência da contribuição dos demais. Não cessam as suas atividades na luta pelo ganha-pão.

Naturalmente, esse comportamento passa a exigir, depois de algum tempo, que o indivíduo se associe a outro, forman­do uma empresa maior ou um clube de recreação, ignorando-se interiormente e buscando, sem cessar, as aquisições de fora. A ansiedade, o medo, a solidão íntima tornam-se-lhe habitu­ais, uma de cada vez, ou simultaneamente, desgastando-o, amargurando-o.

O homem, pela necessidade de afirmar-se no empreendi­mento a que se vincula, busca atingir o máximo, aspira por ser o número um e logra-o, às vezes.

A marcha inexorável do tempo, porém, diminui-lhe as resistências, solapando-lhe a competitividade, sendo substi­tuído pelos novos competidores que o deixam à margem. Mesmo que ele haja alcançado o máximo, os sócios atuais consideram-no ultrapassado, prejudicial à Organização por falta de atualidade e os filhos concedem-lhe postos honrosos, recreações douradas, lucros, desde que não interfira nos ne­gócios... Ocorre-lhe a inevitável descoberta sobre a sua inu­tilidade, isto produzindo-lhe choque emocional, angústia ou agressividade sistemática, em mecanismo de defesa do que supõe pertencer-lhe.

O homem, realmente não se conhece. Identifica e perse­gue metas exteriores. Camufla os sentimentos enquanto se esfalfa na realização pessoal, sem uma correspondente iden­tificação íntima.

A experiência, em qualquer caso, é um meio propiciador para o autoconhecimento, em razão das descobertas que en­seja àquele que tem a mente aberta aos valores morais, inter­nos. Ela demonstra a pouca significação de muitas conquis­tas materiais, econômicas e sociais diante da inexorabilidade da morte, da injunção das enfermidades, especialmente as de natureza irreversível, dos golpes afetivos, por defrontar-se desestruturado, sem as resistências necessárias para suportar as vicissitudes que a todos surpreendem.

O homem possui admiráveis recursos interiores não ex­plorados, que lhe dormem em potencial, aguardando o de­senvolvimento. A sua conquista faculta-lhe o autodescobri­mento, o encontro com a sua realidade legítima e, por efeito, com as suas aspirações reais, aquelas que se convertem em suporte de resistência para a vida, equipando-o com os bens inesgotáveis do espírito.

Necessário recorrer a alguns valores éticos morais, a co­ragem para decifrar-se, a confiança no êxito, o amor como manifestação elevada, a verdade que está acima dos capri­chos seitistas e grupais, que o pode acalmar sem o acomodar, tranqüilizá-lo sem o desmotivar para a continuação das bus­cas.

Conseguida a primeira meta, uma nova se lhe apresenta, e continuamente, por considerar-se o infinito da sabedoria e da Vida.

É do agrado de algumas personalidades neuróticas, fugi­rem de si mesmas, ignorarem-se ou não saberem dos acon­tecimentos, a fim de não sofrerem. Ledo engano! A fuga atur­de, a ignorância amedronta, o desconhecido produz ansieda­de, sendo, todos estes, estados de sofrimento.

O parto produz dor, e recompensa com bem-estar, ense­jando vida.

O autodescobrimento é também um processo de parto, impondo a coragem para o acontecimento que libera.

Examinar as possibilidades com decisão e enfrentá-las sem mecanismos desculpistas ou de escape, constitui o passo ini­cial.

Édipo, na tragédia de Sófocles, deseja conhecer a própria origem. Levado mais pela curiosidade do que pela coragem, ao ser informado que era filho do rei Laio, a quem matara, casando-se com Jocasta, sua mãe, desequilibra-se e arranca os olhos. Cegando-se, foge à sua realidade, ao autodescobri­mento e perde-se, incapaz de superar a dura verdade.

A verdade é o encontro com o fato que deve ser digerido, de modo a retificar o processo, quando danoso, ou prosseguir vitalizando-o, para que se o amplie a benefício geral.

Ignorando-se, o homem se mantém inseguro. Evitando aceitar a sua origem tomba no fracasso, na desdita.

Ademais, a origem do homem é de procedência divina. Remontar aos pródromos da sua razão com serena decisão de descobrir-se, deve ser-lhe um fator de estímulo ao tentame. O reforço de coragem para levantar-se, quando caía, o ânimo de prosseguir, se surgem conspirações emocionais que o inti­midam, fazem parte de seu programa de enriquecimento in­terior.

O auto-encontro enseja satisfações estimuladoras, saudá­veis. Esse esforço deve ser acompanhado pela inevitável con­fiança no êxito, porqüanto é ambição natural do ser pensante investir para ganhar, esforçar-se para colher resultados bons.

Certamente, não vem prematuramente o triunfo, nem se torna necessário. Há ocasião para semear, empreender, e momento outro para colher, ter resposta. O que se não deve temer é o atraso dos resultados, perder o estímulo porque os frutos não se apresentam ou ainda não trazem o agradável sabor esperado. Repetir o tentame com a lógica dos bons efei­tos, conservar o entusiasmo, são meios eficazes para identifi­car as próprias possibilidades, sempre maiores quanto mais aplicadas.

Ao lado do recurso da confiança no êxito, aprofunda-se o sentimento de amor, de interesse humano, de participação no grupo social, com resultado em forma de respeito por si mes­mo, de afeição à própria pessoa como ser importante que é no conjunto geral.

Discute-se muito, na atualidade, a questão das conquistas éticas e morais, intentando-se explicar que a falta de senti­mento e de amor responde pelos desatinos que aturdem a so­ciedade.

Têm razão, aqueles que pensam desta forma. Toda­via, parece-nos que a causa mais profunda do problema se encontra na dificuldade do discernimento em torno dos valo­res humanos, O questionamento a respeito do que é essencial e do que é secundário inverteu a ordem das aspirações, con­fundindo os sentimentos e transformando a busca das sensa­ções em realização fundamental, relegando-se a plano inferi­or as expressões da emoção elevada, na qual, o belo, o ético, o nobre se expressam em forma de amor, que não embrutece nem violenta.

A experiência do amor é essencial ao autodescobrimento, pois que, somente através dele se rompem as couraças do ego, do primitivismo, predominante ainda em a natureza hu­mana. O amor se expande como força co-criadora, estimu­lando todas as expressões e formas de vida. Possuidor de vi­talidade, multiplica-a naquele que o desenvolve quanto na pessoa a quem se dirige. Energia viva, pulsante, é o próprio hálito da Vida a sustentá-la. A sua aquisição exige um bem direcionado esforço que deflui de uma ação mental equili­brada.

Na incessante busca da unidade, ora pela ciência que ten­ta chegar à Causalidade Universal, ou através do mergulho no insondável do ser, podemos afirmar que os equipamentos que proporcionaram a desintegração do átomo, complexos e sofisticados, foram conseguidos com menor esforço, em nosso ponto de vista, do que a força interior necessária para a im­plosão do ego, em que busque a plenitude.

A formidanda energia detectada no átomo, propiciadora do progresso, serviu, no começo, para a guerra, e ainda cons­titui ameaça destruidora, porque aqueles que a penetraram, não realizaram uma equivalente aquisição no sentimento, no amor, que os levaria a pensar mais na humanidade do que em si e nos seus.

Amar torna-se um hábito edificante, que leva à renúncia sem frustração, ao respeito sem submissão humilhante, à com­preensão dinâmica, por revelar-se uma experiência de alta magnitude, sempre melhor para quem o exterioriza e dele se nutre.

Na realização do cometimento afetivo surge o desafio da verdade, que é a meta seguinte.

Ninguém deterá a verdade, nem a terá absoluta. Não nos referimos somente à verdade dos fatos que a ciência compro­va, mas àquela que os torne verazes: verdade como veracida­de, que depende do grau de amadurecimento da pessoa e da sua coragem para assumi-la.

Quando se trata de uma verdade científica, ela depende, para ser aceita, da honestidade de quem a apresenta, dos seus valores morais. Indispensável, para tanto, a probidade de quem a revela, não sendo apenas fruto da cultura ou do intelecto, porém, de uma alta sensibilidade para percebê-la. Defronta­mo-la em pessoas humildes culturalmente, mas probas, es­casseando em indivíduos letrados, porém hábeis na arte de sofismar.

A verdade faculta ao homem o valor de recomeçar inú­meras vezes a experiência equivocada até acertá-la.

Erra-se tanto por ignorância como pela rebeldia. Na igno­rância, mesmo assim, há sempre uma intuição do que é ver­dadeiro, face à presença íntima de Deus no homem. A rebel­dia gera a má fé, o que levou Nietzsche a afirmar com certo azedume: “Errar é covardia!”, face à opção cômoda de quem elege o agradável do momento, sem o esforço da coragem para lutar pelo que é certo e verdadeiro.

A aquisição da verdade amadurece o homem, que a elege e habitua-se à sua força libertadora, pois que, somente há li­berdade real, se esta decorre daquela que o torna humilde e forte, aberto a novas conquistas e a níveis superiores de en­tendimento.


12

Consciência ética

O homem é o único “animal ético” que existe. Não obs­tante, um exame da sociedade, nas suas variadas épocas, de­vido à agressividade bélica, à indiferença pela vida, à barbá­rie de que dá mostras em inúmeras ocasiões, nos demonstre o contrário. Somente ele pode apresentar uma “consciência cri­ativa”, pensar em termos de abstrações como a beleza, a bon­dade, a esperança, e cultivar ideais de enobrecimento. Essa consciência ética nele existe em potencial, aguardando que seja desenvolvida mediante e após o autodescobrimento, a aquisição de valores que lhe proporcionem o senso de liber­dade para eleger as experiências que lhe cabem vivenciar.

Atavicamente receoso, experimenta conflitos que o ator­mentam, dificultando-lhe discernir entre o certo e o errado, o bem e o mal, o bom e o pernicioso. Ainda dominado pelo egocentrismo da infância, de que não se libertou, pensa que o mundo existe para que ele o desfrute, e as pessoas a fim de que o sirvam, disputando e tomando, à força, o que supõe pertencer-lhe por direito ancestral.

Diversos caminhos, porém, deverá ele percorrer para que a autoconsciência lhe descortine as aquisições ética indispen­sáveis: a afirmação de si mesmo, a introspecção, o amadure­cimento psicológico e a autovalorização entre outros...

O “negar-se a si mesmo” do Evangelho, que faculta a per­sonalidades patológicas o mergulho no abandono do corpo e da vida, em reação cruel, destituído de objetivo libertador, aqui aparece como mecanismo de fuga da realidade, medo de enfrentar a sociedade e de lutar para conseguir o seu “lugar ao Sol”, como membro atuante e útil da humanidade, que necessita crescer graças à sua ajuda. Este conceito cristão mantém as suas raízes na necessidade de “negar-se” ao ego prepotente e dominador, a vassalagem do próximo, em favor das suas paixões, a fim de seguir o Cristo, aqui significando a verdade que liberta. O desprezo a si mesmo, literalmente con­siderado, constitui reação de ódio e ressentimento pela vida e pela humanidade, mortificando o corpo ante a impossibilida­de de flagiciar a sociedade.

O homem que se afirma pela ação bem direcionada, con­quista resistência para perseverar na busca das metas que es­tabelece, amadurecendo a consciência ética de responsabili­dade e dever, o que o credencia a logros mais audaciosos. Ele rompe as algemas da timidez, saindo do calabouço da preo­cupação, às vezes, patológica, de parecer bem, de ser tido como pessoa realizada ou de viver fugindo do contato social. Ou, pelo contrário, canaliza a agressividade, a impetuosida­de de que se vê possuído para superar os impulsos ansiosos, aprendendo a conviver com o equilíbrio e em grupo, no qual há respeito entre os seus membros, sem dominadores nem dominados.

Consegue o senso de planejamento das suas ações, crian­do um ritmo de trabalho que o não exaure no excesso, nem o amolenta na ociosidade, participando do esforço geral para o seu e o progresso da comunidade. Adquire um conceito lógi­co de tempo e oportunidade para a realização dos seus em­preendimentos, confiando com tranqüilidade no resultado dos esforços dispendidos.

Mediante a autoconsciência, aplica de maneira salutar as experiências passadas, sem saudosismo, sem ressentimentos, planejando as novas com um bem delineado programa que resulta do processamento dos dados já vividos e adicionados às expectativas em pauta a viver.

Por sua vez, o fenômeno da autoconsciência consiste no conhecimento lógico do que fazer e como executá-lo, sem conceder-lhe demasiada importância, que se transforme numa obsessão, pela minudência de detalhes e face ao excesso de cuidados, correndo o risco do lamentável perfeccionismo. Ele resulta de uma forma de dilatação do que se sabe, de uma consciência vigilante e lúcida do que se realiza, expandindo a vida e, como efeito, graças ao dinamismo adquirido, sentir-se liberado de tensões, fora de conflitos. Esta conquista de si mesmo enseja maior soma de realizações, mais amplo cam­po de criatividade, mais espontaneidade.

A introspecção ajuda-o, por ser o processo de conduzir a atenção para dentro, para a análise das possibilidades ínti­mas, para a reflexão do conteúdo emocional e a meditação que lhe desenvolva as forças latentes. Desse modo, não pode afastar o homem para lugares especiais, ou favorecer com­portamentos exóticos, desligando-se do mundo objetivo e caindo em alienação.

Vivendo-se no mundo, torna-se inevi­tável vencer-lhe os impositivos negativos, tempestuosos das pressões esmagadoras. Diante dos seus desafios, enfrentá-los com natural disposição de luta, não alterando o comporta­mento, nem o deixando estiolar-se.

E muito comum a atitude apressada de viver-se emocio­nalmente acontecimentos futuros que certamente não se da­rão, ou que ocorrerão de forma diversa da que a ansiedade estabelece. As impressões do futuro, como conseqüência de tal conduta, antecipam-se, afligindo, sem que o indivíduo viva as realidades do presente, confortadoras.

Para esta conduta ansiosa Jesus recomendava que “a cada dia baste a sua aflição”, favorecendo o ser com o equilíbrio para manter-se diante de cada hora e fruí-la conforme se apresente.

A introspecção cria o clima de segurança emocional para a realização de cada ação de uma vez e a vivência de cada minuto no seu tempo próprio. Ajuda a manter a calma e a valorizar a sucessão das horas. O homem introspectivo, to­davia, não se identifica pela carranca, pela severidade do olhar, pela distância da realidade, tampouco pela falsa superiorida­de em relação às outras pessoas.

Tais posturas são formalis­tas, que denunciam preocupação com o exterior sem contri­buição íntimo-transformadora. Antes, surge com peculiar lu­minosidade na face e no olhar, comedido ou atuando confor­me o momento, porem sem perturbar-se ou perturbar, trans­mitindo serenidade, confiança e vigor. A introspecção torna-se um ato saudável, não um vício ou evasão da realidade.

À medida que o homem se penetra, mais amadurece psi­cologicamente, saindo da proteção fictícia em que se escon­de — dependência da mãe, da infância, do medo, da ansieda­de, do ódio e do ressentimento, da solidão — para assumir a sua identidade, a sua humanidade.

As ações humanistas são o passo que desvela a consciên­cia ética no indivíduo que já não se contenta com a experiên­cia do prazer pessoal, egoísta, dando-se conta das necessida­des que lhe vigem em volta, aguardando a sua contribuição. Nesse sentido, a sua humanidade se dilata, por perceber que a felicidade é um estado de bem-estar que se irradia, alcan­çando outros indivíduos ao invés de recolher-se em detrimento do próximo. Qual uma luz, expande-se em todas as direções, sem perder a plenitude do centro de onde se agiganta. Am­plia-se-lhe, desta forma, o senso da responsabilidade pela vida em todas as suas expressões, tornando-o um ser humano éti­co, que é agente do progresso, das edificações beneficentes e culturais.

A perseguição da inveja não o perturba, tampouco a baju­lação da indignidade o sensibiliza.

Paira nele uma compreen­são dos reais valores, que o propele a avançar sem timidez, sem pressa, sem temor. A sua se transforma em uma existên­cia útil para o meio social, tornando-se parte ativa da comu­nidade que passa a servir, sem autoritarismo nem prejuízo emocional para si mesmo ou para o grupo.

A consciência ética é a conquista da iluminação, da luci­dez intelecto-moral, do dever solidário e humano. Ela pro­porciona uma criatividade construtiva ilimitada, que conduz à santificação, na fé e na religião; ao heroísmo, na luta cotidi­ana e nas batalhas profissionais; ao apogeu, na arte, na ciência, na filosofia, pelo empenho que enseja em favor de uma plena identificação com o ideal esposado.

São Vicente de Paulo, Nietzsche, Allan Kardec, Freud, Schweitzer, Cézanne são exemplos diversos de homens que adquiriram um estado de consciência ética aplicada em favor da humanidade.


13

Religião e religiosidade

No caleidoscópio do comportamento humano há, quase sempre, uma grande preocupação por mais parecer do que ser, dando origem aos homens-espelhos, aqueles que, não ten­do identidade própria, refletem os modismos, as imposições, as opiniões alheias. Eles se tornam o que agrada às pessoas com quem convivem, o ambiente que no seu comportamento neurótico se instala. Adota-se uma fórmula religiosa sem que se viva de forma equânime dentro dos cânones da religião. É a experiência da religião sem religiosidade, da aparência so­cial sem o correspondente emocional que trabalha em favor da auto-realização, O conceito de Deus se perde na complexidade das fórmulas vazias do culto externo, e a manifesta­ção da fé íntima desaparece diante das expressões ruidosas, destituídas dos componentes espirituais da meditação, da re­flexão, da entrega. Disso resulta uma vida esvaziada de espe­rança, sem convicção de profundidade, sem madureza espiri­tual.

A religião se destina ao conforto moral e à preservação dos valores espirituais do homem, demitizando a morte e abrindo-lhe as portas aparentemente indevassáveis à percep­ção humana.

Desvelar os segredos da vida de ultratumba, demonstrar-lhe o prosseguimento das aspirações e valores humanos, ora noutra dimensão dentro da mesma realidade da vida, é a finalidade precípua da religião. Ao invés da proibi­ção castradora e do dogmatismo irracional, agressivo à liber­dade de pensamento e de opção, a religião deve favorecer a investigação em torno dos fundamentos existenciais, das ori­gens do ser e do destino humano, ao lado dos equipamentos da ciência, igualmente interessada em aprofundar as sondas das pesquisas sobre o mundo, o homem e a vida.

A fim de que esse objetivo seja alcançado, faz-se indis­pensável a coragem de romper com a tradição — rebelar-se contra a mãe religião — libertando-se das fórmulas, para en­contrar a forma da mais perfeita identificação com a própria consciência geradora de paz. Tornar-se autêntico é uma deci­são definidora que precede a resolução de crescer para dar-se. O desafio consiste na coragem da análise de conteúdo da religião, assim como da lógica, da racionalidade das suas te­ses e propostas. Somente, desta forma, haverá um relaciona­mento criativo entre o crente e a fé, a religiosidade emocio­nal e a religião. Essa busca preserva a liberdade íntima do homem perante a vida, facultando-lhe um incessante cresci­mento, que lhe dará a capacidade para distinguir o em que acredita e por que em tal crê, sustentando as próprias forças na imensa satisfação dos seus descobrimentos e nas possibi­lidades que lhe surgem de ampliar essas conquistas.

Já não se torna, então, importante a religião, formal e cir­cunspecta, fechada e sombria, mas a religiosidade interior que aproxima o indivíduo de Deus em toda a Sua plenitude: no homem, no animal, no vegetal, em a natureza, nas formas viventes ou não, através de um inter-relacionamento integra­dor que o plenifica e o liberta da ansiedade, da solidão, do medo. As suas aspirações não se fazem atormentadoras; não mais surge a solidão como abandono e desamor, e dilui-se o medo ante uma religiosidade que impregna a vida com espe­rança, alegria e fé. O germe divino cresce no interior do ho­mem e expande-se, permitindo que se compreenda o concei­to paulino, que ele já não vivia, “mas o Cristo” nele vivia.

A personalidade conflitante no jogo dos interesses da so­ciedade cede lugar à individualidade eterna e tranqüila, não mais em disputa primária de ambições e sim em realizações nas quais se movimenta. Os outros camuflam a sua realidade e vivem conforme os padrões, às vezes detestados, que lhes são apresentados ou impostos pela sua sociedade. O grupo social, porém, rejeita-os, por sabê-los inautênticos, no entan­to os aplaude, porque eles não incomodam os seus membros, fazendo-os mesmistas, iguais, despersonalizados, desestru­turados. Por falta de uma consciência objetiva — conhecimento dos seus valores pessoais, controle das várias funções do seu organismo físico e emocional, definição positiva de atitudes perante a vida —, não têm a coragem ética de ser autênticos, padecendo conflitos a respeito do senso de responsabilidade e de liberdade, característico do amadurecimento, que se po­derá denominar como uma virtude de longo curso. Não se trata da coragem de arrostar conseqüências pela própria te­meridade, mas do valor para enfrentar-se a si mesmo, geran­do um relacionamento saudável com as demais pessoas, repetindo com entusiasmo a experiência maisucedida, sem ata­duras de remorso ou lamentação pelo fracasso. E saber reti­rar do insucesso os resultados positivos, que se podem trans­formar em alavancas para futuros empreendimentos, nos quais a decisão de insistir e realizar assumem altos níveis éticos, que se tornam desafios no curso do processo evolutivo.

Para que o ânimo robusto possa conduzir às lutas exterio­res, faz-se necessária a autoconquista, que torna o indivíduo justo, equilibrado, sem a característica ansiedade neurótica, reveladora do medo do futuro, da solidão, das dificuldades que surgem.

É preciso que o homem se arrisque, se aventure, mesmo que esta decisão o faça ansioso quanto ao seu desempenho, aos resultados. Ninguém pode superar a ansiedade natural, que faz parte da realidade humana, desde que não extrapole os limites, passando a conflito neurótico.

Por atavismo ancestral o homem nasce vinculado a uma crença religiosa, cujas raízes se fixam no comportamento dos primitivos habitantes da Terra. Do medo decorrente das for­ças desorganizadas das eras primeiras da vida, surgiram as diferentes formas de apaziguar a fúria dos seus responsáveis, mediante os cultos que se transformariam em religiões com as suas variadas cerimônias, cada vez mais complexas e so­fisticadas. Das manifestações primárias com sacrifícios hu­manos, até as expressões metafísicas, toda uma herança psi­cológica e sociológica se transferiu através das gerações, pro­duzindo um natural sentimento religioso que permanece em a natureza humana.

Ao lado disso, considerando-se a origem espiritual do in­divíduo e a Força Criadora do Universo, nele permanece o germe de religiosidade aguardando campo fecundo para de­sabrochar.

Expressa-se, esse conteúdo intelecto-moral, em forma de culto à arte, à ciência, à filosofia, à religião, numa busca de afirmação-integração da sua na Consciência Cósmica. A for­ça primitiva e criadora, nele existente como uma fagulha, possui o potencial de uma estrela que se expandirá com as possibilidades que lhe sejam facultadas. Bem direcionada, sua luz vencerá toda a sombra e se transformará na energia vitalizadora para o crescimento dos seus valores intrínsecos, no desdobramento da sua fatalidade, que são a vitória sobre si mesmo, a relativa perfeição que ainda não tem capacidade de apreender.

Na execução do programa religioso, a maioria das pesso­as age por convencionalismo e conveniência, sem a coragem de assumir as suas convicções, receosas da rejeição do gru­po.

Adotam fórmulas do agrado geral, que foram úteis em determinados períodos do processo histórico e evolutivo da sociedade e, não obstante descubram novas expressões de fé e consolação, receiam ser consideradas alienadas, caso assu­mam as propostas novas que lhes parecem corretas, mas não usuais, e sim de profundidade.

Afirmou um monge medieval que todo aquele que vive morrendo, quando morre não morre”, porque o desapego, o despojar das paixões em cada morrer diário, liberta-o, desde já, até que, quando lhe advém a morte, ele se encontra perfei­tamente livre, portanto, não morto, equivalente a vivo.

A religiosidade é uma conquista que ultrapassa a adoção de uma religião; uma realização interior lúcida, que indepen­de do formalismo, mas que apenas se consegue através da coragem de o homem emergir da rotina e encontrar a própria identidade.


QUARTA PARTE

O HOMEM EM BUSCA DO ÊXITO


14

Insegurança e crises

Esboroam-se, sob os camartelos das revoluções hodier­nas, os edifícios da tradição ultramontana, cedendo lugar às apressadas construções do desequilíbrio, sem memória an­cestral, sem alicerce cultural.

Ruem, diante dos abalos da ciência tecnológica, o empi­rismo passadista e as obras da arbitrária dominação totalitá­ria, substituídos pelo alucinar das novas maquinações de aven­tureiros desalmados, perseguindo suas ambições imediatis­tas a prejuízo da sociedade, do indivíduo.

A política desgovernada exibe os seus corifeus, que se fazem triunfadores de um dia, logo passando ao anonimato, repletos de gozos e valores perecíveis, a intoxicar-se nos va­pores dos vícios e das perversões em que falecem os últimos ideais que ainda possuíam.

Os direitos humanos decantados em toda parte sofrem o vilipêndio daqueles que os deveriam defender, em razão do desrespeito que apresentam diante das leis por eles mesmos elaboradas, em desprezo flagrante às Instituições que se com­prometeram socorrer, por descrédito de si próprios.

A anarquia substitui a ordem e as transformações sociais apressadas não têm tempo de ser assimiladas, porque substi­tuídas pelos modismos que se multiplicam em velocidade ci­clópica.

Velhos dogmas, nascidos e cultivados no caldo da igno­rância, são esquecidos e nascem as idéias liberais revolucio­nárias, que instigam o homem fraco contra o seu irmão mais forte gerando ódios, quando deveriam amansar o lobo amea­çador, a fim de que, pacificado, pudesse beber na mesma fonte com o cordeiro sedento, que lhe receberia proteção dignifi­cadora.

As circunstâncias externas do inter-relacionamento das criaturas, fenômeno conseqüente ao desequilíbrio do indiví­duo, engendram no contexto hodierno a insegurança, que fo­menta as crises.

Sucedem-se, desse modo, as crises de autoridade, de res­peito, de honradez, de valores ético-morais, e a desumaniza­ção da criatura assoma nos painéis do comportamento, in­sensibilizando-a pelo amolentamento emocional ou exacer­bação, na volúpia do prazer e da violência conduzidos pelas ambições desmedidas.

As crises respondem pela desconfiança das pessoas, umas em relação às outras, pelo rearmamento belicoso de uns indi­víduos contra os outros, pela agressividade automática e atre­vida.

A queda do respeito que todos se devem, respeito este sem castração nem temor, estimula a indisciplina que come­ça na educação das gerações novas, relegadas a plano secun­dário, em que se cuidam de oferecer coisas, em mecanismos sórdidos de chantagem emocional, evitando-se dar amor, pre­sença, companheirismo e orientação saudável.

A crise de autoridade responde pela corrupção em todas as áreas, sob a cobertura daqueles que deveriam zelar pelos bens públicos e administrá-los em favor da comunidade, pois que, para tal se candidataram aos postos de comando, sendo remunerados pelos contribuintes para este fim.

Como efeito, os maus exemplos favorecem a desonestidade, discreta e pú­blica, dos membros esfacelados do organismo social enfer­mo, preparando os bolsões de miséria econômica, moral, com todos os ingredientes para a rebelião criminosa, o assalto a mão armada, o apropriamento indébito dos bens alheios, a insegurança geral. O que se nega em compromisso de direito, é tomado em mancomunação da força com o ódio.

Mesmo os valores espirituais do homem se apresentam em crise de pastores, e amigos, capazes de exercerem o mi­nistério da fé religiosa com serenidade, sem separativismo, com amor, sem discórdia na grei, com fraternidade, sem dis­putas da primazia, sem estrelismo.

Nas várias escolas de fé espocam a rebelião, as disputas lamentáveis, a maledicência ácida ou o distanciamento for­mando quistos perigosos no corpo comunitário.

O homem apresenta-se doente, e a sociedade, que lhe é o corpo grupal, encontra-se desestruturada em padecimento total.

As crises gerais, que procedem da insegurança individu­al, são, por sua vez, responsáveis por mais altas e expressivas somas de desconforto, insatisfação, instabilidade emocional do homem, formando um círculo vicioso que se repete, sem aparente possibilidade de arrebentar as cadeias fortes que o constituem.

Vitimado por sucessivos choques desde o momento do parto, quando o ser é expulso do claustro materno, onde se encontrava em segurança, este enfrenta, desequipado, inu­meráveis desafios que não logra superar. Chegando a idade adulta, ei-lo receoso, desestruturado para enfrentar a maqui­naria insensível dos dias contemporâneos, em que a eletrôni­ca e a robótica são conduzidas, porém, avançam, tomando o controle da situação e, lentamente, reduzindo-o a observador das respostas e imposições digitadas, apertando ou desligan­do controles e submetendo-se aos resultados preestabeleci­dos, sem emoção, sem participação pessoal nos dados reco­lhidos.

Noutras circunstâncias, ou em estado fetal, experimenta os choques geradores de insegurança, no comportamento da gestante revoltada diante da maternidade não desejada e até mesmo odiada.

O jogo de reações nervosas, as vibrações de­letérias da revolta contra o ser em formação, atingem-lhe os delicados mecanismos psíquicos, desarmonizando os núcle­os geradores do futuro equilíbrio, sob as chuvas de raios des­truidores, que os afetam irreversívelmente.

O que o amor poderia realizar posteriormente e a educa­ção lograr em forma de psicoterapia, ficam, à margem, sob os cuidados de pessoas remuneradas, sem envolvimento emo­cional ou interesse pessoal, produzindo marcas profundas de abandono e solidão, que ressurgirão como traumas danosos no desenvolvimento da personalidade.

A par dos fatores sóciomesológicos, outras razões são pre­ponderantes na área do comportamento inseguro, que são aquelas que procedem das reencarnações anteriores, malo­gradas ou assinaladas pelos golpes violentos que foram apli­cados pelo Espírito em desconcerto moral, ou que os pade­ceu nas rudes pugnas existenciais.

Assinalando com rigor a manifestação da afetividade tran­qüila ou desconfiada, aquelas impressões são arquivadas no inconsciente profundo, graças aos mecanismos sutis do pe­rispírito. O homem é um ser inacabado, que a atual existên­cia deverá colaborar para o aperfeiçoamento a que se encon­tra destinado. Faltando-lhe os recursos favoráveis ao ajusta­mento, torna-se uma peça mal colocada ou inadaptada na complexidade da vida social, somando à sua a insegurança dos outros membros, assim favorecendo as crises individuais e coletivas.

Por desinformação ou fruto de um contexto imediatista ­consumista, elaborou-se a tese de que a segurança pessoal é o resultado do ter, que se manifesta pelo poder e recebe a res­posta na forma de parecer. Todos os mecanismos responsá­veis pelo homem e sua sobrevivencia se estribam nessas pro­postas falsas, formando uma sociedade de forma, sem pro­fundidade, de apresentação, sem estrutura psicológica nem equilíbrio moral.

Trabalhando somente no exterior, relega-se, a plano se­cundário ou a nenhum, o sentido ético do ser humano, da sua realidade intrínseca, das suas possibilidades futuras, jacentes nele mesmo.

O homem deve ser educado para conviver consigo pró­prio, com a sua solidão, com os seus momentâneos limites e ansiedades, administrando-os em proveito pessoal, de modo a poder compartir emoções e reparti-las, distribuir conquis­tas, ceder espaços, quando convidado à participação em ou­tras vidas, ou pessoas outras vierem envolver-se na sua área emocional.

Desacostumado à convivência psíquica consciente com os seus problemas, mascara-se com as fantasias da aparência e da posse, fracassando nos momentos em que se deve en­frentar, refletido em outrem que o observa com os mesmos conflitos e inseguranças. As uniões fraternais então se desar­ticulam, as afetivas se convertem em guerras surdas, o matri­mônio naufraga, o relacionamento social sucumbe disfarça­do nos encontros da balbúrdia, da extravagância, dos exage­ros alcoólicos, tóxicos, orgíacos, em mecanismos de fuga da realidade de cada um.

A educação, a psicoterapia, a metodologia da convivên­cia humana devem estruturar-se em uma consciência de ser, antes de ter; de ser, ao invés de poder, de ser, embora sem a preocupação de parecer

Os valores externos são incapazes de resolver as crises internas, aliás, não poucas vezes, desencadeando-as.

O que o homem é, suas realizações íntimas, sua capacida­de de compreender-se, às pessoas e ao mundo, sua riqueza emocional e idealística, estruturam-no para os embates, que fazem parte do seu modus vivendi e operandi, neste processo incessante de crescimento e cristificação.

A coragem para os enfrentamentos, sem violência ou re­cuos, capacita-o para os logros transformadores do ambiente social, que deslocará para o passado a ocorrência das crises de comportamento, iniciando-se a era de construção ideal e de reconstrução ética, jamais vivida antes na sua legitimida­de.

Os conceitos do poder e da força estão presentes na siste­mática governança dos povos.

Sempre os militares governa­ram mais do que os filosóficos, e o poder sempre esteve por mais tempo nas mãos dos violentos do que na sabedoria dos pacíficos, gerando as guerras exteriores, porque os seus apa­niguados viviam em constantes guerras íntimas, inseguros, aguardando a traição dos fracos que, bajuladores, os rodea­vam, e a audácia dos mais fortes, que lhes ambicionavam o poderio, terminando, quase todos, vítimas das suas nefastas urdiduras.

A segurança íntima conseguida mediante o autodescobri­mento, a humanização e a finalidade nobre que se deve im­primir à vida são fatores decisivos para a eliminação das cri­ses, porqüanto, afinal, a descrença que campeia e o descon­certo que se generaliza são defluentes do homem moderno que se encontra em crise momentânea, vitimado pela insegu­rança que o aturde.


15

Conflitos degenerativos da sociedade

A crise de credibilidade, de confiança, de amor instaura o estado conflitivo da personalidade que perde o roteiro, inca­paz de definir o que é correto ou não, qual a forma de com­portamento mais compatível com a época e, ao mesmo tem­po, favorável ao seu bem-estar, anquilosando pessoas refra­tárias ao progresso nas idéias superadas ou produzindo gru­pos rebeldes fadados à destruição, que se entregam à desor­dem, à contra-cultura, buscando sempre chocar, agredir.

Os grupos opostos se afastam, se armam e se agridem.

O homem ainda não aprendeu a ser solidário quando não concorda, preferindo ser solitário, ser opositor.

Certamente, a renovação é lei da vida.

A poda faculta o ressurgimento do vegetal.

O fogo purifica os metais, permitindo-lhes a moldagem.

A argila submete-se ao oleiro.

A vida social é resultado das alterações sofridas pelo ho­mem, seu elemento essencial.

É necessário, portanto, que se dê a transformação, a evo­lução dos conceitos, o engrandecimento dos valores. Para tal fim, às vezes, é preciso que ocorra a demolição das estratificações, do arcaico, do ultrapassado. Lamentavelmente, po­rém, nesta ação demolidora, a revolta contra o passado, pre­tendendo apagar os vestígios do antigo, vai-lhe até as raízes, buscando extirpá-las.

O homem e a sociedade, sem raízes não sobrevivem.

No começo, o paganismo greco-romano era uma bela doutrina, rica de símbolos e significados, caracterizando o processo psicológico da evolução histórica do homem. O abuso, mais tarde, fê-lo degenerar e a Doutrina cristã se apre­sentou na forma de um corretivo eficaz, oportuno. A dosa­gem exagerada, porém, terminou por causar danos inespera­dos, no largo período da noite medieval, da qual algumas re­ligiões contemporâneas ainda padecem os efeitos negativos.

O mesmo vem acontecendo com a sociedade que, para livrar-se das teias da hipocrisia, da hediondez, dos precon­ceitos, da vilania, da prepotência, elaborou os códigos da li­berdade, da igualdade, da fraternidade, em lutas sangrentas, ainda não considerados além das formulações teóricas e refe­rências bombásticas, sem repercussão real no organismo das comunidades humanas em sofrimento.

As recentes reações culturais contra a autenticidade da conduta têm produzido mais males que resultados positivos.

Em nome da evolução, sucedem-se as revoluções destru­tivas que não oferecem nada capaz de preencher os espaços vazios que causam.

A insatisfação do indivíduo fustiga e perturba o grupo no qual ele se localiza, sendo expulso pela reação geral ou tor­nando-se um câncer em processo metastático. Facilmente o pessimista e o colérico contaminam os desalentos, passando-lhes o morbo do desânimo ou o fogo da irritação, a prejuízo geral.

Armam-se querelas desnecessárias, altera-se a filosofia dos partidos existentes, que se transferem para a agressivida­de, as acusações descabidas, sem trabalho à vista para a reti­ficação dos erros, a reabilitação moral dos caídos, para o bem-estar coletivo.

Cada pequeno grupo dentro do grupo maior, sem consen­so, busca atrapalhar a ação do adversário, mesmo quando benéfica, porque deseja demonstrar-lhe a falência, movido pelos interesses personalistas, em detrimento do processo de estabilidade e crescimento de todos.

O personalismo se agiganta, as paixões servis se revelam, o idealismo cede lugar à vileza moral.

A predominância do egoísmo em a natureza humana faz-se responsável pelo caos em volta, no qual os conflitos dege­nerativos da sociedade campeiam.

Surgem as plataformas frágeis em favor do grupo desde que sob o comando e a alternativa única do ególatra, que ali­cia outros semelhantes, que se lhe acercam, igualmente ansi­osos por sucessos que não merecem, mas que pleiteiam. In­seguros, incapazes de competir a céu aberto, honestamen­te, aguardam na furna da própria pequenez, por motivos ver­dadeiros ou não, para incendiarem o campo de ação alheia, longe dos objetivos nobres, porém reflexos dos seus estados íntimos conflituosos.

Não se tornam adversários leais, porque a inveja, antes, os fizera inimigos ocultos que aguardavam ensejo para des­velarem-se.

Face às distonias pessoais de que são portadores, decan­tam a necessidade do progresso da sociedade e bloqueiam-no com a astúcia, a desarticulação de programas eficientes, an­tes de testados, atacando-os vilmente e aos seus portadores, a quem ferem pessoalmente, pela total impossibilidade de per­manecerem no campo ideológico, já que não possuem idea­lismo.

Estimulam a dissensão, porque os seus conflitos não os auxiliam a cooperar, entretanto, os motivam a competir. Não podem trabalhar a favor, porque os seus estímulos somente funcionam quando se opõem.

Em razão da insegurança pessoal desconfiam dos senti­mentos alheios e provocam distúrbios que se originam em suspeitas injustificáveis, a soldo do prazer mórbido que os assinala.

O conflito íntimo é matriz cancerígena no organismo hu­mano em constante ameaça ao grupo social.

Cabe ao homem em conflito revestir-se de coragem, re­solvendo-se pelo trabalho de identificação das possibilida­des que dispõe, ora soterradas nos porões da personalidade assustada.

Sentindo-se incapaz de enfrentar-se, a busca de alguém capacitado a apontar-lhe o rumo e ajudá-lo a percor­rê-lo é tão urgente quão indispensável. Inúmeras terapias es­tão ao seu alcance, entre os técnicos da área especializada, assim como as da Psicologia Transpessoal apresentando-lhe a intercorrência de fatores paranormais e da Psicologia Espí­rita, aclarando-o com as luzes defluentes dos fenômenos ob­sessivos geradores dos problemas degenerativos no indiví­duo e na sociedade.

O conglomerado social, por sua vez, tem o dever de auxi­liar o homem em conflito, de ajudá-lo a administrar as suas fobias, ansiedades, traumas, e mesmo o de socorrê-lo nas expressões avançadas quando padecendo psicopatologias di­versas, em ética de sobrevivência do grupo, pois que, do con­trário, através do alijamento de cada membro, quando vier a ocorrência se desarticulará o mecanismo de sustentação da grei.

A sociedade deve responder pelos elementos que a cons­tituem, pelos conflitos que produz, assim como assume as glórias e conquistas dos felizardos que a compõem.

Os conflitos degenerativos da sociedade tendem a desa­parecer, especialmente quando o homem, em se encontrando consigo mesmo, harmonize o seu cosmo individual (micro), colaborando para o equilíbrio do universo social (macro), no qual se movimenta.


16

O primeiro lugar e o homem indispensável

Na área dos conflitos psicológicos a competição surge, quase sempre, como estímulo, a fim de fortalecer a combali­da personalidade do indivíduo que, carente de criatividade, apega-se às experiências exitosas que outros realizaram, para impor-se e, assim, enfrentar as próprias dificuldades, esca­moteando-as com o esforço que se aplica na conquista do que considera meta de triunfo.

Ambicionando a realização pessoal e temendo o insuces­so que, afinal, é um desafio à resistência moral e à sua perse­verança no ideal, prefere disputar as funções e cargos à fren­te, sem qualquer escrúpulo, em luta titânica, na qual se des­gasta, esperando compensações externas, monetárias e de promoção social, assim massageando o ego, ambicioso e frá­gil.

O homem que age desta forma, está sempre um passo atrás da sua vítima provável, que de nada suspeita e ajuda-o, esti­mula-o até padecer-lhe a injunção ousada quão lamentável.

Por sua vez, o triunfador não se apercebe que. no degrau deixado vago, já alguém assoma utilizando-se dos mesmos artifícios ou mascarando-os com os olhos postos no seu tro­no passageiro.

A competição saudável, em forma de concorrência, fo­menta o progresso, multiplica as opções, abre espaços para todos que, criativos, propõem variações do mesmo produto, novidades, idéias originais, renovação de mercado.

De outra forma, as personalidades conflituosas, arquite­tando planos de segurança, apegam-se ao trabalho que reali­zam, às empresas onde laboram, crendo-se indispensáveis, responsáveis pelo primeiro lugar que conseguiram com sa­crifício, e transferem-se, psicologicamente, para a sua Entidade. Somente se sentem felizes e compensadas quando discutem o seu trabalho, a sua execução, a sua importância. O lar, a família, o repouso, as férias se descobrem, porque não preenchem as falsas necessidades do ego exacerbado. Respi­ram o clima de preocupação do trabalho em toda parte e vi­vem em função dele.

Sentem o triunfo após os anos de lutas exaustivas, e in­formam que, a sua saída seria uma tragédia, um caos para a organização, já que são pessoas-chaves, molas-mestras, sem as quais nada funciona, ou se tal se dá é precariamente.

Não percebem que o tempo escoa na ampulheta das ho­ras, os métodos de ação se renovam, o cansaço os vence, a vitalidade diminui e, no degrau, imediatamente inferior, já está o competidor, jovem ambicioso aguardando, disputan­do, aprendendo a sua técnica e mais bem equipado do que ele, em condições de substituí-bo com vantagens. A sua ce­gueira não lhes permite enxergar.

Quando o observam, depri­mem-se, revoltam-se contra os limites orgânicos inexoráveis, utilizando-se de artifícios para prosseguirem.

Dão-se conta que passaram a ser constrangimento no tra­balho, que pensavam pertencer-lhes, lamentando-se, queixan­do “que deram a vida e agora colhem ingratidão”. Certamen­te, os homens indispensáveis doaram a vida como fuga de si mesmos e ofereceram-na a um ser sem alma, sem coração, que apenas objetiva lucros, portanto, insensível, impessoal... Ali, os filhos substituem os pais, expulsam-nos, jovialmente, sob a alegação de que estes merecem o justo repouso, as viagens de férias que nunca tiveram; aposentam-nos. Livram a Empresa deles, de sua dominação, não mais condizente com os tempos modernos. Eles foram bons e úteis no começo, não mais agora, quando começam a emperrar a máquina do pro­gresso, a impedirem, por inadaptação óbvia, o curso do cres­cimento e desenvolvimento da entidade...

Assim, chega o momento da realidade para o homem que ocupa o primeiro lugar, o indispensável. É convidado a soli­citar a aposentadoria, quando não é jubilado sem maior consideração.

Surpreso, diz-se em condições de prosseguir. Afirma que ainda é jovem; quer trabalhar; dispõe de saúde... O silêncio constrangedor adverte-o que não há mais outra alternativa. Ele foi usado como peça de engrenagem empresarial que, desgastada, deve ser substituída de imediato a benefício ge­ral. Oportunamente, a benefício da organização, ele tomara a mesma atitude em relação a outros funcionários, que foram afastados.

A amargura domina-o, o ressentimento enfurece-o e a frus­tração, longamente adiada, assoma e o conduz à depressão.

As interrogações sucedem-se. “E agora? Que fazer da vida, do tempo?”

Como não cultivou outros valores, outros interesses, ar­roja-se ao fosso da autodestruição, egoisticamente, esqueci­do dos familiares e amigos, afinal, aos quais nunca deu maior importância nem valorização. Afasta-se mais do convívio social e, não raro, suicida-se, direta ou indiretamente.

A em­presa não lhe sente a falta, prossegue em funcionamento.

Somente quem realizou uma boa estrutura de personali­dade, enfrenta com razoável tranqüilidade o choque de tal natureza, para o qual se preparou, antevendo o futuro e pro­gramando-se para enfrentá-lo, transferindo-se de uma ação para outra, de uma empresa para um ideal, de uma máquina para um grupamento humano respirável, emotivo, pensante.

Ninguém é indispensável em lugar nenhum. O primeiro de agora será dispensável amanhã, assim como o último de hoje, possívelmente, estará no comando no futuro. A morte, a cada momento, demonstra-o.

A polivalência das aspirações é reflexo de normalidade, de equilíbrio comportamental, de harmonia da personalidade, convidando o homem a buscar sempre e mais.

A desincumbência do dever reflete-lhe o valor moral e a nobreza da sua consciência. Segurar as rédeas da dominação em suas mãos fortes, denota insegurança íntima, crise de con­duta.

O homem tem o dever de abraçar ideais de enobrecimen­to pessoal e grupal, participar, envolver-se emocionalmente, fazer-se presente na comunidade, como complemento da sua conduta existencial.

A criatura terrena está em viagem pela Terra, e todo trân­sito, por mais demorado, sempre termina. Ninguém se enga­ne e não engane a outros.

Uma auto-análise cuidadosa, uma reflexão periódica a respeito dos valores reais e aparentes, a meditação sobre os objetivos da vida concedem pautas e medidas para a harmo­nia, para o êxito real do ser.

A finalidade da existência corporal é a conquista dos va­lores eternos, e o êxito consiste em lograr o equilíbrio entre o que se pensa ter e o que se é realmente, adquirindo a estabi­lidade emocional para permanecer o mesmo, na alegria como na tristeza, na saúde conforme na enfermidade, no triunfo qual sucede no fracasso.

Quem consiga a ponderação para discernir o caminho, e o percorra com tranqüilidade, terá começado a busca do êxito que, logo mais, culminará com alegria.


QUINTA PARTE

DOENÇAS CONTEMPORÂNEAS


17

O conceito de saúde

Lexicamente, “saúde é o estado do que é são, do que tem as funções orgânicas regulares.”

A Organização Mundial de Saúde elucida que a falta de doença não significa necessariamente um estado de saúde, antes, porém, esta resulta da harmonia de três fatores essen­ciais, a saber: bem-estar psicológico, equilíbrio orgânico e satisfação econômica, assim contribuindo para uma situação saudável do indivíduo.

Num período de transição e mudança brusca da escala dos valores convencionais, com a inevitável irrupção dos excessos geradores da anarquia, a saúde tende a ceder espaço a conflitos emocionais, desordens orgãnicas e dificuldades econômicas, propiciando o surgimento de patologias com­plexas no homem.

A sociedade enferma perturba-o, e este, desajustado, pio­ra o estado geral do grupo.

O sentido de dignidade pessoal, nesta situação, é substi­tuído pela astúcia e pelo prazer, proporcionando distonias emocionais que facultam a instalação de enfermidades orgâ­nicas de variada procedência.

Abstraindo-se destas últimas, aquelas que são originadas por germes, bacilos, vírus e traumatismos, multiplicam-se as de ordem psicológica, que se avolumam nos dias atuais.

O homem teima por ignorar-se. Assume atitudes contra­ditórias, vivendo comportamentos estranhos. Prefere deixar que os acontecimentos tenham curso, às vezes, desastroso, a conduzi-los de forma consciente.

Os dias se sucedem, sem que ele dê-se conta das suas responsabilidades ou frua dos seus benefícios em uma atitu­de lúcida, perfeitamente compatível com as conquistas con­temporâneas.

Surpreendido, no entanto, pela doença e pela morte, des­perta assustado, sem haver vivido, estranhando-se a si mes­mo e descobrindo tardiamente que não se conhecia. Foi um estranho, durante toda a existência, inclusive, a ele próprio.

A saúde, entretanto, fá-lo participativo, membro atuante do grupo social, desperto e responsável na luta com que se enriquece de beleza e alegria, assumindo posições de vigor e segurança íntima, que lhe constituem prêmio ao esforço de­senvolvido.

A falta de saúde, que se generaliza, conduz a mente lúci­da a um diagnóstico pessimista, o que não significa ser de­sesperador.

Em tal situação, por falta de outra alternativa, o homem enfrenta a dificuldade, por ser pensante, e altera o quadro, impulsionado ao avanço, a aceitar os desafios.

Deixa de fugir da sua realidade, descobre-se e trabalha para alcançar etapas mais lúcidas no seu desenvolvimento emocional, pessoal.

Quem se resolve, porém, pela submissão autodestrutiva, não merece o envolvimento respeitoso de que todos são cre­dores diante dos combatentes, porqüanto, deixando de inves­tir esforços, abandona a sua dignidade de ser humano e pre­fere o esfacelamento das suas possibilidades como sendo o seu agradável estado de saúde, certamente patológico.

A saúde produz para o bem e para o progresso da socie­dade, sem compaixão pelos mecanismos de evasão e pieguis­mos comportamentais vigentes.

Realizadora, propele a vida para as suas cumeadas e vitó­rias, sem parada nas baixadas desanimadoras.


18

Os comportamentos neuróticos

Produtos do inconsciente profundo, a se manifestarem como comportamentos neuróticos, os fatores psicogênicos têm suas raízes na conduta do próprio paciente em reencarnações passadas, nas quais se desarmonizou interiormente. Fosse mediante conflitos de consciência ou resultados de ações ig­nóbeis, os mecanismos propiciadores de reabilitação íntima imprimem no inconsciente atual as matrizes que se exteriori­zam como dissociações e fragmentações da personalidade, alucinações, neuroses e psicoses.

Ínsitas no indivíduo, essas causas endógenas se associam às outras, de natureza exógena, tornando-se desagregadoras da individualidade vitimada pelas pressões que experimenta.

As pressões de qualquer natureza são decisivas para esta­belecer o clima comportamental da criatura.

Por formação antropológica, em luta renhida contra os fatores compressivos e adversários, o homem aspira pela liberdade. Todos os seus esforços convergem para uma atitu­de, uma atuação, um movimento, livres de empeços, de de­tenções, de aprisionamento.

As pressões que lhe limitam os espaços emocionais e fí­sicos aturdem-no, dando margem a evasões, agressividade, disfarces e violências, através dos quais tenta escamotear o seu estado real. Isto, quando não tomba na depressão, no pes­simismo.

Vivendo sob estímulos, faculta-os à sociedade, que pro­gride e age conforme as energias que os constituem.

Quando estes estímulos são emuladores à felicidade, eis o homem atuante e encorajado, trabalhando pelo progresso próprio e geral, mediante um comportamento otimista. No sentido oposto, quase nunca se motiva à reação, para ascen­der aos sentimentos ideais que promovem a vida, libertando-se das constrições naturalmente transitórias.

Equivocado quanto aos referenciais da existência, deixa-se imbuir pelas sensações da posse, do prazer fugidio, caindo em depressões, seja pela constituição psicológica fragmentá­ria ou porque estabelece como condição de triunfo a aquisi­ção das coisas que se podem amealhar e perdem o valor, quan­do se não possui o essencial, que é a capacidade de adminis­trá-las, não se lhes submetendo ao jugo enganoso.

Assim, apresentam-se os que se crêem infelizes porque não têm e os que se fazem desditosos porque tendo, não se contentam face à ausência da plenitude interior.

O mito da ambição do rei Midas, que tudo quanto tocava se convertia em ouro, causa da sua felicidade e desgraça, tem atualidade no comportamento neurótico dos possuidores-pos­suídos.

A experiência, no entanto, fazendo a pessoa aprofundar-se na consciência dos valores, altera-lhe o campo de compre­ensão, favorecendo o entesouramento do equilíbrio. Todavia, tal ocorrência é resultado da luta que deve ser travada sem cessar.

Assim, a saúde psicológica decorre da autoconsciência, da libertação íntima e da visão correta que se deve manter a respeito da vida, das suas necessidades éticas, emocionais e humanas.

O comportamento neurótico, assustador e predominante na sociedade consumista, procura esconder o desajuste e as fobias do homem contemporâneo, que se afunda em meca­nismos patológicos.

Receando ser ele mesmo, torna-se pessoa-espelho a re­fletir as conveniências dos outros, ou homem-parede a reagir contra todas as vibrações que lhe são dirigidas, antes de as examinar.

“Agredir antes, evitando ser agredido” é a filosotia dos fracos, fechando-se no círculo apertado dos receios e da não aceitação dos outros, forma neurótica de ocultar a não aceita­ção de si mesmo.

São raros aqueles que preferem ser homens-pontes, colo­cados entre extremos para ajudarem, facilitarem o trânsito, socorrerem nos abismos existenciais...

O espírito de competição neurotizante vigente e estabele­cido como fomentador das riquezas, deve ceder lugar ao de cooperação, responsável pela solidariedade e pela paz, hu­manizando a sociedade e tornando a pessoa bem identifica­da.

Competir não é negativo, desde que tenha por meta pro­gredir, e não vencer os outros; porém, superar-se cada vez mais, desenvolvendo capacidades latentes e novas na indivi­dualidade.

Competir, todavia, para derrubar quem está à frente, em cima, é atitude neurótica, inconformista, invejosa, que abre brecha àquele que vem atrás e repetirá a façanha em relação ao aparente vencedor atual. Tal atitude responde pela insegurança que domina em todas as áreas do relacionamen­to social.

Da mesma forma, deixar-se viver sem aventurar-se, no bom sentido do termo, como se transitasse em um sonho cu­jos acontecimentos inevitáveis se dão sem qualquer ingerên­cia da pessoa, é uma atitude patológica, irracional, em se con­siderando a capacidade de discernimento e a de realização que caracteriza a criatura humana.

O homem-ação de equilíbrio gera os fatores do próprio desenvolvimento, abandonando o conformismo neurótico, a fim de comandar o destino sempre maleável a injunções no­vas e motivadoras.

Os seres humanos têm as suas matrizes em a natureza, com a qual devem manter um relacionamento saudável, ao invés de evitá-la. Sendo partes integrantes da mesma, não se devem alienar, antes buscar-lhe a cooperação e auxiliá-la num intercâmbio de energias vigorosas, com o que sairão da gaio­la particular onde se ocultam e se acautelam.

Há personalidades neuróticas que a temem, receosas de serem absorvidas pela sua grandiosidade e dando às suas ex­pressões — céus, montanhas, mares, florestas, etc. — determi­nados tipos de projeções humanas, poderosas e devoradoras. Assim, anulam-na, matando-a no seu consciente através da negação da sua necessidade.

Os comportamentos neuróticos são desgastantes, extra­polando os limites das resistências orgânicas, que passam a somatizá-los, abrindo campo para várias enfermidades que poderiam ser evitadas.


19

Doenças físicas e mentais

A expressiva soma de atividades físicas e mentais atesta que o homem é um ser inacabado. A sua estrutura orgânica aprimorada nos milênios da evolução antropológica, ainda padece a fragilidade dos elementos que a constituem.

Vulnerável a transformações degenerativas, é tecido que reveste o psiquismo e que através dos seus neurônios cere­brais se exterioriza, afirmando-lhe a preexistência conscien­cial, independente das moléculas que constituem a aparelha­gem material.

A consciência, na sua realidade, é fator extrafísico, não produzido pelo cérebro, pois que possui os elementos que se consubstanciam na forma que lhe torna necessária à exterio­rização.

Essa energia pensante, preexistente e sobrevivente ao cor­po, evolve através das experiências reencarnacionistas, que lhe constituem processo de aquisição de conhecimentos e sentimentos, até lograr a sabedoria. Como conseqüência, faz-se herdeira de si mesma, utilizando-se dos recursos que ame­alha e deve investir para mais avançados logros, etapa a eta­pa.

Em razão disso, podemos repetir que somente “há doen­ças, porque há doentes”, isto é, a doença é um efeito de dis­túrbios profundos no campo da energia pensante ou Espírito.

As suas resistências ou carências orgânicas resultam dos processos da organização molecular dos equipamentos de que se serve, produzidos pela ação da necessidade pensante.

O psicossoma organiza o soma necessário à viagem, bre­ve no tempo, para a individualidade espiritual.

As doenças orgânicas se instalam em decorrência das ne­cessidades cármicas que lhe são inerentes, convocando o ser a reflexões e reformulações morais proporcionadoras do ree­quilíbrio.

Nas patologias congênitas, o psicossoma impõe os fato­res cármicos modeladores necessários à evolução, sob impo­sitivos que impedem, pelos limites de injunções difíceis, a reincidência no fracasso moral.

Assim considerando, à medida que a Ciência se equipa e soluciona patologias graves, criando terapias preventivas e proporcionando recursos curativos de valor, surgem novas doenças, que passam a constituir-se tremendos desafios. Isto se dá, porque, à evolução tecnológica e científica da socieda­de não se apresenta, em igual correspondência, o mecanismo de conquistas morais.

O homem conquista o exterior e perde-se interiormente. Avança na horizontal do progresso técnico sem o logro da vertical ética. No inevitável conflito que se estabelece — co­modidade e prazer, sem harmonia interna nem plenitude —desconecta os centros de equilíbrio e abre-se favoravelmente a agentes agressores novos, aos quais dá vida e que lhe de­sorganizam os arquipélagos celulares.

Outrossim, as tensões, frustrações, vícios, ansiedades, fobias facultam as distonias psíquicas que são somatizadas aos problemas orgânicos ou estes e suas sequelas dão surgi­mento aos tormentos mentais e emocionais.

Todo equipamento para funcionar em harmonia com ajustamento, para as finalidades a que se destina, exige per­feita eficiência de todas as peças que o compõem.

Da mesma forma, a maquinaria orgânica depende dos flu­xos e refluxos da energia psíquica e esta, por sua vez, das respostas das diversas peças que aciona. Nessa interdepen­dência, a vibração mental do homem é-lhe propiciadora de equilíbrio ou distonia, conscientemente ou não.

Sabendo ca­nalizar-lhe a corrente vibratória, organiza e submete os im­plementos físicos ao seu comando, produzindo efeitos de saú­de, por largo período, não indefinidamente, face à precariedade dos elementos construídos para o uso transitório.

As doenças contemporâneas, substituindo algumas anti­gas e somando-se a outras não debeladas ainda, enquadram-se no esquema do comportamento evolutivo do ser, no seu processo de harmonização interior, de deificação.

Na sua essência, a energia pensante possui os recursos divinos que deve exteriorizar. Para tanto, à semelhança de uma semente, somente quando submetida à germinação fa­culta a eclosão dos seus extraordinários elementos, até então adormecidos ou mortos. A morte da forma desata-lhe a vida latente.

A mente equilibrada comandará o corpo em harmonia e, nesse intercâmbio, surgirá a saúde ideal.


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A tragédia do cotidiano

Os conteúdos psicológicos do homem hodierno são de aturdimento, instabilidade emocional, insegurança pessoal, levando-o à perda do senso trágico.

Desestruturados pelos choques comportamentais e esma­gados pelo volume das informações impossíveis de serem digeridas, as massas eliminam arquétipos ou os transferem para indivíduos imaturos portadores de fragilidade psicoló­gica, aterrando-os, soterrando-os, na avalanche das necessi­dades mescladas com os conflitos existenciais.

Simultaneamente, desaparecem os mitos ancestrais indi­viduais e a cultura devoradora investe contra os outros, os coletivos, deixando as criaturas desprotegidas das suas cren­ças, dos seus apoios psicológicos.

A fé cega substituída pela ditadura da razão, destruiu ou substituiu os mitos nos quais se sustentavam os homens, apre­sentando outros, igualmente frágeis, que novamente sofrem a agressão dos valores contemporâneos.

A consciência coletiva, herdeira do choque dos opostos, do ser e do não ser, da coragem e do medo, do homem e da mulher, não sobrevive sem a segurança mítica.

Os seus arquétipos, multimilenarmente estruturados na convicção mitológica, alternam a forma de sobrevivência, transferindo-se os mitos deificados, porém sobreviventes, na sua profundidade psicológica, a todos os golpes mortais que lhe foram desferidos através dos tempos.

Ressuscitam, não obstante, disfarçados em novos mode­los, porém, ainda dominadores, prometendo glórias e casti­gos, prazeres e frustrações aos seus apaniguados, conforme o culto que deles recebam.

Assim, ao lado da violência que se espraia dominadora, vicejam religiões apressadas, salvadoras, na sua ingenuidade mítica, arrastando multidões desprevenidas e sem esclareci­mento que, fracassadas, no contubérnio social, ali se refugi­am, cultuando o paraíso eterno que lhes está reservado como prêmio ao sofrimento e ao desprezo de que se sentem objeto pela cultura consumista e desalmada.

A auto-realização pelo fanatismo mantém os bolsões da miséria sócioeconômica, por não trabalhar o idealismo laten­te no homem, a fim de que transforme os processos gerado­res da desgraça atual em realização pessoal e felicidade, na Terra, mesmo.

De certa maneira, o arrebanhar das multidões para as cren­ças salvadoras diminui, de alguma forma, o volume da vio­lência, que irrompe, paralelamente, porqüanto, sem o mito da salvação pela fé, toda essa potencialidade seria canaliza­da na direção da agressividade destruidora.

A agressividade salvacionista a que dá lugar, embora os prejuízos éticos e sociais que engendra, acalma os conteúdos psicológicos desviando os sujeitos dos crimes que poderiam cometer.

O mito da violência, por sua vez, nascido nos porões do submundo da miséria sócioeconômico-moral e graças à eclo­são das drogas em uso abusivo, engendra o símbolo da força, do poder, do estrelismo, no campeonato da aventura e da bra­vata, exibindo as heranças atávicas da animalidade primitiva ainda predominante no homem.

Toma-se pela força o que deveria ser dado pela fraterni­dade, através do equilíbrio da justiça social e dos deveres humanos, em solidário empenho pela promoção dos indiví­duos, dignos de todos os direitos à vida que apenas alguns desfrutam.

A tragédia do cotidiano se apresenta nas mil faces da vi­olência que se mescla ao comportamento geral, muitas vezes disfarçando-se até em formas de submissão rebelde e humildade-humilhante, que descarregam suas frustrações adquiri­das ao lado dos mais fortes, no dorso desprotegido dos mais fracos.

Os conteúdos psicológicos, mantenedores do equilíbrio, fragmentam-se ao choque do cotidiano agitado e desestrutu­ram o homem que se asselvaja, ou foge para a furna sombria da alienação, considerando-se incapaz de enfrentar a convi­vência difícil do grupo social, igualmente superficial, inte­resseiro, despreparado para a conjuntura vigente.

Graças a isso, os indivíduos fracassam ou enfermam, atri­tam ou debandam enquanto os crédulos ressuscitam os mitos das velhas crendices de males feitos, de perseguições da in­veja, do ciúme e do despeito, ou arregimentam argumentos destituídos de lógica para explicarem as ocorrências malsu­cedidas, danosas...

Certamente, sucedem tais perseguições; busca-se o mal­fazer; campeiam as paixões inferiores que são pertinentes ao homem, ainda em estágio infantil da sua evolução, sem que seja mau.

A sua aparente maldade resulta dos instintos agressivos ainda não superados, que lhe predominam em a natureza ani­mal, em detrimento da sua natureza espiritual.

Em toda e qualquer tragédia do cotidiano, ressaltam os componentes psicológicos encarregados da desestruturação do homem, nesse processo de individuação para adquirir uma consciência equilibrada, capaz de proporcionar-lhe paz, saú­de, realização interior, gerando, no grupo social, o equilíbrio entre os contrários e a satisfação real da convivência não com­petitiva, no entanto cooperativa.


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O homem moderno

Buscando enganar a sua realidade mediante a própria fan­tasia, o homem moderno procura a projeção da imagem sem o apoio da consciência. Evita a reflexão esclarecedora, que pode desalgemar dos problemas, e permanece em contínuas tentativas de negar-se, mascarando a sua individualidade. O ego exerce predominância no seu comportamento e estereo­tipa fantasias que projeta no espelho da imaginação.

Irrealizado, porque fugindo do enfrentamento com o seu eu, transfere-se de aspirações e cuidados a cada novidade que depara pelo caminho. Não dispõe de decisão para desmasca­rar o ego, por temer petrificar-se de horror, qual se aquele fosse uma nova Medusa, que Perseu, e apenas ele, venceu, somente porque a fez contemplar-se no escudo espelhado que lhe dera Atena...

Obviamente, esse espelho representa a consciência lúci­da, que descobre e separa objetivamente o que é real daquilo que apenas parece. Nesse sentido, o ego que vive e reincide nos conteúdos inconscientes, necessita de conscientizar-se, desidentificando-se dos seus resíduos emergentes.

O homem vive na área das percepções concretas e, ao mesmo tempo, das abstratas.

A cultura da arte faz que ele se porte, ora como observa­dor, ora como observado e ainda o observador que se observa, a fim de poder transformar os complexos ou conflitos inconscientes em conhecimentos que possa conduzir, senhor da sua realidade, dos seus atos.

Sua meta é poder sair da agitação, na qual se desgoverna, para observar-se, a distância, evitando o sofrimento macerador.

A este ato chamaremos a separação necessária entre o sujeito e o objeto, através da qual se observam os aconteci­mentos sem os sofrer de forma dilacerante, modificando o estado de ânimo angustiante para uma simples expressão do conhecimento, mediante a transferência da realidade que jaz no espírito para o exterior das formas e da emoção.

A reflexão constitui um admirável instrumento para o lo­gro, apoiando-se na cultura e na realização artística, social, solidária, que desvela os mananciais de sentimento e de cons­ciência humanos.

Jogado em um mundo exterior agressivo, no qual predo­minam a luta pela sobrevivência do corpo e a manutenção do status, o homem acumula conteúdos psíquicos não descartá­veis nem digeríveis, avançando, apressado, para o stress, as neuroses, as alienações.

Acumula coisas e valores que não pode usar e teme per­der, ampliando o campo do querer, mais pelo receio de pos­suir de forma insuficiente, sem dar-se conta da necessidade de viver bem consigo mesmo, com a família e os amigos, participando das maravilhosas concessões da vida que lhe estão ao alcance.

A mensagem de Jesus é uma oportuna advertência para essa busca insana, quando Ele recomenda que “não se ande, pois, ansioso pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã a si mesmo trará seu cuidado; ao dia bastam os seus próprios males.”(*)

(*) Mateus: capítulo 6, versículo 34 - Nota da Autora espiritual.

Comedir-se, agir com sensatez e tranqüilidade, confiar nos próprios valores e nas possibilidades latentes são regras que vão ficando esquecidas, a prejuízo da harmonia pessoal dos indivíduos.

Os interesses competitivos postos em jogo, a aflição por vencer os outros, o sobrepor-se às demais pessoas desarticu­laram as propostas da vitória do homem sobre si mesmo, da sua realização interior, da sua harmonia diante dos proble­mas que enfrenta. As linhas do comportamento alteradas, in­duzindo ao exterior, devem agora ser revisadas, sugerindo a conduta para o conhecimento dos valores reais, a redescober­ta do sentido ético da existência, a busca da sua imortalidade.

Quando o homem moderno passar a considerar a própria imortalidade em face da experiência fugaz do soma, empre­enderá a viagem plenificadora de trabalhar pelos projetos du­radouros em detrimento das ilusões temporárias, observando o futuro e vivendo-o desde já, empenhado no programa da sua conscientização espiritual. Nele se insculpirá , então, o modelo da realização em um ser integral, destituído do medo da vida e da morte, da sombra e da luz, do transitório e do permanente, da aparência e da realidade.


SEXTA PARTE

MATURIDADE PSICOLÓGICA


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Mecanismos de evasão

A larga infância psicológica das criaturas é dos mais gra­ves problemas, na área do comportamento humano.

Habituada, a criança, a ter as suas necessidades e anseios resolvidos, imaturamente, pelos adultos — pais, educadores, familiares, amigos — ou atendidos pela violência do clã e da sociedade, nega-se a crescer, evitando as responsabilidades que enfrentará.

No primeiro caso, porque tudo lhe chega às mãos de for­ma fácil, dilata o período infantil, acreditando que a vida não passa de umjoguete e o seu estágio egocêntrico deve perma­necer, embora a mudança de identidade biológica, de que mal se dá conta.

Mimada, acomoda-se a exigir e ter, recusando-se o esfor­ço bem dirigido para a construção de uma personalidade equi­librado, capaz de enfrentar os desafios da vida, que lhe che­gam, a pouco e pouco.

Acreditando-se credora de todos os direitos, cria meca­nismos inconscientes de evasão dos deveres, reagindo a eles pelas mais variadas como ridículas formas de atitude, nas quais demonstra a prevalência do período infantil.

No segundo caso, sentindo-se defraudada pelo que lhe foi oferecido com má vontade e azedume ou sistematicamente negado, a criança se transfere de uma para outra faixa etária, sem abandonar as seqüelas da sua castração, buscando reali­zar os desejos sufocados, mas, vivos, quando lhe surja a opor­tunidade.

Em ambos acontecimentos, o desenvolvimento emocio­nal não corresponde ao físico e ao intelectual, que não são afetados pelos fenômenos psicológicos da imaturidade.

Excepcionalmente, pode suceder que o alargamento do período infantil, por privação dos sentimentos e pelas angús­tias, produza distúrbios na saúde física como na mental, ge­rando dilacerações profundas, difíceis de sanadas.

Na generalidade, porém, o que sucede são as apresenta­ções de adulto susceptível, medroso, instável, ciumento, que não superou a crise da infância, nela permanecendo sob con­flitos lastimáveis.

As figuras domésticas representadas pelo pai e pela mãe permanecem em atividade emocional, no inconsciente, re­solvendo os problemas ou atemorizando o indivíduo, que se refugia em mecanismos desculpistas para não lutar, manten­do-se distante de tudo quanto possa gerar decisão, envolvi­mento responsável, enfrentamento.

Fugindo das situações que exigem definição, parte para as formulações e comportamentos parasitas, buscando nas pessoas que considera fortes e são elegidas como seus heróis ou seus superiores, porqüanto, tudo que elas empreendem se apresenta coroado de êxito.

Não se dá conta da luta que travam, das renúncias e sacri­fícios que se impõem. Esta parte, não lhe interessa, ficando propositadamente ignorada.

Como efeito cresce-lhe a área dos conflitos da personali­dade, com predominância da autocompaixão, num esforço egoísta de receber carinho e assistência, sem a consciência da necessidade de retribuição.

Não lhe amadurecendo os sentimentos da solidariedade e do dever, crê-se merecedor de tudo, em detrimento do esfor­ço de ser útil ao próximo e à comunidade, esquecendo-se das falsas necessidades para tornar-se elemento de produção em favor do bem geral.

Instável emocionalmente, ama como fuga, buscando apoio, e transfere para a pessoa querida as responsabilidades e preocupações que lhe são pertinentes, tornando o vínculo afetivo insuportável para o eleito.

Outras vezes, a imaturidade psicológica reage pela forma de violência, de agressividade, decorrentes dos caprichos in­fantis que a vida, no relacionamento social, não pode aten­der.

Uma peculiar insensibilidade emocional domina o indi­víduo, que se desloca, por evasão psicológica, do ambiente e das pessoas com quem convive, poupando-se a aflições e somente considerando os próprios problemas, que o como­vem, ante a frieza que exterioriza quando em relação aos so­frimentos do próximo.

O homem nasceu para a auto-realização, e faz parte do grupo social no qual se encontra, a fim de promovê-lo cres­cendo com ele. Os problemas devem constituir-lhe meio de desenvolvimento, em razão de serem-lhe estímulos-desafios, sem os quais o tédio se lhe instalaria nos painéis da atividade, desmotivando-o para a luta.

Desse modo, são parte integrante da estruturação mental e emocional, responsáveis pelos esforços do próximo e do grupo em conjunto, para a sobrevivência de todos.

O solitário é prejuízo e dano na economia social, pertur­bando a coletividade.

Fatores que precedem ao berço, presentes na historiogra­fia do homem, decorrentes das suas existências anteriores, situam-no, no curso dos renascimentos, em lares e junto aos pais de quem necessita, a fim de superar as dívidas, desen­volver os recursos que lhe são inerentes e lhe estão adorme­cidos, dando campo à fraternidade que deve viger em todos os seus atos.

Assim, cumpre-lhe libertar-se da infância psicológica, mediante as terapias competentes, que o desalgemam dos condicionamentos perniciosos, ao mesmo tempo trabalhan­do-lhe a vontade, para assumir as responsabilidades que fa­zem parte de cada período do desenvolvimento físico e inte­lectual da vida.

Partindo de decisões mais simples, o exercício de ações responsáveis, nas quais o insucesso faz parte dos empreendi­mentos, o homem deve evitar os mecanismos de evasão, as­sim como as justificativas sem sentido, tais: não tenho culpa, não estou acostumado, nada comigo dá certo, aí ocultando a sua realidade de aprendiz, para evitar as outras tentativas que certamente se farão coroar de êxitos.

A experiência do triunfo é lograda através de sucessivos eiTos. O acerto, nos primeiros tentames, não significa a segu­rança de continuados resultados positivos.

Em todas as áreas do comportamento estão presentes a glória e o fracasso, como expressões do mesmo empreendi­mento.

A fixação de qualquer aprendizagem dá-se mediante as tentativas frustradas ou não. Assim, vencer o desafio é esfor­co que resulta da perseverança, da repetição, sem enfado nem cansaço.

Toda fuga psicológica contribui para a manutenção do medo da realidade, não levando a lugar algum. Mediante sua usança, aumentam os receios de luta, complicam-se os meca­nismos de subestima pessoal e desconsideração pelos própri­os valores.

O homem, no entanto, possui recursos inesgotáveis que estão ao alcance do esforço pessoal.

Aquele que se demora somente na contemplação do que deve fazer, porém, não se anima a realizá-lo, perde excelente oportunidade de desvendar-se, desenvolvendo as capacida­des adormecidas que o podem brindar com segurança e reali­zação interior.

Todo o esforço a ser envidado, em favor da libertação dos mecanismos de fuga, contribui para apressar o equilíbrio emocional, o amadurecimento psicológico, de modo a assu­mir a sua humanidade, que é a característica definidora do indivíduo: sua memória, seus valores, seus atos, seu pensa­mento.

A fuga, portanto, consciente ou não, no comportamento psicológico, deve ser abolida, por incondizente com a lei do progresso, sob a qual todas as pessoas se encontram submeti­das pela fatalidade da evolução.


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O problema do espaço

O espaço é de vital importância para a movimentação dos seres, especialmente do homem.

Experiências de laboratório demonstram que, em uma área circunscrita, na qual convivem bem alguns exemplares de ratos, à medida que aumenta o seu número, neles se mani­festa a agressividade, até o momento em que, tornando-se mínimo o espaço para a movimentação, os roedores lutam, dominados por violenta ferocidade que os leva a dizimar-se.

Graças a isto, nas cidades e lugares outros superpopulo­sos, o respeito pela criatura e à propriedade desaparece, au­mentando, progressivamente, a violência e o crime, que se dão as mãos, em explosões de sandices inimagináveis.

A diminuição do espaço retira a liberdade, restringindo-a, na razão do volume daqueles que o ocupam, o que dá mar­gem à promiscuidade no relacionamento das pessoas, com o conseqüente desrespeito entre elas mesmas.

Inconscientemente, a preservação do espaço se torna um direito de propriedade, que adquire valores crescentes em re­lação à sua escassez e localização.

O homem, como qualquer outro animal, luta com todas as forças e por todos os meios para a manutenção da sua pos­se, a dominação do espaço adquirido e, às vezes, pelo que gostaria de possuir, tombando nas ambições desmedidas, na ganância.

No relacionamento social, cada indivíduo é cioso dos seus direitos, do seu espaço físico e mental, da sua integridade, da sua intimidade, zelando pela independência de ação e condu­ta nestas áreas comportamentais.

Quando os sentimentos afetivos irrompem e ele deseja repartir a sua liberdade com a pessoa amada, naturalmente espera compartir dos valores que ela possui, numa substitui­ção automática daquilo que irá ceder. Trata-se de uma con­cessão-recepção, gerando uma ação cooperativista.

A princípio, o encantamento ou a paixão substitui a ra­zão, quebrando um hábito arraigado, sem chance de preen­chê-lo por um novo, que exige um período de consciente adap­tação para uma convivência agradável, emocionalmente re­tributiva. Apesar disso, ficam determinados bolsões que não podem ou não devem ser violados, constituindo os remanes­centes da liberdade de cada um, o reino inconquistado pelo alienígena.

Nos relacionamentos das pessoas imaturas, os espaços são, de imediato, tomados e preenchidos, tornando a convivência asfixiante, insuportável, logo passam as explosões do desejo ou os artifícios da novidade.

Surgem, nesse período, as discussões por motivos fúteis, que escamoteiam as causas reais, nascendo as mágoas e ran­cores que separam os indivíduos e, às vezes, os arruínam.

Nas afeições das pessoas amadurecidas psicologicamen­te, não há predominância de uma vontade sobre a do outro, porém, um bom entrosamento que sugere a eleição da suges­tão melhor, sem que ocorra a governança de uma por outra vida, que a submetendo aos seus caprichos comprime-a, esti­mulando as reações de malquerença silenciosa que explodi­rá, intempestivamente, em luta calamitosa.

Por isto mesmo, o afeto conquista sem se impor, deixan­do livres os espaços emocionais, que substituem os físicos cedidos, ampliando-se os limites da confiança, que permite o trânsito tranqüilo na sua e na área do ser amado, que lhe não obstaculiza o acesso, o que é, evidentemente, de natureza re­cíproca.

O homem ou a mulher de personalidade infantil deseja o espaço do outro, sem querer ceder aquele que acredita seu. Quando consegue, limita a movimentação do afeto, a quem deseja subjugar por hábeis maneiras diversas, escondendo a insegurança que é responsável pela ambição atormentada. Se não logra, parte para o jogo dos caprichos, que termina em incompatibilidade de temperamentos, disfarçando as suas reações neuróticas.

A vida feliz é um dar, um incessante receber.

Toda doação gratifica, e nela, embutida, está a satisfação da oferta, que é uma forma de gratulação. Aquele que se recusa a distribuição padece a hipertrofia da emoção retribuída e experimenta carência, mesmo estando na posse do excesso.

Somente doa, cede, quem tem e é livre, interiormente amadurecido, realizado. Assim, mesmo quando não recebe de volta e parece haver perdido o investimento, prossegue pleno, porqüanto, somente se perde o que não se tem, que é a posse da usura e não o valor que pode ser multiplicado.

A pessoa se deve acostumar com o seu espaço, liberando-­se da propriedade total sobre ele e adaptando-se, mentalmen­te, à idéia de reparti-lo com outrem, mantendo porém, inte­gral, a sua liberdade íntima, cujos horizontes são ilimitados.

Ademais, deve considerar que os espaços físicos são tran­sitórios, em razão da precariedade da própria vida material, que se interrompe com a morte, transferindo o ser para outra dimensão, na qual os limites tempo e espaço passam a ter outras significações.


24

A reconquista da identidade

A imaturidade psicológica do homem leva-o a anular a própria identidade, face aos receios em relação às lutas e ao mundo nas suas características agressivas. A timidez confun­de-o, fazendo que os complexos de inferioridade lhe aflo­rem, afastando-o do grupo social ou propelindo-o à tomada de posições que lhe permitam impor-se aos demais. A vio­lência latente se lhe desvela, disfarçando os medos que lhe são habituais.

Ocultando a identidade, mascara-se com personalidades temporárias que considera ideais — cada uma a seu turno — e que são copiadas dos comportamentos de pessoas que lhe parecem bem, que triunfaram, que são tidas como modela­res, na ação positiva ou negativa, aquelas que quebraram a rotina e que, de alguma forma, fizeram-se amadas ou temidas.

Gestos e maneirismos, trajes e ideologias são copiados, assumindo-lhes o comportamento, no qual se exibe e conso­me, até passar a outros modelos em voga que lhe despertem o interesse.

Na superficialidade da encenação, asfixia-se, mais se con­flitando em razão da postura insustentável que se vê obriga­do a manter.

Como efeito do desequilíbrio, passa a fingir em outras áreas, evitando a atitude leal e aberta, mas, sempre sinuosa, que lhe constitui o artificialismo com que se reveste.

Vulnerável aos acontecimentos do cotidiano, sem identi­dade, é pessoa de difícil relacionamento, vez que tem a preo­cupação de agradar, não sendo coerente com a sua realidade interior e, mutilando-se psicologicamente, abandona, sem escrúpulos, os compromissos, as situações e as amizades que, de momento, lhe pareçam desinteressantes ou perturbadoras...

A falta de identidade cria o indivíduo sem face, dissimu­lador, com loquacidade que obscurece as suas reais impres­sões, sustentando condicionamentos cínicos para a sobrevi­vência da representação.

Cada criatura é a soma das próprias experiências cultu­rais, sociais, intelectuais, morais e religiosas. O seu arquéti­po é caracterizado pelas suas vivências, não sendo igual ao de outrem. A sua identidade é, portanto, a individualidade real, modeladora da sua vida, usufrutuária dos seus atos e realizações.

No variado caleidoscópio das individualidades, surge o grupo social das afinidades e interesses, das aspirações e tro­cas, da convivência compartilhada.

Os destaques são aquelas de temperamento mais vigoro­so de que o grupo necessita, na condição de líderes naturais, de expressões mais elevadas, que servem de meta para os que se encontram na retaguarda. Nenhum contra-senso ou prejuízo em tal exceção.

A generalidade é o resultado dos biótipos de nível equi­valente, sem que sejam pessoas iguais, que não as existem, porém, com uma boa média de realizações semelhantes.

Em razão do processo reencarnatório, alguns indivíduos recomeçam a existência física sob injunções conflitantes, que devem enfrentar, sem fugir aos objetivos que a Vida a todos destina.

Como cada um é a sua realidade, ninguém melhor ou pior, face à sua tipologia. Existem os mais e os menos dotados, com maior ou menor soma de títulos, de valores, porém, ne­nhum sem os equipamentos hábeis para o crescimento, para alcançar o ideal desafiador que luz à frente.

É um dever emocional assumir a sua identidade, conhe­cer-se e deixar-se conhecer.

Certamente, não nos referimos à necessidade de o indiví­duo viver as suas deficiências, impondo-as ao grupo social no que se encontra... Porém, não escamotear os próprios li­mites e anseios ainda não logrados, mantendo falsas posturas de sustentação impossível, é o compromisso existencial que leva a um equilibrado amadurecimento emocional.

Afinal, todos os indivíduos se encontram, na Terra, em processo de evolução. Conseguida uma etapa, outra se lhe apresenta como o próximo passo. A satisfação, a parada no patamar conquistado leva ao tédio, ao cansaço da vida.

Aventurar-se, no bom e profundo sentido da palavra, é a estimulação de valores, revelação dos conteúdos íntimos, pro­posta de experiência nova. A ansiedade e a incerteza decor­rentes do tentame fazem parte dos projetos da futura estabili­dade psicológica, do armazenamento dos dados que coope­ram para uma vida estável, realizadora e feliz.

Os insucessos e preocupações durante a empresa tor­nam-se inevitáveis e são eles que dão a verdadeira dimensão do que significa lutar, competir, estar vivo, ter uma identida­de a sustentar.

Deste modo, o indivíduo tem o dever de enfrentar-se, de descobrir qual é a sua identidade e, acima de tudo, aceitar-se.

A aceitação faz parte do amadurecimento íntimo, no qual os inestimáveis bens da vida assomam à consciência, que passa a utilizá-los com sabedoria, engrandecendo-se na razão direta que os multiplica.

A sociedade é constituída por pessoas de gostos e ideais diferentes, de estruturas psicológicas diversas, que se harmonizam em favor do todo. Das aparentes divergências surge o equilíbrio possível para uma vida saudável em grupo, no qual uns aos outros se ajudam, favorecendo o progresso comunitário.

O descobrir-se que a própria identidade é única, es­pecial, em decorrência de muitos fatores, favorece a manu­tenção do bem-estar íntimo, impedindo fugas atormentantes e inúteis.

Quem foge da sua realidade, neurotiza-se, padecen­do estados oníricos de pesadelos, que passam à área da cons­ciência, em forma de ameaças de desditas por acontecer, com o mundo mental povoado de fantasmas que não consegue di­luir.

Aceitando-se como se é, possui-se estímulos para auto-aprimorar-se, superando os limites e desajustes por edu­cação, disciplina e lutas empreendidas em favor de conquis­tas mais expressivas.

Somente através da aceitação da sua identidade, sem disfarces, o homem, por fim, adquire o amadurecimento psico­lógico que o capacita para uma existência ideal, libertadora.

A própria identidade é a vida manifestada em cada ser.


25

Ter e ser

A psicologia sociológica do passado recomendava a pos­se como forma de segurança. A felicidade era medida em razão dos haveres acumulados, e a tranqüilidade se apresen­tava como sendo a falta de preocupação em relação ao pre­sente como ao futuro.

Aguardar uma velhice descansada, sem problemas finan­ceiros, impunha-se como a grande meta a conquistar.

A escala de valores mantinha como patamar mais eleva­do a fortuna endinheirada, como se a vida se restringisse a negócios, à compra e venda de coisas, de favores, de posi­ções.

Mesmo as religiões, preconizando a renúncia ao mundo e aos bens terrenos, reverenciavam os poderosos, os ricos, en­quanto se adornavam de requintes, e seus templos se trans­formavam em verdadeiros bazares, palácios e museus frios, nos quais a solidariedade e o amor passavam desconhecidos.

A felicidade se apresentava possível, desde que se pudes­se comprá-la. Todos os programas traziam como impositivo prioritário o prestígio social decorrente da posse financeira ou do poder político.

Cunhou-se o conceito irônico de que o dinheiro não dá felicidade, porém ajuda a consegui-la. Ninguém o contesta; no entanto, ele não é tudo.

O imediatismo substituiu os valores legítimos da vida, e houve uma natural subestima pelos códigos éticos e morais, as conquistas intelectuais, as virtudes, por parecerem de so­menos importância.

Não se excogitava, então, averiguar se as pessoas pode­rosas e possuidoras de coisas eram realmente felizes, ou se apenas fingiam sê-lo.

Não se indagava a respeito das reais ambições dos seres, e o quanto dariam para despojar-se de tudo, a fim de serem outrem ou fazerem o que lhes aprazia e não o que se lhes impunham.

Embora os avanços da Psicologia profunda, na atualida­de, ainda permanecem alguns bolsões de imposição para que o homem tenha, sem a preocupação com o que ele seja.

O prolongamento da idade infantil, em mecanismos esca­pistas da personalidade, faz que a existência permaneça como um jogo, e os bens, como as pessoas, tornem-se brinquedos nas mãos dos seus possuidores.

Os homens, entretanto, não são marionetes de fácil mani­pulação. Cada indivíduo tem as suas próprias aspirações e metas, não podendo ser movido, pelo prazer insano ou com bons propósitos que sejam, por outras pessoas.

Esses atavismos infantis não absorvidos pela idade adul­ta, impedindo o amadurecimento psicológico encarregado do discernimento, são igualmente responsáveis pela inseguran­ça que leva o indivíduo a amontoar coisas e a cuidar do ego, em detrimento da sua identidade integral. Sem que se dê con­ta, desumaniza-se e passa à categoria de semideus, desvelan­do os caprichos infantis, irresponsáveis, que se impõem, sa­tisfazendo as frustrações.

O amadurecimento psicológico equipa o homem de resis­tências contra os fatores negativos da existência, as ciladas do relacionamento social, as dificuldades do cotidiano.

A vida são todas as ocorrências, agradáveis ou não, que trabalham pelo progresso, em cuja correnteza todos navegam na busca do porto da realização.

Importante, desse modo, é manter-se o equilíbrio entre ser e exteriorizar o que se é, sem conflito comportamental, eliminando os estados de tensão resultantes da insatisfação ou do comodismo, assim, realizando-se, interior e exterior­mente.

Nesta luta entre o ego artificial, arquetípico, e o eu real, eterno e evolutivo, os conteúdos ético-morais da vida têm prevalência, devendo ser incorporados à conduta que os au­tomatiza, não mais gerando áreas psicológicas resistentes àauto-realização, e liberando-as para um estado de plenitude relativa, naturalmente, em razão da transitoriedade da exis­tência física.

É óbvio que não fazemos a apologia da escassez ou da miséria, na busca da realização pessoal. Tampouco, propo­mos o desdém à posse, levando a mente a ilhas onde se homi­ziam o despeito e a falsa auto-suficiência.

A posse é uma necessidade para atender objetivos própri­os, que não são únicos nem exclusivos. Os recursos amoeda­dos, o poder político ou social são mecanismos de progresso, de satisfação, enquanto conduzidos pelo homem, qual loco­motiva a movimentar os canos que se lhe submetem. Quan­do se inverte a situação, o iminente desastre está à vista.

Os recursos são para o homem utilizá-los, ao invés deste se lhes tornar servil, arrastado pelos famanazes dos interes­ses subalternos que, de auxiliares da pessoa de destaque, pas­sam à condição de controladores das circunstâncias, aprisio­nando nas suas hábeis manobras aquele que parece conduzi-las...

Não é a posse que o envilece. Ela faculta-lhe o desabro­char dos valores inatos à personalidade, e os recalques, os conflitos em predominância assomam, prevalecendo-lhe no comportamento.

Eis aí a importância do amadurecimento psicológico do indivíduo, que lhe proporciona os meios de gerir os recursos, sem se lhes submeter aos impositivos. Quando se tem a sabe­doria de administrar os valores de qualquer natureza, a bene­fício da vida e da coletividade, não apenas se possui, sobretu­do se se é livre, nunca possuído pelas enganosas engrenagens dos metais preciosos, dos títulos de negociação, dos docu­mentos de consagração e propriedade, todos, afinal, perecíveis, que mudam de mão, que são fáceis de perder-se, des­truir-se, queimar-se...

A integridade e a segurança defluem do que se é, jamais do que se tem.


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Observador, observação e observado

Anteriormente, pareciam existir três posturas na situação de um observador: a pessoa, o objeto e o ato.

Separados, a pessoa se abstraía do todo para observar; o objeto se apresentava a distância, sob observação; a atitude afastava o observador.

Esses limites tornavam-se dificuldades para um compor­tamento unitário, concorde com as circunstâncias, afastando sempre o indivíduo dos acontecimentos e, de certo modo, isentando-o das responsabilidades.

As complexidades do destino, da sorte, do berço e outras preponderavam como mecanismos de justificação do êxito ou do fracasso de cada um.

O homem se apresentava, então, dissociado da vida, afas­tado do universo, fora das ocorrências, como um ser à parte dos fatos.

A pouco e pouco, ele se deu conta de que a unidade se encontra presente no conjunto, que por sua vez se faz unitá­rio, assim como a onda é o mar, embora o mar não seja a onda.

Permanecem, em tal postura, os critérios da individuali­dade pessoal, não obstante a sua integração no todo.

O olho que observa é, ao mesmo tempo, o olho observa­do, responsável pela observação.

A criatura já não se isola da harmonia geral ou do coleti­vo, a fim de observar, sem que, por sua vez, não seja observa­da.

A observação faz parte da vida que, de igual modo, de­pende do indivíduo observador.

Na inteireza da unidade, todos os agentes que a constitu­em são portadores do mesmo grau de responsabilidade, a be­nefício do conjunto. Não há como transferir-se para outrem a tarefa que lhe diz respeito.

O excesso de esforço em um, enfraquece-o, a favor, nega­tivo, da ociosidade de outro, que se debilita por falta de mo­vimentação.

Tal compreensão do mecanismo existencial deflui de uma capacidade maior de amadurecimento psicológico do homem, que já não se compadece da própria fraqueza, porém busca fortalecer-se; tampouco se considera inferior em relação aos demais, por saber-se detentor de energias equivalentes.

O seu é o mesmo campo de luta, no qual todos se encon­tram com idênticas responsabilidades, evitando marginalizar-se. Se o faz, tem consciência que está conspirando contra o equilíbrio geral e que ficará a sós, desde que o todo se refará mesmo sem ele, criando e assumindo nova forma.

Mergulhado na harmonia geral, o homem deve contribuir conscientemente para mantê-la, observando-a e com ela se identificando, observado e em sintonia, diante do conjunto que também o envolve no ato de observar.


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O devir psicológico

Por largo tempo houve uma preocupação, na área psico­lógica, para encontrar-se as raízes dos problemas do homem, o seu passado próximo — vida pré-natal, infância e juventude a fim de os eqüacionar.

A grande e contínua busca produzia, não raro, um deses­perado anseio para a compreensão dos fenômenos castrado­res e restritivos da existência, no dealbar dela mesma.

Interpretações apressadas, comumente, tentavam liberar os pacientes dos seus conflitos, atirando as responsabilida­des da sua gênese aos pais desequipados, uns superproteto­res, outros agressivos, que, na sua ignorância afetiva, desen­cadeavam os complexos variados e tormentosos.

Tratava-se de uma forma simplista de desviar o problema de uma para outra área, sem a real superação ou equação do mesmo.

Os pacientes, esclarecidos indevidamente, adquiriam res­sentimentos contra os responsáveis aparentes pelas suas afli­ções, transferindo-se de postura patológica. Em reação, na busca do que passavam a considerar como liberdade, inde­pendência daqueles agentes castradores, inibidores, faziam-se bulhentos, assumindo atitudes desafiadoras, na suposição de que esta seria uma forma de afirmação da personalidade, de auto-realização. E o ressentimento inicial contra os pais, os familiares e educadores crescia, transferindo-se, automa­ticamente, para a sociedade como um todo.

A conscientização dos fenômenos neuróticos não deve engendrar vítimas novas, contra as quais sejam atiradas todas as responsabilidades. Isto impede o amadurecimento psico­lógico do paciente, que assume uma posição injusta de de­serdado da sociedade, aí se refugiando para justificar todos os seus insucessos.

Sem dúvida, desde o momento da vida extra-uterina, há um grande choque na formação psicológica do bebê, ao qual se adicionam outros inumeráveis, decorrentes da educação deficiente no lar e no grupamento social.

O mundo, com as suas complexidades estabelecidas e para ele impenetráveis, apresenta-se agressivo e odiento, exigin­do-lhe alto suprimento de habilidades para escapar-lhe ao que considera suas ciladas.

Nessas circunstâncias adversas para a formação psicoló­gica do homem, devemos convir que as suas causas prece­dem a existências anteriores, que formaram as estruturas da individualidade ora reencarnada, responsáveis pelas resistên­cias ou fragilidades dos componentes emocionais. No mes­mo clã e sob as mesmas condições, as pessoas as enfrentam de forma diversa, desvelando, nas suas reações, a constitui­ção de cada uma, que antecede ao fenômeno da concepção fetal.

A moderna visão psicológica, embora respeitando as in­junções do passado atual, busca desenvolver as possibilida­des latentes do homem, o seu vir-a-ser, centralizando a sua interpretação nos seus recursos inexplorados. Há, nele, todo um universo a conquistar e ampliar, liberando as inibições e conflitos, diante dos novos desafios que acenam com a auto-realização e o amadurecimento íntimo.

De etapa a etapa, ele avança conquistando as terras no­vas da vida e da experiência, que se sobrepõem aos alicerces fragmentários da infância, substituindo-os vagarosamente.

O devir psicológico é mais importante do que o seu pas­sado nebuloso, que o sol da razão consciente se encarregara de clarear, sem ilhas de sombra doentia na personalidade.

Extraordinariamente, em alguns casos de psicoses e neu­roses, de dificuldades no inter-relacionamento pessoal, de inibições sexuais e frustrações, pode-se recorrer a uma via­gem consciente ao passado, a fim de encontrar-se a matriz cármica e aplicar-lhe a terapia especializada, capaz de cons­cientizar o paciente e ajudá-lo na superação do fator pertur­bante. Mesmo assim, a experiência terapêutica exige os re­cursos técnicos e as pessoas especializadas para o tentame, evitando-se apressadas conclusões falsas e o mergulho em climas obsessivos que impõem mais cuidadosa análise e tra­tamento adequado.

A questão, pela sua gravidade, exige siso e cuidados es­peciais.

A nova psicologia profunda pretende desvendar as incóg­nitas das várias patologias que afetam o comportamento psi­cológico do homem, utilizando-se de uma nova linguagem e desenvolvendo os recursos da sua evolução ainda não exco­gitados.

Por enquanto, o indivíduo não se conhece, apresentando-se como se fora uma máquina com as suas complicadas fun­ções, que busca automatizar.

É indispensável, assim, que tome consciência de si. o que lhe independe da inteligência, da atividade de natureza men­tal.

A consciência expressa-se em uma atitude perante a vida, um desvendar de si mesmo, de quem se é, de onde se encon­tra, analisando, depois, o que se sabe e quanto se ignora, equi­pando-se de lucidez que não permite mecanismos de evasão da realidade. Não finge que sabe, quando ignora; tampouco aparenta desconhecer, se sabe. Trata-se, portanto, de uma to­mada de conhecimento lógico.

Esses momentos de consciência impõem exercício, até que sejam aceitos como natural manifestação de comporta­mento. Para tanto, devem ser considerados os diversos crité­rios de duração, de freqüência e de largueza, como de discer­nimento.

Por quanto tempo se permanece consciente, em estado de identificação? Quantas vezes o fenômeno se repete e de que o indivíduo está consciente?

Factível estabelecer-se uma programação saudável.

No painel existencial, no qual nada é fixo e tudo muda, torna-se inadiável a busca da consciência atual sem as fixa­ções do passado, de modo a multiplicar os estímulos para o futuro que chegará.

Destaca-se aí, a necessidade do equilíbrio, que segundo Pedro Ouspenski, é “como aprender a nadar”. A dificuldade inicial cede então lugar à realização plena.

O homem amargurado, que se faz vítima dos conflitos, deve aprender a resolver os desafios do momento, despreo­cupando-se das ocorrências traumáticas e gerando novas opor­tunidades. As suas propostas para amanhã começam agora, não aguardando que o tempo chegue, porque é ele quem pas­sará pelas horas e chegará àquela dimensão a que denomina futuro.

A estrutura psicológica social — soma de todas as experi­ências culturais, históricas, políticas, religiosas — exerce uma função compressiva no comportamento do homem, que se deve libertar mediante o amadurecimento pessoal, que elimi­na o medo, a ira, a ambição, característicos das heranças atá­vicas, e se programa dentro das próprias possibilidades inex­ploradas.

A consciência do vir-a-ser proporciona uma mente aber­ta, com capacidade para considerar com clareza e saúde to­dos os fatos da existência, comportando-se de maneira tran­qüila, com possibilidades de conquistar o infinito.


SÉTIMA PARTE

PLENIFICAÇÃO INTERIOR


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Problemas sexuais

Herança animal predominante em a natureza humana, o instinto de reprodução da espécie exerce um papel de funda­mental importância no comportamento dos seres. Funcionan­do por impulsos orgânicos nos irracionais, expressa-se como manifestação propiciatória à fecundação nos ciclos orgâni­cos, periódicos, em ritmos equilibrados de vida.

No homem, face ao uso, que nem sempre obedece à fina­lidade precípua da perpetuação das formas, experimenta agres­sões e desvios que o desnaturam, tornando-se, o sexo, fator de desditas e problemas da mais variada expressão.

Face à sensação de prazer que lhe é inata, a fim de atrair os parceiros para a comunhão reprodutora, torna-se fonte de tormentos que delineiam o futuro da criatura.

Considerando-se a força do impulso sexual, no compor­tamento psicológico do homem, as disjunções orgânicas, a configuração anatômica e o temperamento emocional tornam-se de valor preponderante na vida, no inter-relacionamento pessoal, na atitude existencial de cada qual.

A sua carga compressiva, no entanto, transfere-se de uma para outra existência corporal, facultando um uso disciplina­do, corretor, em injunções específicas, que por falta de escla­recimento leva o indivíduo a uma ampla gama de psicopato­logias destrutivas na área da personalidade.

Com muita razão, Alice Bailey afirmava, diante dos fe­nômenos de alienação mental, que eles podem ser “... de na­tureza psicológica, hereditários por contatos coletivos e cár­micos”. Introduzia, então, o conceito cármico, na condição de fator desencadeante das enfermidades a expressar-se nas manifestações da libido, de relevante importância nos estu­dos freudianos.

O conceito, em torno do qual o homem é um animal sexu­al, peca, porém, pelo exagero.

Naturalmente, as heranças atá­vicas impõem-lhe a força do instinto sobre a razão, levando-o a estados ansiosos como depressivos. Todavia, a necessida­de do amor é-lhe superior. Por falta de uma equilibrada com­preensão da afetividade, deriva para as falazes sensações do desejo, em detrimento das compensações da emoção.

Mais difícil se apresenta um saudável relacionamento afe­tivo do que o intercurso apressado da explosão sexual, no qual o instinto se expressa, deixando, não poucas vezes, frus­tração emocional.

Passados os rápidos momentos da comu­nhão física, e já se manifestam a insatisfação, o arrependi­mento, os conflitos perturbadores...

A falta de esclarecimento, no passado, em torno das fun­ções do sexo, os mistérios e a ignorância com que o vestiram, desnaturaram-no.

A denominada revolução sexual dos últimos tempos, igualmente, ao demitizá-lo, abriu espaços de promiscuidade para os excessivos mitos do prazer, com a conseqüente des­valorização da pessoa, que se tornou objeto, instrumento de troca, indivíduo descartável, fora de qualquer consideração, respeito ou dignidade.

A sociedade contemporânea sofre, agora. os efeitos da liberação sem disciplina, através da qual a criatura vive a ser­viço do sexo, e não este para o ser inteligente, que o deve conduzir com finalidades definidas e tranqüilizadoras.

As aberrações se apresentam, neste momento, com cida­dania funcional, levando os seus pacientes a patologias gra­ves que alucinam, matam e os levam a matar-se.

A consciência deve dirigir a conduta sexual de cada indi­víduo, que lhe assumirá as conseqüências naturais.

Da mesma forma que uma educação castradora é respon­sável por inúmeros conflitos, a liberativa em excesso abre comportas para abusos injustificáveis e de lamentáveis efei­tos no psiquismo profundo.

A vida se mantém sob padrões de ordem, onde quer que se manifeste. Não há, aí, exceção para o comportamento do homem. Por esta razão, o uso indevido de qualquer função produz distúrbios, desajustes, carências, que somente a edu­cação do hábito consegue harmonizar.

Afinal, o homem não é apenas um feixe de sensações, mas, também, de emoções, que pode e deve canalizar para objetivos que o promovam, nos quais centralize os seus inte­resses, motivando-o a esforços que serão compensados pelos resultados benéficos.

Exclusão feita aos portadores de enfermidades mentais a se refletirem na conduta sexual, o pensamento é portador de insuspeitável influência, no que tange a uma salutar ou dese­quilibrada ação genésica.

o mesmo fenômeno ocorre nas mais diferentes manifes­tações da vida humana. Mediante o seu cultivo, eles se exte­riorizam no comportamento de forma equivalente.

A vida, portanto, saudável, na área do sexo, decorre da educação mental, da canalização correta das energias, da ação física pelo trabalho, pelos desportos, pelas conversações edi­ficantes que proporcionam resistência contra os derivativos, auxiliando o indivíduo na eleição de atitudes que proporcio­nam bem-estar onde quer que se encontre.

As ambições malconduzidas, toda frustração decorrente do querer e não poder realizar, dão nascimento ao conflito. O conflito, por sua vez, quando não eqüacionado pela tranqüila aceitação do fato, sobrepondo a identidade real ao ego domi­nador e insaciável, termina por gerar neuroses. Estas, susten­tadas pela insatisfação, transmudam-se em paranóia de ca­tastróficos resultados na personalidade.

Considerado na sua função real e normal, o sexo é san­tuário da vida, e não paul de intoxicação e morte.

Estimulado pelo amor, que lhe tem ascendência emocio­nal, propicia as mais altas expressões da beleza, da harmo­nia, da realização pessoal; acalma, encoraja para a vida, tor­nando-se um dínamo gerador de alegrias.

Os problemas sexuais se enraízam no espírito, que se atur­de com o desregramento que impõe ao corpo, exaurindo as glândulas genésicas e exteriorizando-se em funções incorre­tas, que se fazem psicopatologias graves, a empurrar a sua vítima para os abismos da sombra, da perversidade e do cri­me.

A liberação das distonias sexuais, mais perturbam o ser, que se transfere de uma para outra sensação com sede cres­cente, mergulhando na promiscuidade, por desrespeito e des­prezo a si mesmo e, por extensão, aos outros. A sua é uma óptica desfocada, pela qual passa a ver o mundo e as demais pessoas na condição de portadoras dos seus mesmos proble­mas, só que mascaradas ou susceptíveis de viverem aquela conduta, quando não deseja impor a sua postura especial como regra geral para a sociedade.

Sob conflito psicológico, o portador de problema sexual, ou de outra natureza, não se aceita, fugindo para outros com­portamentos dissimuladores; ou quando se conscientiza e re­solve-se por vivê-lo, assume feição chocante, agressiva, como uma forma de enfrentar os demais, de maneira antinatural, demonstrando que não o digeriu nem o assimilou.

Toda exibição oculta um conflito de timidez ou inconfor­mação, de carência ou incapacidade.

Uma terapia psicológica bem cuidada atenua o problema sexual, cabendo ao paciente fazer uma tranqüila auto-análi­se, que lhe faculte viver em harmonia com a sua realidade interna, nem sempre compatível com a sua manifestação ex­terna.

Não basta satisfazer o sexo — toda fome e sede, de mo­mento, saciadas, retornam, em ocasião própria — mas, har­monizar-se, emocionalmente, vivendo em paz de consciên­cia, embora com alguma fome perfeitamente suportável, ao invés do constante conflito da insatisfação decorrente da ima­ginação fértil, que programa prazeres contínuos e elege com­panhias impossíveis de conseguidas em qualquer faixa sexu­al que se estagie.

Ninguém se sente pleno, no mundo, acreditando-se haver logrado tudo quanto desejava.

A aspiração natural e calma para atingir um próximo pa­tamar, faz-se estímulo para o progresso do indivíduo e da sociedade.

Os problemas sexuais, por isto mesmo, devem ser enfren­tados sem hipocrisia, nem cinismo, fora de padrões estereoti­pados por falsa moralidade, tampouco levados à conta de pequeno significado. São dificuldades e, como tais, merecem consideração, tempo e ação especializada.


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Relacionamentos perturbadores

Os indivíduos de temperamento neurótico, tornam-se in­capazes de manter um relacionamento estável. Pela própria constituição psicológica, são perturbadores de afetividade obsessiva e, porque inseguros, são desconfiados, ciumentos, por conseqüência depressivos ou capazes de inesperadas ir­rupções de agressividade.

Os conflitos de que são portadores os levam a uma atitu­de isolacionista, resultado da insatisfação e constante irrita­bilidade contra tudo e todos. Crêem não merecer o amor de outrem e, se tal acontece, assumem o estranho comportamento de acreditar que os outros não lhes merecem a afeição, po­dendo traí-los ou abandoná-los na primeira oportunidade. Quando se vinculam, fazem-se absorventes, castradores, exi­gindo que os seus afetos vivam em caráter de exclusividade para eles. São, desse modo, relacionamentos perturbadores, egocêntricos.

O amor é uma conquista do espírito maduro, psicologica­mente equilibrado; usina de forças para manter os equipa­mentos emocionais em funcionamento harmônico. E uma forma de negação de si mesmo em autodoação plenificadora. Não se escora em suspeitas, nem exigências infantis; elimina o ciúme e a ambição de posse, proporcionando inefável bem-estar ao ser amado que, descomprometido com o dever de retribuição, também ama. Quando, por acaso, não correspondido, não se magoa nem se irrita, compreendendo que o seu e o objetivo de doar-se, e não de exigir. Permite a liberdade ao outro, que a si mesmo se faculta, sem carga de ansiedade ou de compulsão.

Quando estas características estão ausentes, o amor é uma palavra que veste a memória condicionada da sociedade, em torno dos desejos lúbricos, e não do real sentimento que ele representa.

Esse relacionamento perturbador faz da outra pessoa um objeto possuído, por sua vez, igualmente possuidor, gerando a desumanização de ambos.

Ao dizer-se meu amigo, minha esposa, meu filho, meu companheiro, meu dinheiro, a posse está presente e a sub­missão do possuído é manifesta sem resistência, evitando conflitos no possuidor, não obstante, em conflito aquele que se deixa possuir, até o momento da indiferença, por satura­ção, desinteresse, ou da reação, do rompimento, transforman­do-se o afeto-posse em animosidade, em ódio.

Necessária uma nova conduta e para isto a psicologia pro­funda se torna o estudo de uma nova linguagem libertadora.

A palavra é um símbolo que veste a idéia; por sua vez, formulação de pensamento, que se torna uma memória acu­mulada e retorna quando se deseja vesti-lo.

A memória da sociedade adicionou conceitos sobre o amor e o relacionamento, estabelecendo sinais que os caracterizam, sem que auscultasse as suas estruturas psicológicas despidas de símbolos.

O homem deve comprometer-se ao autodescobrimento, para ser feliz, identificando seus defeitos e suas boas quali­dades, sem autopunição, sem autojulgamento, sem autocon­denação.

Pescá-los, no mundo íntimo, e eliminar aqueles que lhe constituem motivos de conflitos, deve ser-lhe a meta... Não se sentir feliz ou desventurado, porém empenhar-se por atenuar as manifestações primitivas de agressividade e pos­se, desenvolvendo os valores que o equipem de harmonia, vivendo bem cada momento, sem projetos propiciadores de conflitos em relação ao futuro ou programas de reparação do passado.

Simplesmente deve renovar-se sempre para melhor, agin­do com correção, sem consciência de culpa, sem autocom­paixão, sem ansiedade. Viver o tempo com dimensão atem­poral, em entrega, em confiança, em paz.

Pode-se dizer que, no amor, quando alguém se identifica com a pessoa a quem supõe amar, esta, apenas, realizando um ato de prolongamento de si mesmo, portanto, amando-se, e não à outra pessoa. Esta identificação se baseia na memória do prazer e da dor, das alegrias e dos insucessos, portanto, amando o passado e as suas concessões, e não a pessoa em si, neste momento, como é. É habitual dizer-se: “— Amo, porque ela (ou ele) tem compartido da minha vida, das minhas lutas; ajudou-me, sofreu ao meu lado, etc.”

O sentimento que predomina aí é o de gratidão, e grati­dão, infelizmente, não é amor, é reconhecimento que deve retribuir, compensar, quando em verdade, o amor é só doa­ção.

Imprescindível, assim, uma nova linguagem que rompa com o atavismo, com a memória da sociedade, acumulada de símbolos, falsos uns, e inadequados outros.

Os relacionamentos humanos tornam-se, portanto, per­turbadores, desastrosos, por falta de maturidade psicológica do homem, em razão, também, dos seus conflitos, das suas obsessões e ansiedades.

Graças ao autoconhecimento ele adquire confiança, e os seus conflitos cedem lugar ao amor, que se transforma em núcleo gerador de alegria com alta carga de energia vitaliza­dora.

O amor, porém, entre duas ou mais pessoas somente será pleno, se elas estiverem no mesmo nível.

A solução, para os relacionamentos perturbadores, não éa separação, como supõem muitos.

Rompendo-se com al­guém, não pode o indivíduo crer-se livre para um outro tentame, que lhe resultaria feliz, porqüanto o problema não é a da relação em si, mas do seu estado íntimo, psicológico. Para tanto, como forma de equacionamento, só a adoção do amor com toda a sua estrutura renovadora, saudável, de plenifica­ção, consegue o êxito almejado, porqüanto, para onde ou para quem o indivíduo se transfira, conduzirá toda a sua memória social, o seu comportamento e o que é.

Desse modo, transferir-se não resolve problemas. Antes, deve solucionar-se para trasladar-se, se for o caso, depois.


30

Manutenção de propósitos

O homem é um ser muito complexo. Somatório das suas experiências passadas tem, no inconsciente, um completo arquivo da raça, da cultura, das tradições que lhe influem no comportamento.

Por outro lado, a educação, os hábitos, os fenômenos psi­cológicos e fisiológicos estão a alterá-lo a cada momento.

Do acúmulo destes valores resultam-lhe as aspirações, as tendências e anseios, seus conflitos, ansiedades e realizações.

O inconsciente, como efeito, está sempre a ditar-lhe o que fazer e o que a realizar, inclinando-o numa ou noutra direção. Todavia, o mecanismo essencial da Vida impulsio­na-o para o progresso, para a evolução, mediante os progra­mas de autoburilamento, de orientação, de trabalho...

O resultado natural deste processo é uma mente confusa, buscando claridade; são problemas psicológicos, aguardan­do solução.

Torna-se-lhe imperiosa a adoção de propósitos para saber o motivo da confusão mental e entender os problemas, antes que tentar solucioná-los superficialmente, deixando em aberto novas dificuldades deles decorrentes.

A solução de agora pode satisfazê-lo por momentos, po­rém se não são entendidos, eles retornam por outro processo, permanecendo na condição de conflitos a resolver.

Para que se mantenha o propósito de entendimento de si mesmo e da Vida, faz-se necessário um percebimento inte­gral de cada fato, sem julgamento, sem compaixão, sem acu­sação.

Examiná-lo com imparcialidade, na sua condição de fato que é, com uma mente inocente, sem passado, sem futuro, apenas presente, mediante uma honesta compreensão, é a for­ma segura de o entender, portanto, de o perceber e digeri-lo convenientemente, sem dar margem a novos comprometimen­tos. Sem tal experiência se está tentando burlar a mente, qual se deseje saber por palavras o que se passa em algum lugar, sem interesse de ir-se lá, de conhecer-se pessoalmente.

Esta é uma conduta de quem somente busca informação sem inte­resse pelo conhecimento real, desde que se nega ao esforço do deslocamento até o lugar em pauta.

O entendimento de si mesmo, a fim de encontrar as raízes dos problemas, para extirpá-los, exige uma energia perma­nente, um propósito perseverante, mantidos com inteireza moral e psicológica. Em caso contrário, desejam-se apenas, informações verbais, sem mais profundas conseqüências.

Todos os problemas existentes no homem, dele mesmo procedem, das suas complexidades, da dominação do seu ego.

Normalmente, em razão do próprio passado, as tentativas de manter os propósitos de autoconhecimento, sem acumula­ção de dados especulativos, mas de real identificação de si mesmo, redundam em insucesso pela falta de perseverança, pelo desânimo diante das dificuldades do começo da empre­sa e pelo desinteresse de libertar-se dos conflitos.

O homem se queixa que o autoconhecimento exige des­pesa de energia face ao desgaste que o esforço provoca. Tal­vez não seja necessária uma luta como a que se trava em outras atividades. A manutenção dos conflitos produz muito mais consumpção de forças. Basta uma atitude de desvalori­zação dos problemas, como quem deixa cair um fardo sim­plesmente, ao invés de empenhar-se por atirá-lo fora.

A manutenção dos propósitos de renovação e de auto-aprimoramento é resultado de uma aceitação normal e de todo momento, da necessidade de autodescobrir-se, morrendo para as constrições e ansiedades, os medos e rotinas do cotidiano. Desta ação consciente, de que se impregna, o homem se ple­nifica interiormente, sem neurose ou outros quaisquer fenô­menos psicóticos, perturbadores da personalidade e da vida.


31

Leis cármicas e felicidade

Nas experiências psicológicas de amadurecimento da per­sonalidade, na busca da plenitude, a incerteza é indispensá­vel, pois que ela fomenta o crescimento, o progresso, signifi­cando insatisfação pelo já conseguido.

A certeza significaria, neste sentido, a cessação de moti­vos e experiências, que são sempre renovadores, facultando a ampliação dos horizontes do ser e da vida.

Graças à incerteza, que não representa falta de fé, os erros são mais facilmente reparáveis e os êxitos mais significati­vos. Ela ajuda na libertação, pois que a presença do apego, no sentimento, gera a dor, a angústia. Este último, que funci­ona como posse algumas vezes, como sensação de segurança e proteção noutras ocasiões, desperta o medo da perda, da solidão, do abandono.

A verdadeira solidão — a mente estar livre, descompro­metida, observando sem discutir, sem julgar — é um estado de virtude — nem memória conflitante do passado, nem desespe­ro pelo futuro não delineado — geradora de energia, de cora­gem.

Normalmente, o medo da solidão é o fantasma do estar sozinho, sem ninguém a quem submeter ou a quem subme­ter-se.

A insegurança porque se está a sós assusta, como se a presença de outra pessoa pudesse evitar os fenômenos auto­máticos de transformação interna do ser — fisiológica e psico­logicamente — impedindo os acontecimentos desagradáveis ou a morte.

É necessário que o homem aprenda a viver com a sua solidão — ele que é um cosmo miniaturizado, girando sob a influência de outros sistemas à sua volta — com o seu silêncio criativo, sem tagarelice, liberando-se da consciência de cul­pa, que lhe vem do passado.

Destinado à liberdade plena, encontra-se encurralado pe­las lembranças arquivadas nos painéis do inconsciente — sua memória perispiritual — que lhe põem algemas em forma de ansiedade, de fobias, de conflitos.

Mesmo quando os fatores da vida se lhe apresentam tran­qüilizadores, evade-se do presente sob suspeitas injustificá­veis de que não merece a felicidade, refugiando-se no possí­vel surgimento de inesperados sofrimentos.

A felicidade relativa é possível e se encontra ao alcance de todos os indivíduos, desde que haja neles a aceitação dos acontecimentos conforme se apresentam. Nem exigências de sonhos fantásticos, que não se corporificam em realidade, tampouco o hábito pessimista de mesclar a luz da alegria com as sombras densas dos desajustes emocionais.

As heranças do passado espiritual ressumam em mani­festações cármicas, que devem ser enfrentadas naturalmente por fazerem parte da vida, elementos essenciais que são cons­titutivos da existência.

Como decorrência de uma vida anterior dissoluta, sur­gem os conflitos, as castrações, os tormentos atuais, da mes­ma forma, como efeito do uso adequado das funções se apresentam as bênçãos de plenificação.

As leis cármicas, que são o resultado das ações meritórias ou comprometedoras de cada indivíduo, geram, na economia evolutiva de cada um, efeitos correspondentes, estabelecen­do a ponderabilidade da Divina Justiça, presente em todos os fenômenos da Natureza e da Criação.

O fatalismo cármico da evolução é a felicidade humana, quando o ser, depurado e livre, sentir-se perfeitamente inte­grado na Consciência Cósmica.

A sua marcha, embora as aparências dissonantes de ale­gria e tristeza, de saúde e doença, está incursa no processo das conquistas que lhe cumpre realizar, passo a passo, com dignidade e com iguais condições delegadas aos seus seme­lhantes, sem protecionismos vis ou punições cerceadoras In­devidas, que formaram os arquétipos de privilégio e recusa latentes em muitos.

A resolução para ser feliz rompe as amarras de um carma negativo, face ao ensejo de conquistar mérito através das ações benéficas e construtivas, objetivando a si mesmo, o próximo e a sociedade.

Nenhum impedimento na vida à felicidade.

Uma resignação dinâmica ante o infortúnio — a naturali­dade para enfrentar o insucesso negando-se a que interfiram no estado de bem-estar íntimo, que independe de fatores ex­ternos — realiza a primeira fase do estágio feliz.

O amadurecimento psicológico, a visão correta e otimista da existência são essenciais para adquirir-se a felicidade pos­sível.

Na sofreguidão da posse, o homem supÕe que o apego às coisas, a disponibilidade de recursos, a ausência de proble­mas são os fatores básicos da felicidade e, para tanto, se em­penha com desespero.

Ao desfrutar deles, porém, dá-se conta que não se encon­tra ditoso, embora confortado, porque é no seu mundo ínti­mo, de satisfação e lucidez em torno das finalidades da vida, que estão os valores da plenitude.

As leis cármicas são a resposta para que alguns indivídu­os fruam hoje o que a outros falta, ao mesmo tempo são a esperança para aqueles que lutam e anelam, acenando-lhes a Possibilidade próxima de aquisição dos elementos que felici­tam.

Idear a felicidade sem apego e insistir para consegui-la; trabalhar as aspirações íntimas, harmonizando-as com os li­mites do equilíbrio; digerir as ocorrências desagradáveis como parte do processo; manter-se vigilante, sem tensões nem re­ceios e se dará o amadurecimento psicológico, liberativo dos carmas de insucesso, abrindo espaço para o auto-encontro, a paz plenificadora.


OITAVA PARTE

O HOMEM PERANTE A CONSCIÊNCIA


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Nascimento da consciência

Antropológica e historicamente, a sobrevivência equili­brada do homem e da sociedade tem estado sempre vincula­da à idéia de um mito central, no qual se haurem os valores éticos de sustentação das suas atividades e do seu equilíbrio. Toda vez em que fatores adversos interferem nos mitos hu­manos, desacreditando aquele que sintetiza as suas aspira­ções, os homens se encaminham para o caos e se agridem e se perturbam, parecendo haver perdido o rumo.

Passada a tempestade, os seus remanescentes, não des­truídos in totum, emergem, dando surgimento a uma nova ideação, e um mito criativo aparece preenchendo a lacuna deixada pelo anterior.

No estado atual da sociedade existe a carência de um mito predominante, que aglutine todas as mentes, sobre elas der­ramando as suas benesses e confortando-as.

A perda do mito expõe os conteúdos psíquicos, que alte­ram os objetivos das suas necessidades, fazendo-os mergu­lhar no vazio ou no desinteresse, no prazer ou na alucinação do poder.

Em se considerando que nenhum desses objetivos pleni­fica o indivíduo, ele passa a disputar a necessidade abrangen­te do despertar da consciência, interpretando os mitos meno­res nele jacentes.

Jung, em uma análise profunda, estabeleceu que “a exis­tência só é real quando é consciente para alguém”, afirmando a necessidade que o Criador possui em relação ao homem consciente.

Oportunamente, voltou a esclarecer que “a tarefa do homem é (...) conscientizar-se dos conteúdos que pressio­nam para cima, vindos do inconsciente”. Esse despertar e cres­cimento da consciência, ainda segundo o eminente psicana­lista, termina por afetar-lhe também o inconsciente.

É obvio que, se os conteúdos psíquicos emergentes for­mam a consciência, as contribuições atuais desta se irão in­corporar ao inconsciente que surgirá mais tarde.

Deste modo, o nascimento da consciência se opera medi­ante a conjunção dos contrários, como decorrência de uma variada gama de conteúdos psíquicos, que formam as impres­sões arquetípicas ao fazerem contato com o ego, dando sur­gimento à sua substância psíquica e tornando todo esse tra­balho um processo de individuação.

Daí surgem os discernimentos entre as coisas opostas, o eu e o não-eu, o ego e o inconsciente, o sujeito e o objeto, a própria pessoa e a outra. Dando campo aos conflitos, este sentimento que enfrenta e contesta torna-se uma forma alta­mente criativa de luta, cuja vitória proporciona satisfação, ampliação e aprimoramento da vida.

Sem essa dualidade dos opostos, que leva à reflexão, no processo de individuação, não há aumento real de consciên­cia, que somente se opera entrando em contato com os opos­tos e os absorvendo.

A consciência, do ponto de vista filosófico, é “um atribu­to altamente desenvolvido na espécie humana e que se carac­teriza por uma oposição básica, essencial. E o atributo pelo qual o homem toma em relação ao mundo — bem como aos denominados estados interiores e subjetivos — a distância em que se cria a possibilidade de níveis mais altos de integra­ção...

Por sua vez, declara, ainda, Jung. a consciência é “a rela­ção dos conteúdos psíquicos com o ego, na medida em que essa relação é percebida como tal, pelo ego”. E conclui que “as relações com o ego que não são percebidas como tal são inconscientes”. Estabelece, ademais, a diferença entre cons­ciência e psique, que esta última “representa a totalidade dos conteúdos psíquicos” e como esses conteúdos, na sua totali­dade, não estão vinculados no ego, tais não são consciência.

Nos mitos centrais de todos os povos, os opostos forma­ram a essência das suas crenças, dos seus conteúdos psíqui­cos geradores da consciência.

Encontramo-los nas religiões da antigüidade oriental e, particularmente, no mito da Criação, no qual, os conflitos da treva e da luz, do bem e do mal são relevantes. O Zoroastris­mo também o ressuscitou e, mais tarde, a alquimia facultou o surgimento da Pedra Filosofal como mediadora dos opostos, do Santo Gral, como depósito que compõe as bases da cons­ciência humana, a se avolumar através dos tempos, dando, desde o início, a idéia das suas várias expressões, tais: a cons­ciência moral, a consciência de fé, a consciência do dever, de justiça, de paz, de amor...

Os equipamentos constitutivos da consciência sutilizam­-se, e adquirem mais amplas percepções que facultam o de­senvolvimento emocional e ético do homem, auxiliando-o na liberação de conflitos.

As heranças atávicas, que se convertem em arquétipos, no inconsciente individual e coletivo dizem respeito às reali­dades do Espírito, em si mesmo responsável pelos resíduos psíquicos, que se transformam nos conteúdos preponderan­tes para a formação da consciência.

O homem deve adquirir o conhecimento para elevar-se do ser bruto, tornando-se o sujeito detentor da consciência. Não lhe bastará conhecer, mas também, viver a experiência de ser o objeto conhecido. Não somente conhecer de fora para dentro, porém, vivenciar o que é conhecido, incorporando-o à sua realidade. Enquanto o ego conhece, o outro passa a ser um objeto detido, conhecido, o que não plenifica. Esta satis­fação advém quando o ego, passando pela vivência do que conhece, torna-se, por sua vez, conhecido pelo outro, que tam­bém tem a função de sujeito conhecedor. O ego adquire, des­se modo, a consciência autêntica, no momento em que é su­jeito que conhece o objeto conhecido.

Indispensável, nesse jogo do conhecer sendo conhecido, que se não crie uma dependência em relação à pessoa que conhece. A vida saudável é a que decorre da liberdade cons­ciente, capaz de enfrentar os obstáculos e dificuldades que se apresentam no relacionamento humano e na própria indivi­dualidade. Esta é a meta que a consciência almeja.


33

Os sofrimentos humanos

Buda considerou a vida como uma forma de sofrimento e que a sua finalidade era, exclusivamente, encontrar a manei­ra de libertar-se dele. Para o budismo, a vida é constituída de misérias que geram o sofrimento; por sua vez, o sofrimento é causado pelos desejos insatisfeitos ou pelas emoções pertur­badoras e (o sofrimento) deixará de existir se forem elimina­dos os desejos, sendo necessário, para tanto, uma conduta moderada, e a entrega à meditação em torno das aspirações elevadas do ser.

A fim de transmitir adequadamente suas lições, o prínci­pe Gautama utilizou-se de parábolas, conforme fez Jesus mais tarde.

O fundamento essencial dos seus ensinos se encontra na Lei do carma, graças à qual o homem é o construtor de sua desdita ou felicidade, mediante o comportamento adotado no período da sua existência corporal. Em uma etapa, a aprendi­zagem equipa-o para a próxima, sendo que a soma das expe­riências e ações positivas anula aquelas que lhe constituem débito propiciador de sofrimento.

O sofrimento se apresenta, na criatura humana, como uma enfermidade, que necessita de tratamento conveniente, em que se invistam todos os valores ao alcance, pela primazia de lograr-se o bem-estar e o equilíbrio fisiopsíquico.

Deste modo, o sofrimento pode decorrer do desgosto or­gânico ou mental que é um processo degenerativo do instru­mento material do homem. As doenças campeiam, e a recep­tividade daqueles que se encontram incursos nos códigos da Justiça Divina sofrem-nas, mediante as coarctações danosas dos mecanismos genéticos, ou por contaminação posterior, escassez alimentar, traumatismos físicos e psicológicos, num emaranhado de causas próximas, decorrentes dos compro­missos negativos do passado mais remoto.

Noutro caso, o sofrimento resulta da transitoriedade da própria vida física e da fragilidade de todos os bens que pro­porcionam prazer por um momento, convertendo-se em ra­zão de preocupação, de arrependimento, de amargura.

A busca do prazer é inata, instintiva, e o homem se lhe aferra na condição de meta prioritária.

Não raro, ao conse­gui-lo, frui da satisfação momentânea e, por insatisfação psi­cológica, propõe-se a prolongá-lo indefinidamente, sofrendo ante a impossibilidade de o manter, pelas alterações naturais que se derivam da impermanência de tudo, pela saturação e, finalmente, pela perda de objetivo após conseguido o anelo.

Por fim, surge o sofrimento dos condicionamentos de or­dem física e mental.

Os hábitos arraigados constituem uma segunda natureza, com prevalência na conduta psicológica do homem. As alte­rações e transformações produzem sofrimento, pela necessi­dade de ajustamento, pelo esforço da adaptação, e os altibai­xos da emoção que tende a reagir às mudanças que se devem operar na conduta.

Encontrado o sofrimento, o homem tem o dever de iden­tificar as suas causas, que procedem dos atos degenerativos próximos ou remotos, referentes às suas reencarnações. Ao lado daqueles que ressumam das dívidas cármicas, estão os decorrentes das suas emoções desequilibradas, que têm nas­centes no egoísmo, no apego, na imaturidade psicológica. Dentre outros, apresentam-se em plano de destaque, o medo, o ciúme, a ira, que explodem facilmente engendrando sofri­mento.

Chega o momento de buscar-se a cessação deles, qual ocorre com as enfermidades que devem ser tratadas com ca­rinho, porém com disciplina. De um lado, é imprescindível ir-se às causas, a fim de fazê-las parar, ao mesmo tempo evi­tar novos fatores desencadeantes. Conhecidas as origens, mais fáceis se tornam as terapias que, aplicadas convenientemen­te, resultam favoráveis ao clima de saúde e de bem-estar.

O esforço empreendido para o término do sofrimento, apresenta-se em etapas que se vão incorporando ao dia-a-dia do indivíduo cioso da sua necessidade de paz.

Impõe-se-lhe o trabalho de condicionar a mente à neces­sidade da harmonia, recorrendo à meditação em torno das finalidades altruísticas da vida, disciplinando a vontade, exer­citando a tranqüilidade diante dos acontecimentos que não podem ser evitados, das ocorrências denominadas tragédias, das quais pode retirar excelentes resultados para o comporta­mento e a auto-realização. O processo da cessação do sofri­mento dá-se, ainda, através do sofrimento que propicia satis­fação pela certeza que advém de se estar liberando da sua áspera constrição.

Enfrentar, portanto, o sofrimento, sem válvulas psicoló­gicas escapistas, é uma atitude saudável, muito distante da distonia masoquista habitual. Também resulta de uma dispo­sição consciente para o homem enfrentar-se desnudado, com uma visão otimista em torno do futuro por conquistar.

Realmente, o sofrimento faz parte do mecanismo da evo­lução na Terra. Nos reinos vegetal e animal ele se encontra na embrionária percepção das plantas, que sofrem as agressões e hostilidades do meio, as contaminações e processos dege­nerativos. Entre os animais, desde os menos expressivos até os mais avançados biologicamente, o sofrimento se manifes­ta na sensibilidade nervosa, como forma de produzir novos e mais perfeitos biótipos, em constante adaptação e harmonia das formas do psiquismo neles latente.

A superação do sofrimento é, sem dúvida, o grave desa­fio da existência humana, que a todos cumpre conseguir.


34

Recursos para a liberação dos sofrimentos

A coragem é fator decisivo para o bem do indivíduo na sua historiografia psicológica. Para hauri-la, basta o interes­se consciente e duradouro em favor da aquisição da felicida­de, que se deve tornar a meta essencial da sua existência. Inexistente esta necessidade tampouco há sofrimento, por­que, a ausência das aspirações nobres resulta da morte dos ideais, provocada pela indiferença da vida, em uma psicopa­tologia grave.

O sofrimento, em si mesmo, é fonte motivadora para as lutas de crescimento emocional e amadurecimento da perso­nalidade, que passa a compreender a existência de maneira menos sonhadora e mais condizente com a sua realidade. Os jogos e ilusões da idade infantil, superados, dão ensejo a uma integração consciente do indivíduo no grupo social no qual se encontra, fomentando o esforço pelo bem dos demais, por saber-se membro valioso e entender, por experiência pesso­al, os gravames que a dor proporciona. Inobstante esta ex­periência lúcida, sabe que o esforço a envidar para liberar-se dos sofrimentos é, por sua vez, conquista da inteligência e do sentimento postos a serviço da sua realização pessoal e co­munitária.

Na maior parte dos métodos, a vontade do paciente pre­valece como fator de alta importância.

Excetuando-se os re­feridos sofrimentos por sofrimentos, e mesmo em grande parte deles, a reflexão bem direcionada gera uma psicosfera de paz, renovadora, que o envolve e alimenta, levando à liberação deles.

Relacionemos algumas fases da terapia liberativa:

a) Considerar todos os indivíduos como dignos de ser amados e tomar por modelo alguém que o ama e se lhe dedica, por isto mesmo, credor de receber todo o afeto.

Este sentimento, sem apego nem interesse gerador de emoções perturbadoras, desarma o indivíduo de suspeitas, de ansiedades e medos, ao mesmo tempo dirimindo as incom­preensões de outrem e desarticulando quaisquer planos infe­lizes.

Uma visão favorável sobre alguém dilui as nuvens den­sas que lhe obscurecem a personalidade, facultando um rela­cionamento positivo. A não-reação à agressividade do outro desmantela-lhe a couraça de prepotência, na qual se oculta. Se a resposta é otimista e sem azedume, conquista-o para um intercâmbio útil, ampliando-lhe o círculo de expressões afe­tivas. Logo, este sentimento contribui para anular os efeitos do sofrimento moral e dissipar algumas, senão todas as suas causas perturbadoras.

O ato de ver bem as demais pessoas, torna-se um hábito terapêutico preventivo, em relação às agressões do meio am­biente, dos companheiros, constituindo um encorajamento para a luta libertadora.

O cultivo, a expansão de idéias e conceitos edificantes apagam o incêndio ateado pelo pessimismo da maledicência, da inveja, da calúnia, tornando respirável a atmosfera social do grupo onde o homem se localiza.

b) Identificar e estimular os traços de bondade do caráter alheio.

Não há solo, por mais sáfaro, que, tratado, não permita o vicejar de plantas. Em todo sentimento existem terras férteis para a bondade, mesmo quando cobertas por caliça e pedregulhos. Um trabalho, breve que seja, afastando o impedimen­to, e logo esplendem os recursos próprios para a sementeira da esperança.

Os indivíduos que se notabilizavam pela maldade na vida privada e no seu círculo social, revelavam-se bondosos e gentis tornando-se amados pela família e pelo grupo, mesmo co­nhecendo-lhes as atrocidades em que eram exímios.

A maldade sistemática, a impiedade, o temperamento hostil revelam as personalidades psicopatas que, antes, ne­cessitam de ajuda, ao invés de reproche. A bondade, neles latente, aguarda o momento de manifestar-se e predominar, mudando-lhes o comportamento.

Com tal atitude, a de identificar a bondade, torna-se pos­sível a superação do sofrimento, como quer que se apresente, especialmente o que tem procedência moral.

c) Aplicar a compaixão quando agredido.

Uma reação de pesar, ante o ato infeliz, produz um efeito positivo no agressor. Proporciona o equilíbrio à vítima, que não desce à faixa vibratória violenta em que o outro se demo­ra. Impede a sintonia com a cólera e seus famanazes, impos­sibilitando a instalação de enfermidades nervosas e distúrbi­os gastrointestinais e outros, face à não absorção de energias deletérias.

A compaixão dinâmica, aquela que vai além da piedade buscando ajudar o infrator, expressa bondade e se enriquece de paixão participativa, que levanta o caído, embora seja ele o perturbador.

Essa conduta impede que se instale o sofrimento na cria­tura.

d) O amor deve ser uma constante na existência do homem.

Há em tudo e em todos os seres a presença do Amor. Em um lugar revela-se como ordem, noutro beleza e, sucessivamente, harmonia, renovação, progresso, vida, convocando à reflexão.

O amor é o antídoto mais eficaz contra quaisquer males. Age nas causas e altera as manifestações, mudando a estrutu­ra dos conteúdos negativos quando estes se exteriorizam.

Revela-se no instinto e predomina durante o período da razão, responsabilizando-se pela plenificação da criatura.

O amor instaura a paz e irradia a confiança, promove a não-violência e estabelece a fraternidade que une e solidariza os homens, uns com os outros, anulando as distância e as suspeitas. É o mais poderoso vínculo com a Causa Geradora da Vida. É o motor que conduz à ação bondosa, desdobrando o sentimento de generosidade, ao mesmo tempo estimulando à paciência.

Graças à sua ação, a pessoa doa, realizando o gesto de generosa oferta de coisas, até o momento em que é levado àautodoação, ao sacrifício com naturalidade.

O amor é o rio onde se afogam os sofrimentos, pela im­possibilidade de sobrenadarem nas fortes correntezas dos seus impulsos benéficos. Sem ele a vida perderia o sentido, a sig­nificação. Puro, expressa, ao lado da sabedoria, a mais rele­vante conquista humana.


35

Meditação e ação

O autodescobrimento é o clímax de experiências do co­nhecimento e da emoção, através de uma equilibrada vivên­cia.

Para consegui-lo, faz-se indispensável o empenho com que o homem se aplique na tarefa que o possibilita. É certo que o tentame se reveste inicialmente de várias dificuldades aparentes, todas passíveis de superadas.

A realização de qualquer atividade nova se apresenta com­plexa pelo inusitado da sua própria constituição. Não há, to­davia, nada, com que o indivíduo não se acostume. Demais, tudo aquilo que se torna habitual reveste-se de facilidade.

Assim, a busca de si mesmo, para a liberação de confli­tos, amadurecimento psicológico, afirmação da personalida­de, resulta de uma consciente disposição para meditar, evi­tando o emprego de largos períodos que se transfórmam em ato constrangedor e aborrecido.

A meditação deve ser, inicialmente, breve e gratificante, da qual se retorne com a agradável sensação de que o tempo foi insuficiente, o que predispõe o candidato a uma sua di­latação.

Através de uma concentração analítica, o neófito exami­na as suas carências e problemas, os seus defeitos e as solu­ções de que poderá dispor para aplicar-se. Não se trata de uma gincana mental, mas de uma sincera observação de si mesmo, dos recursos ao alcance e dos temores, condiciona­mentos, emoções perturbadoras que lhe são habituais. Estu­dando um problema de cada vez, surge a clara solução como proposta liberativa que deve ser aplicada sem pressa, com naturalidade.

A sua repetição sistemática, sem solução de continuida­de, uma ou duas vezes ao dia, cria uma harmonia interior capaz de resistir às investidas externas sem perturbar-se, por mais fortes que se apresentem.

Após a meditação analítica, descobrindo as áreas frágeis da personalidade e os pontos nevrálgicos da conduta, o exer­cício de absorção de forças mentais e morais torna-se-lhe o antídoto eficiente, que predispõe ao bem-estar, encorajando ante as inevitáveis lutas e vicissitudes do viver cotidiano.

As empresas do dia-a-dia fazem-se fenômenos existenci­ais que não assustam, porque o indivíduo conhece as suas possibilidades de enfrentamento e realização, aceitando umas, e de outras declinando, sem aturdimentos emocionais, nem apegos perturbadores.

Sucessivamente passa do estado de análise para o de tran­qüilidade, deixando a reflexão e experimentando a harmo­nia, sem discussão intelectiva, como quem se embriaga da beleza de uma paisagem, de uma agradável recordação, da audição de uma página musical, de um enlevo, nos quais ape­nas frui, sem questionamento, sem raciocinar. Fruir é banhar-se por fora e penetrar-se por dentro, simplesmente, desfru­tando.

Passado um regular período de alguns anos, por exemplo, a avaliação patenteará os resultados.

Quais as conquistas ob­tidas? De que se libertou? Quantas aquisições de instrumen­tação para o equilíbrio? Estas questões se revestem de magna significação, por atestarem o progresso emocional logrado, dispondo a mais amplos experimentos.

A meditação, portanto, não deve ser um dever imposto, porém, um prazer conquistado.

Sem a claridade interior para enfrentar os desafios pesso­ais, o indivíduo transfere-os de uma para outra circunstância, somando frustrações que se convertem em traumas inconsci­entes a perturbarem a inteireza da personalidade.

A meditação, no caso em pauta, abre lugar à ação, sendo, ela mesma, uma ação da vontade, a caminho da movimenta­ção de recursos úteis para quem a utiliza e, por extensão, para as demais pessoas.

O homem, que se autodescobre, faz-se indulgente e as suas se tornam ações de benevolência, beneficência, amor. O seu espaço íntimo se expande e alcança o próximo, que al­berga na área do seu interesse, modificando para melhor a convivência e a estrutura psicológica do seu grupo social.

A ação consolida as disposições comportamentais do in­divíduo, ora impregnado pelo idealismo de crescimento emo­cional, sem perturbações, e social, sem conflitos de relacio­namento.

Em razão da sua identidade transparente, passa a compre­ender os dilemas e dificuldades dos outros, cooperando a be­nefício geral e fazendo-se mola propulsionadora do progres­so comum.

A ação é o coroamento das disposições íntimas, a materi­alização do pensamento nas expressões da forma. Aquela que resulta da meditação é proba, e tem como objetivos imedia­tos a transformação do ambiente e do homem, ensejando­-lhes recursos que facultam a evolução e a paz.

Assim, o ato de meditar deve ser sucedido pela experiência do viver-agir, porqüanto será inútil a mais excelente terapia teórica ao paci­ente que se recusa, ou não se resolve aplicá-la na sua enfermidade.

Tal procedimento, a ação bem vivenciada, faz que o ho­mem se sinta satisfeito consigo mesmo, o que lhe faculta es­pontânea alegria de viver, conhecendo-se e amadurecendo psicologicamente para a existência.

Caracterizam a conduta de um homem que medita e age, uma mente bondosa e um coração afável. Vencendo as suas más inclinações adquire sabedoria para a bondade, evitando as paixões consumidoras. Assim, faz-se pacífico e produti­vo, não se aborrecendo, nem brigando, antes harmonizando tudo e todos ao seu redor.

Essa transformação processa-se lentamente, e ele se dá conta só após vencidas as etapas da incerteza e do treinamen­to.

A ação gentil coroa-lhe o esforço, nunca lhe permitindo a presença da amargura, do ódio, do ressentimento e dos seus sequazes...

Uma das diferenças entre quem medita e aquele que o não faz, é a atitude mental mediante a qual cada um enfrenta os problemas. O primeiro age com paciência ante a dificul­dade e o segundo reage com desesperação.

Assim, o importante e essencial é dominar a mente, ad­quirindo o hábito de ser bom.


NONA PARTE

O FUTURO DO HOMEM


36

A morte e seu problema

Fatalidade biológica, a morte é fenômeno habitual da vida. Na engrenagem molecular, associam-se e desagregam-se par­tículas, transformando-se através do impositivo que as cons­titui, face à finalidade específica de cada uma. Por efeito, o mesmo ocorre com o corpo, no que resulta o fenômeno co­nhecido como morte.

Desinformado quanto aos mecanismos da forma e da fun­cionalidade orgânica, desestruturado psicologicamente, o homem teme a morte, em razão do atavismo representativo do fim da vida, da consumpção do ser.

Em variadas culturas primitivas e contemporâneas, para fugir-se à realidade desta inevitável ocorrência, foram cria­dos cerimoniais e cultos religiosos que pretendem diminuir o infausto acontecimento, escamoteando-o, ao tempo em que se adorna o morto de esperança quanto à sobrevivência.

Em muitas sociedades do passado, era comum colocar-se entre os dentes dos falecidos uma moeda de ouro, para re­compensar o barqueiro encarregado de conduzi-lo à outra margem do rio da Vida. Na Grécia, particularmente, este uso se tornou normal, objetivando compensar a avareza de Ca­ronte, que ameaçava deixar vagando os não-pagantes, quan­do da travessia do rio Estige, segundo a sua Mitologia.

Modernamente, repetindo o embalsamamento em que se notabilizaram os egípcios, nas Casas dos Mortos, busca-se embelezar os defuntos para que dêem a impressão de vida e bem-estar, assim liberando os vivos dos temores e das remi­niscências amargas. Todavia, por mais se mascare a verdade, chega o momento em que todos a enfrentam sem escapismo, convidados a vivenciá-la.

A morte é um fenômeno ínsito da vida, que não pode ser desconsiderado.

Neuroses e psicoses graves se estabelecem no indivíduo em razão do medo da morte, paradoxalmente, nas expressões maníaco-depressivas, levando o paciente a suicidar-se ante o temor de a aguardar.

Numa análise psicológica profunda, o homem teme a morte, porque receia a vida. Transfere, inconscientemente, o pavor da existência física para o da destruição ou transforma­ção dos implementos que a constituem. Acostumado a eva­dir-se das responsabilidades, mediante os mecanismos des­culpistas, o inexorável acontecimento da morte se lhe torna um desafio que gostaria de não defrontar, por consciência, quiçá, de culpa, passando a detestar esse enfrentamento.

Para fugir, mergulha na embriaguez dos sentidos consu­midores e das emoções perturbadoras, abreviando o tempo pelo desgaste das energias mantenedoras do corpo físico.

O homem, acreditando-se previdente e ambicioso, aplica o tempo na preparação do futuro e na preservação do presen­te. Entretanto, poderia e deveria investir parte dele na refle­xão do fenômeno da morte, de modo a considerá-lo natural e aguardá-lo com tranqüila disposição emocional. Nem o de­sejando ou, sequer, evitando driblá-lo.

A educação que se lhe ministra desde cedo, face ao mes­mo atavismo apavorante da morte, é centrada no prazer. nas delícias do ego, nas vantagens que pode retirar do corpo, sem a correspondente análise de temporalidade e fragilidade de que se revestem. Graças a essa inadvertência espocam-lhe os conflitos, as fobias, a insegurança.

Um momento diário de análise, em torno da vida física, predispõe a criatura a projetar o pensamento para mais além do portal de cinza e de lama em que se deteriora a organiza­ção somática.

Tudo, no mundo físico, é impermanente, e tal imperma­nência pode ser vista sob duas formas: a exterior ou grossei­ra, e a interior ou sutil.

Nada é sempre igual, embora a aparência que preserva nos períodos de tempo diferentes. Por isto mesmo, tudo se encontra em incessante alteração no campo das micropartí­culas até o instante em que a forma se modifica — fase sutil de impermanência. Um objeto que se arrebenta e um corpo, ve­getal, animal e humano, que morre, passam pela fase da tran­sição exterior grosseira para uma outra estrutura, experimen­tando a morte.

A morte, todavia, não elimina o continuunz da consciên­cia, após a disjunção cadavérica.

Se, desde cedo, cria-se o hábito da meditação a respeito da consciência sobrevivente, independente do corpo, a morte perde o seu efeito tabu de aniquiladora, odienta destruidora do ideal, do ser, da vida.

O tradicional enigma do que acontece após a morte deve ser de interesse relevante para o homem que, meditando, en­contra o caminho para decifrá-lo. Deixar-se arrastar pelo pa­vor ou não lhe dar qualquer importância constituem compor­tamentos alienantes.

A curiosidade pelo desconhecido, a tendência de investi­gar os fenômenos novos são atrações para a mente perquiri­dora, que encontra recursos hábeis para os cometimentos.

A intuição da vida, o instinto de preservação da existên­cia, as experiências psíquicas do passado e para-psicológicas do presente atestam que a morte é um veículo de transferên­cia do ser energético pensante, de uma fase ou estágio vibra­tório para outro, sem expressiva alteração estrutural da sua psicologia. Assim, morre-se como se vive, com os mesmos conteúdos psicológicos que são os alicerces (inconsciência) do eu racional (consciência.)

Nesta panorâmica da vida (no corpo) e da morte (do cor­po) ressalta um fator decisivo no comportamento humano: o apego à matéria, com as conseqüentes emoções perturbado­ras e extratos do comportamento contaminados, jacentes na personalidade.

Sob um ponto de vista, a manifestação do instinto de con­servação é valiosa, por limitar os tresvarios do homem que, diante de qualquer vicissitude, apelaria para o suicídio, qual acontece com certos psicopatas. De certo modo, frenado, in­conscientemente, enfrenta os problemas e supera-os com a ação eficiente do seu esforço dirigido corretamente.

Por outro lado, os esclarecimentos religiosos, embora a multiplicidade dos seus enfoques, demonstrando que a morte é período de transição entre duas fases da vida, contribuem para demitizar o pavor do aniquilamento.

Definitivamente, as experiências psíquicas, parapsicoló­gicas e mediúnicas, provocadas ou naturais, têm trazido im­portante contribuição para eqüacionar o problema da morte, dando sentido à existência.

Conscientizando-se, o homem, da continuidade do ser pensante após as transformações do corpo através da morte da forma, alteram-se-lhe, totalmente, os conceitos sobre a vida e a sua conduta no transcurso da experiência orgânica.

De qualquer forma, reservar espaços mentais para o desa­pego das coisas, das pessoas e das posições, analisando a ine­vitabilidade da morte, que obriga o indivíduo a tudo deixar, éuma terapia saudável e necessária para um trânsito feliz pelo mundo objetivo.


37

A controvertida comunicação dos Espíritos

O anseio inconsciente pela sobrevivência do ser consci­ente à morte física abre as portas da percepção psíquica, fa­cultando o devassar das sombras do além.

Já não aspira o homem sorver a água do Letes para o es­quecimento, porém sondar o que ocorre na sua outra mar­gem. E é de lá que têm vindo inesgotáveis informações, notí­cias, desafios novos, todos demonstrando a indestrutibilida­de da vida, a sua causalidade e seu finalismo inevitável.

Das civilizações antigas às modernas, desde as culturas mais primitivas até as mais bem equipadas de conhecimento e tecnologia, as tumbas descerram as suas lajes para, rom­pendo o enganoso silêncio e o falso repouso dos falecidos, apresentarem suas vozes e ações.

Por mais se dilatem os arquétipos jungianos até às suas nascentes, estratificadoras, a sobrevivência os precede, por­que foram aqueles que atravessaram a fronteira, que vieram para elucidar a ocorrência mortuária, falando sobre a imorta­lidade a que retornaram.

As suas lições ensejaram o surgimento da fé religiosa, dos cultos — mesmo os mais extravagantes — de algumas filosofias e se consubstanciaram nos desafios às modernas ciên­cias parapsicológicas, psicobiofísicas, psicotrônicas. ainda não superando a Doutrina Espírita, apresentada por Allan Kar­dec, resultado de acuradas observações e experimentos de laboratório, provando a sobrevivência do ser à sua disjunção cadavérica.

É inerente à estrutura da vida a sua indestrutibilidade, gra­ças à qual somente há transformações e nunca aniquilamen­to.

Partindo-se deste princípio de imanência, a consciência não se extingue por ocasião da desorganização cerebral. In­dependente dela, torna-a instrumento pelo qual se expressa, mas, não indispensável à sua existência.

Os fenômenos de ectoplasmia, vidência, psicofonia, psi­cografia e os mais hodiernamente estudados pela Metaciên­cia. que se utiliza de complexos aparelhos — spiricon, vidi­com — atestam a continuação e independência do Espírito àmorte do corpo.

Examinadas com cuidado inúmeras hipóteses para expli­cá-los, a única a resistir a todo cepticismo, pelos fatos que engloba, é a da imortalidade da alma com a sua conseqüente comunicabilidade.

Além dos produzidos pelo psiquismo humano, ressaltam aqueles que têm gênese nos seres de outras dimensões, que se fazem identificar de forma exaustiva e clara, não deixando outra alternativa exceto a sua realidade transcendental, de seres independentes e desencarnados.

Neste capítulo se enquadram diversas psicopatias, cujas gêneses resultam de influências espirituais mediante as quais se abre o campo das obsessões, igualmente conhecidas desde priscas eras com outras denominações. Esta influência dete­téria dos mortos sobre os vivos tem o seu reverso na que se opera graças à interferência dos anjos, dos serafins, dos santos, dos guias espirituais e familiares de inegáveis benefïci­os para a criatura humana, inclusive, na área da preservação e recuperação da saúde.

Cunhou-se, como efeito imediato, o brocardo que asseve­ra que “os mortos conduzem os vivos”, tal a ingerência que têm aqueles no comportamento destes. Eliminando-se, po­rém, o exagero, o intercâmbio psíquico e físico se dá com mais freqüência entre eles do que supõem os desinformados. E isto constitui bela página do Livro da Vida, facultando ao ser pensante a compreensão e certeza da sua eternidade, bem como ensejando atender as excelentes possibilidades de cres­cimento desalienante e a perspectiva de plenitude, fora das conturbações e dos desajustes que ocorrem no processo de seu amadurecimento psicológico e de seu autodescobrimen­to.

A transitoriedade assume a sua preponderância apenas enquanto vige a existência corporal de grande significação para estruturar a sobrevivência feliz, delineando as ativida­des futuras a ressurgirem como culpa-castigo, tranqüilida­de-prêmio, que governam e estatuem os destinos humanos.

A consciência, não se aniquilando através da morte, apri­mora-se mediante experiências extrafísicas, que lhe dilatam o campo de aquisição de recursos capazes de elucidar os enig­mas da genialidade e da demência, da lucidez e da idiotia congênitos.

Este inter-relacionamento entre o homem e os Espíritos desenvolve-lhe os sentidos extrafísicos, proporcionando-lhe um desdobramento paranormal, no qual a mediunidade lhe propicia uma vivência real nas duas esferas vibratórias onde a vida se apresenta.

Portador dessa percepção, embora habitualmente embo­tada, agiganta-se-lhe a área de sensibilidade psíquica ao edu­cá-la, como se lhe entorpece e turbam outros campos mentais, se a desconsidera ou se não dá conta da sua existência. O complexo homem é de natureza transcendental, corpo­rificando-se na forma física e dissociando-se através da mor­te, sem surgir de um para outro momento ao acaso ou desin­tegrar-se sob o capricho de uma fatalidade nefasta, destrui­dora.

A Psicologia profunda vai às raízes deste ser resgatando-o do lodo da terra e erguendo-o da lama do sepulcro, para conceder-lhe a dignidade que merece no concerto universal, como parte integrante do mesmo.

A única forma de demonstrar e confirmar a imortalidade da alma é mediante a sua comunicabilidade, o que oferece consolações e esperanças inimagináveis, por outro lado fa­cultando ao ser humano lutar com estoicismo graças à meta que o aguarda à frente, enquanto a consumpção, além de des­naturar a vida, retira-lhe todo o sentido, o significado, em razão da sua brevidade, isto sem nos referirmos aos desenla­ces precoces, aos natimortos...

A vida vem aplicando milhões de anos no seu aperfeiço­amento e complexidades, não se podendo evolar ao capricho da desoxigenação cerebral.

Com esta certeza esmaece o pavor da morte, desarticula-­se a neurose disto advinda, abrindo um leque de perspectivas positivas para o bem-estar durante a existência física, prelú­dio da espiritual para onde se ruma inexoravelmente. Os pla­nos agora já não se limitam nas balizas próximas impediti­vas, antes se dilatam encorajadores, no prosseguimento da evolução.

Deste modo, as controvérsias sobre a sobrevivência vão cedendo lugar à afirmação da vida, especialmente agora, quan­do se desdobram as terapias alternativas na área da saúde, que recorrem às memórias do passado, aos substratos da mente precedente ao corpo, mediante as quais o continuum da consciência não sofre interrupção com a morte orgânica nem sur­ge com o seu renascimento.

A vida predomina, prevalece em toda parte, sempre e vi­toriosa.


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O modelo organizador biológico

O homem é, deste modo, um conjunto de elementos que se ajustam e interpenetram, a fim de condensar-se em uma estrutura biológica, assim formado pelo Espírito — ser eterno, preexistente e sobrevivente ao corpo somático —, o perispíri­to — também chamado modelo organizador biológico, que é o “princípio intermediário, substância semimaterial que ser­ve de primeiro envoltório ao Espírito e liga a alma ao corpo. Tais, num fruto, o germe, o perisperma e a casca”(*) — e o corpo — que é o envoltório material.

Estes elementos mantêm um inter-relacionamento profun­do com os respectivos planos do Universo.

O perispírito, também denominado corpo astral, é cons­tituído de vários tipos de fluidos (energia) ou de matéria hi­perfísica, sendo o laço que une o Espírito ao corpo somático.

Multimilenarmente conhecido, atravessou a História sob denominações variadas. Hipócrates, por exemplo, chamava­o Enormon, enquanto Plotino o identificava como Corpo Aé­reo ou Ígneo. Tertuliano o indicava como Corpo Vital da Alma, Orígenes como Aura, quiçá inspirados no apóstolo Paulo que o referia como Corpo Espiritual e Corpo Incorruptível. No Vedanta ele aparece como Mano-ntaya-Kosha e no Budismo Esotérico é designado por Kainarupa. Os egípcios diziam-no Ka e o Zend Avesta aponta-o por Baodhas, a Cabala hebraica

(*) O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, 29ª edição da FEB - Nota da Autora espiritual.

por Rouach. É o Eidôlon do Tradicionalismo grego, o mia­go dos latinos, o Khi dos chineses, o Corpo sutil e etéreo de Aristóteles... Confúcio igualmente o identificou, chamando­-o Corpo Aeriforme e Leibnitz qualificou-o de Corpo fluídi­co... As variadas épocas da Humanidade defrontaram-no e por outras denominações ele passou a ser aceito.

De importância máxima no complexo humano, é o mo­derno Modelo organizador biológico, que se encarrega de plasmar no corpo físico as necessidades morais evolutivas, através dos genes e cromossomos, pois que, indestrutível, eteriza-se e se purifica durante os processos reencarnatórios elevados.

Pode-se dizer, que ele é o esboço, o modelo, a forma em que se desenvolve o corpo físico. E na sua intimidade ener­gética que se agregam as células, que se modelam os órgãos, proporcionando-lhes o funcionamento. Nele se expressam as manifestações da vida, durante o corpo físico e depois, por facultar o intercâmbio de natureza espiritual. É o condutor da energia que estabelece a duração da vida física, bem como e responsável pela memória das existências passadas que ar­quiva nas telas sutis do inconsciente atual, facultando lampe­jos ou recordações esporádicas das existências já vividas.

O filósofo escocês Woodsworth estudando-o, disse que éo Mediador plástico “através do qual passa a torrente de ma­téria fluente que destrói e reconstrói incessantemente o orga­nismo vivo.”

Na sua estrutura de energia se localizam os distúrbios nervosos, que se transferem para o campo biológico e que procedem dos compromissos negativos das reencarnações passadas.

Igualmente ele responde pelas doenças congênitas, em razão das distonias morais que conduz de uma para outra vida. Por isso mesmo, trata-se de um organismo vivo e pul­sante, sendo constituído por trilhões de corpos unicelulares rarefeitos, muito sensíveis, que imprimem nas suas intrinca­das peças as atividades morais do Espírito, assinalando-as nos órgãos correspondentes quando das futuras reencarna­ções.

Veículo sutil e organizador, é o encarregado de fixar no organismo os traumas emocionais como as aspirações da be­leza, da arte, da cultura, plasmando nos sentimentos as ten­dências e as possibilidades de realizá-las.

Graças à sua interpenetração nas moléculas que constitu­em o corpo, exterioriza, através deste, os fenômenos emocio­nais — carmas —, positivos ou não, que procedem do passado do indivíduo e se impõem como mecanismos necessários àevolução.

Comandado pelo Espírito mediante automatismos nas fai­xas menos evoluídas da Vida, pode ser dirigido consciente-mente, desde que se encontre liberado dos impositivos dos resgates dolorosos, no processo da aprendizagem compulsó­ria.

Quanto mais o homem se espiritualiza, domando as más inclinações e canalizando as forças para as aspirações de eno­brecimento e sublimação, mais sutis são as suas possibilida­des plasmadoras, dando gênese a corpos sadios, emocional e moralmente, em razão do agente causal estar liberado das aflições e limites purificadores.

O amadurecimento psicológico proporciona ao indivíduo utilizar-se das aquisições morais, mentais e culturais para estimular-lhe os núcleos fomentadores de vida, alterando sem­pre para melhor a própria estrutura física e psíquica pelo irra­diar de energias saudáveis, reconstruindo o organismo e uti­lizando-o com sabedoria para fruir da paz e da alegria de vi­ver.


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A reencarnação

Destituída de finalidade seria a vida que se diluísse na tumba, como efeito do fenômeno da morte. Diante de todas as transformações que se operam nos campos da realidade objetiva, como das alterações que se processam na área da energia, seria utópico pensar-se que a fatalidade do existir é o aniquilamento. Embora as disjunções moleculares e as mo­dificações na forma, tudo se apresenta em contínuo vir-a-ser, num intérmino desintegrar-se — reintegrando-se —, que ofere­ce, à Vida, um sentido de eternidade, além e antes do tempo, conforme as limitadas dimensões que lhe conferimos.

Nesse sentido, especificamente, o complexo humano apre­senta-se através de faixas de movimentação instável, qual ocorre com o corpo; em mecanismos de sutilização, o peris­pírito; e de aprimoramento, quando se trata do Espírito, este último, aliás, inquestionavelmente imortal.

A aquisição da consciência é o resultado de um processo incessante, através do qual o psiquismo se agiganta desde o sono, na força aglutinadora das moléculas, no mineral; à sensibilidade, no vegetal; ao instinto, no animal; e à inteligên­cia, à razão, no homem. Nesta jornada automática, funcio­nam as inapeláveis Leis da Evolução, em a Natureza, deflu­entes da Criação.

Chegando ao patamar humano, esse psiquismo, de início rudimentarmente pensante, atravessa inúmeras experiências pessoais, que o tornam herdeiro de si mesmo, em um encade­amento de aprendizagens pelo mergulho no corpo e abando­no dele, toda vez que se rompam os liames que retêm a indi­vidualidade.

Este processo de renascimentos, que os gregos denomi­navam de palingenésico, constitui um avançado sistema de crescimento intelecto-moral, fomentador da felicidade.

Graças a ele, a existência humana se reveste de dignidade e de relevantes objetivos que não podem ser interrompidos. Toda vez que surge um impedimento, que se opera um trans­torno ou sucede uma aparente cessação, a oportunidade res­surge e o recomeço se estabelece, facultando ao aprendiz o crescimento que parecia terminado.

Face a este mecanismo, os fenômenos psicológicos apre­sentam-se em encadeamentos naturais, e elucidam-se inume­ráveis patologias psíquicas e físicas, distúrbios de comporta­mento, diferenças emocionais, intelectuais e variados acon­tecimentos, nas áreas sociológica, econômica, antropológi­ca, ética, etc.

O processamento da aquisição intelectual faz-se ao largo das experiências de aprendizagem, mediante as quais o Eu consciente adiciona conteúdos culturais, ao mesmo tempo que desenvolve as aptidões jacentes, para as diversas categorias da técnica, da arte, da ética, num incessante aprimoramento de valores.

A anterioridade do Espírito ao corpo, brinda-lhe maior soma de conhecimentos do que os apresentados pelos princi­piantes no desiderato físico.

A genialidade de que uns indivíduos são portadores, em detrimento dos limites que se fazem presentes em outros se­res do mesmo gene, demonstra que os psiquismos aí expres­sos diferem em capacidade e lucidez.

Embora herdeiro dos caracteres da raça — aparência, mor­fologia, cabelos, olhos, etc. —, os valores psicológicos, inte­lecto-morais não são transmissíveis pelos genes e cromosso­mos, antes, são atributos da individualidade eterna, que trans­fere de uma para outra existência corporal o somatório das suas conquistas salutares ou perturbadoras.

Não há como negar-se a influência genética na evolução do ser, os impositivos do meio, dos costumes e dos hábitos, entretanto, impende observar que o corpo reproduz o corpo, não a mente, a consciência, que só o Espírito exterioriza.

A introdução do conceito reencarnacionista na Psicolo­gia dá-lhe dimensão invulgar, esclarecimento das dificulda­des na argumentação em torno do Inconsciente, dos arquéti­pos, individual e coletivo, estudando o homem em toda a sua complexidade profunda e, mediante a identificação do seu passado, facultando-lhe o descobrimento e utilização das suas possibilidades, do seu vir-a-ser.

Nos alicerces do Inconsciente profundo encontram-se os extratos das memórias pretéritas, ditando comportamentos atuais, que somente uma análise regressiva consegue detec­tar, eliminando os conteúdos perturbadores, que respondem por várias alienações mentais.

No capítulo dos impulsos e compulsões psicológicas, o passado espiritual exerce uma predominância irrefreável, que leva aos grandes rasgos do devotamento e da abnegação, quan­to à delinqüência, à agressividade, à multiplicidade de perso­nificações parasitárias, mesmo excluindo-se a hipótese das obsessões.

Na imensa panorâmica dos distúrbios mentais, especial­mente nas esquizofrenias, destacam-se as interferências cons­tritoras dos desencarnados que se estribam nas leis da co­brança pessoal, certamente injustificáveis, para desforçar-se dos sofrimentos que lhes foram anteriormente infligidos, em outras existências, pelas vítimas atuais.

Diante das ocorrências do déjà-vu, os remanescentes re­encarnacionistas estabelecem parâmetros sutis de lembran­ças que retornam à consciência atual como lampejos e cli­chês de evocações, ressumando dos conteúdos da inconsci­ência — ou da memória extracerebral, do perispírito — ofere­cendo possibilidades de identificação de pessoas, aconteci­mentos, lugares e narrativas já vividos, já conhecidos, antes experimentados... Desfilam, então, os fenômenos psicológi­cos das simpatias e das antipatias, dos amores alucinantes e dos ódios devoradores, que ressurgem dos arquivos da me­mória anterior ante o estímulo externo de qualquer natureza, que os desencadeiam, tais: um encontro ou reencontro; uma associação de idéias — a atual revelando a passada — uma dis­sensão ou um diálogo; qualquer elemento que constitua pon­te de ligação entre o hoje e o ontem.

Excetuando-se os conflitos que têm sua psicogênese na vida atual, a expressiva maioria deles procede das jornadas infelizes do ser eterno, herdeiro de si mesmo, que transfere as fobias, insatisfações, consciência de culpa, complexos, dramas pessoais, de uma para outra reencarnação através de automatismos psicológicos, responsáveis pelo equilíbrio das Leis que governam a Vida.

Diante de tais acontecimentos, considerando-se os fenô­menos místicos, as ocorrências paranormais. os êxtases natu­rais e os provocados, aos quais a Psicologia organicista dava gêneses patológicas, nasceu, mais ou menos recentemente, a denominada quarta força em Psicologia — sucedendo (ou completando) o Behaviorismo, a Psicanálise e a Psicologia Humanista —, que é a Escola Transpessoal. Entretanto, já no começo do século, Burcke, desejando enquadrar em uma só denominação estes e outros eventos psicológicos, cunhou o conceito de consciência cósmico, a fim de os situar em um só capítulo, tornando-se, de alguma forma, pioneiro, na área da Psicologia Transpessoal, que abrange, entre outras, as per­cepções extra-sensoriais, além da área da consciência.

Nesta conceituação, a morte é fenômeno biológico a trans­ferir o ser de uma para outra realidade, sem consumpção da vida.

O ser humano, diante da visão nova e transpessoal, deixa de ser a massa, apenas celular, para tornar-se um complexo com predominância do princípio eterno. A decisiva contri­buição dos seus pioneiros, entre os quais, Maslow, Assagioli — com a sua Psicossíntese —, Sutich, Wilber, Grof e outros, oferece excelentes recursos para a psicoterapia, liberando a maioria dos pacientes dos seus conflitos e problemas que de­sestruturam a personalidade.

Neste admirável amálgama da integração dos mais im­portantes Insights das Doutrinas psicológicas do Ocidente com as Tradições Esotéricas do Oriente, agiganta-se o Espiritis­mo, pioneiro de uma Psicologia Espiritualista dedicada ao conhecimento do homem integral, na sua valiosa complexi­dade — Espírito, perispírito e matéria — ampliando os hori­zontes da vida orgânica, a se desdobrarem além do túmulo e antes do corpo, com infinitas possibilidades de progresso, no rumo da perfeição.

Fim

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