terça-feira, 2 de outubro de 2012



O futuro espiritual ante a justiça divina



Existe,  após a morte, uma justiça divina que estabelece recompensas ou punições  de acordo com o comportamento dos Espíritos enquanto encarnados? Se  existe, como se dá o cumprimento dessa justiça? Ao morrer, para onde  vamos? Para um céu beatífico, se fizemos o bem, ou para um inferno de  chamas eternas, se fizemos o mal? Ou tudo acaba em nada, como apregoam  os que se dizem céticos ou materialistas?
Todas as religiões pregam a imortalidade da alma. O Espiritismo foi  além: demonstrou a existência dos Espíritos, da imortalidade e do mundo  espiritual. Os Espíritos superiores ensinam que a justiça divina revela-se por meio  de leis internas ou morais, insculpidas na consciência da criatura  humana, as quais se manifestam de acordo com a evolução dos seres.
O Espiritismo revela ainda a existência de um plano espiritual, que é  prioritário em relação à esfera física, sendo aquele o mundo normal,  primitivo, eterno, preexistente e que sobrevive a tudo. De lá viemos e  para lá um dia retornaremos em definitivo, após sucessivas  reencarnações, quando estivermos completamente depurados. Já o mundo  físico é uma escola, um campo de provas, onde burilamos o Espírito. A  importância do mundo espiritual é tanta que o mundo corporal poderia  deixar de existir ou nunca ter existido, no entanto, esses dois mundos, o  espiritual e o físico, interagem constantemente, apesar de serem  independentes.
O homem sempre cultivou, instintivamente, a crença inata na vida após a  morte e na existência de Espíritos. Qual a razão desse fenômeno? A nossa  própria essência imortal cuida de explicar isso, visto que somos  originários do mundo espiritual e não do mundo físico, de sorte que o  sentimento de uma existência melhor está no foro íntimo das pessoas. O  que nos falta é o autoconhecimento sobre a nossa própria herança divina.
Antes de encarnar, geralmente a criatura já sabe da existência do mundo  espiritual, que é um Espírito, conhecimento esse que permanece latente,  abafado pelos grilhões do corpo físico, mas que vem à tona aos poucos, à  medida que o ser evolui. O Espírito conserva a individualidade ou a  consciência, após a morte física, sem o que não haveria, a rigor, a  sobrevivência espiritual, visto que, nessa última hipótese, a nossa  essência moral se perderia no oceano do infinito:
Se há doutrina insensata e antissocial, é, seguramente, o niilismo que  rompe os verdadeiros laços de solidariedade e fraternidade, em que se  fundam as relações sociais.1
O homem pressente a realidade da sobrevivência após a morte e as suas  consequências, conforme tenha bem ou mal vivido, porque as experiências  das vidas transatas estão gravadas no íntimo, no âmago do Espírito. A  voz da consciência cuida de alertá-lo a respeito de sua origem e do seu  destino, mas esse reluta em ouvir essa voz interior que lhe fala ao  coração empedernido ou deseducado para percebê-la.
Perguntados sobre qual o sentimento que domina a maioria dos homens no  momento da morte (a dúvida, o temor ou a esperança?), os protetores  espirituais responderam, sem rebuços:
A dúvida, nos céticos endurecidos; o temor, nos culpados; a esperança, nos homens de bem.2
Se a morte fosse a destruição completa do ser, muito ganhariam com ela  os maus, pois se veriam livres, ao mesmo tempo, do corpo, do Espírito e  dos vícios. É uma ideia materialista que repugna o bom-senso e a lógica. A crença de  que após a morte física vem o nada é incompatível com a perfeição, a  justiça e a bondade de Deus.
Um dos atributos divinos, que inclui a perfeição, é a bondade. Por isso,  nenhuma das criaturas está abandonada. Todas, independentemente de seu  grau evolutivo, recebem atenção compatível com suas necessidades. Nada  escapa ao crivo de Deus, ao seu exame, desde os seres mais simples até  os mais complexos, supervisão que é realizada por meio de suas leis  perfeitas que também regem as ações humanas de forma equânime e justa:
Deus tem suas leis, que regulam todas as vossas ações. Se as violais, a  culpa é vossa. Sem dúvida, quando um homem comete um excesso qualquer,  Deus não profere contra ele uma sentença, dizendo-lhe, por exemplo:  Foste guloso, vou punir-te. Ele traçou um limite: as doenças e muitas  vezes a morte são a consequência dos excessos. Eis a punição; ela  resulta da infração da lei, como, aliás, sucede em tudo.3
Não é por acaso que todas as nossas atitudes, boas ou más, decorrentes  do exercício do livre-arbítrio, repercutem nessas leis, preservando em  nosso Espírito uma memória integral, algo semelhante a um banco de dados  incorruptível, o qual, mais cedo ou mais tarde, virá à tona,  proporcionando uma espécie de autojulgamento, resultante de uma  avaliação perfeita de todos os pormenores favoráveis ou desfavoráveis,  os quais se compensarão, equitativamente, na balança divina.
Esse o motivo pelo qual os benfeitores do espaço, ao responderem à  pergunta – Onde está escrita a Lei de Deus?, formulada por Kardec,  afirmaram: “Na consciência”4. Dessa forma, “o homem é constantemente o  árbitro da sua própria sorte; pode abreviar ou prolongar indefinidamente  o seu suplício; a sua felicidade ou a sua desventura dependem da  vontade que tenha de praticar o bem”.5 O resultado desse autojulgamento  será determinante e influenciará o futuro do ser, quanto às provas pelas  quais deverá experimentar nas futuras existências físicas, sem que haja  um determinismo nos acontecimentos da vida, pois “a fatalidade só  existe pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar”.6
Pela análise das penas e dos gozos futuros, percebe-se, intuitivamente, a  existência de um planejamento divino na Criação, de forma a conduzir os  Espíritos, por seus próprios méritos, à perfeição e à felicidade,  infundindo-lhes a certeza de que o bem é um determinismo divino e “é o  fim supremo da Natureza”.7
Herdeiro divino e cocriador, o Espírito recebe de Deus todo um arsenal  de recursos para fazer face ao seu progresso, para conquistar, pelos  próprios esforços, a sua redenção que o conduzirá, no decorrer dos  milênios, ao estado de Espírito puro, quando não precisará mais  reencarnar.
A vida no corpo físico, com o seu cortejo de provas e expiações, é um  desses inúmeros recursos disponibilizados ao aprendiz, que deve  descobrir por si mesmo os caminhos de retorno a Deus. As etapas  reencarnatórias, acompanhadas do esquecimento temporário, permitem o  recomeço do indivíduo, facultando-lhe a retificação dos erros cometidos e  a retomada de antigos compromissos com o bem, dos quais muitas vezes se afastou, graças aos enganos e ilusões a que se entregou na trajetória da existência física.
A aquisição da certeza da vida futura representa uma mudança de  paradigma de grande impacto na vida das pessoas que estão despertando  para as realidades espirituais, pois, além de oferecer uma perspectiva  consoladora e explicar racionalmente o porquê dos sofrimentos, abre-lhes  a oportunidade de imprimir novos padrões de comportamento, que  melhorarão sensivelmente a qualidade de vida espiritual delas.
De fato, a internalização desses preceitos liberta-nos das ideias  niilistas e das crenças infantis na existência do demônio e das penas  eternas, combatendo também a fé ingênua na existência de um céu  beatífico, onde passaríamos o resto da eternidade em uma monótona vida  contemplativa, ao lado de seres alados de vestes alvas.
Esses conhecimentos, essas convicções imortalistas, conduzem-nos à  verdadeira compreensão da nossa origem e destino, do nosso valor  espiritual e da nossa condição de filhos de Deus, o que nos dá mais  forças para enfrentar os desafios diários, permitindo que valorizemos  ainda mais a existência no corpo físico e a própria vida, rumo a uma  educação libertadora, da qual depende o nosso futuro espiritual.
Todos aqueles que perseverarem e se esforçarem sinceramente por  melhorar, mesmo errando durante o curso de sua existência, podem  aguardar, serenos, a hora de seu desenlace, pois verão recompensados  seus suores, dores e lágrimas.
Christiano Torchi    Revista Reformador   09/12
1KARDEC,  Allan. O céu e o inferno. Trad. Manuel Quintão. 60. ed. 3. reimp. Rio  de Janeiro: FEB Editora, 2012. Pt. 1, cap. 1, it. 2. 2 uma memória integral, algo se- KARDEC, Allan. O livro dos espíritos.  Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB  Editora, 2011. Q. 961. 3 Idem, ibidem. Q. 964. 4KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB Editora, 2011. 5Idem. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra.  1. reimp. atualizada. Rio de Janeiro: FEB Editora, 2010. Cap. 27, it.  21, p. 469. 6Idem. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio deJaneiro: FEB Editora, 2011. Q. 851. 7DENIS, Léon. Depois da morte. 31. ed. 4. reimp. Rio de Janeiro: FEB Editora, 2011. Pt. 1, cap. 2, p. 41-42

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