sábado, 9 de março de 2013


A convivência perfeita




Mário Vicente era vidrado na idéia de famílias espirituais, que se sobrepõem às precárias ligações consangüíneas.
- Pois é - dizia, entusiasmado, a um confrade espírita - os espíritos tendem a formar grupos afins nos caminhos da vida.
- Reencarnam juntos?
- Sim, sempre que possível compondo lares ajustados e harmônicos, "um por todos e todos por um".
- Você vive com sua família espiritual?
Mário Vicente esboçou um sorriso triste:
- Quem me dera! Lá em casa nosso relacionamento funciona na base de "cada um por si e Deus por todos". Estamos longe de um entendimento razoável. É muita discussão, muita briga... Somos velhos adversários amarrados pelo sangue a fim de nos reconciliarmos.
- Recebeu alguma revelação?
- Não...nem seria preciso! Basta observar nossos conflitos.
- A barra é pesada?
- Bem... não é tanto assim. Gosto muito de minha mulher.
Até pensei, durante os primeiros tempos, fosse uma alma gêmea. Ela é dedicada ao lar, mãe prestimosa. Ocorre que é um tanto voluntariosa e, não raro agressiva. Faz tempestade em copo d'água. Considero a Ernestina meu teste de paciência. Nossos "santos" estranham-se freqüentemente.
- E os filhos?
- Adoro todos eles, mas são Espíritos imaturos que dão trabalho e não raro desgostos. Imagine que Pedro, o mais velho, envolveu-se com drogas! Júnior, o do meio, "aborrecente" típico, vive a me questionar; Jussara é delicada e sensível mas puxou o gênio da mãe. Se contrariada, sai de perto! Um horror!
- São seus credores. Cobram prejuízos que você lhes causou em vidas anteriores...
- Certamente! Estou consciente desse compromisso. Tento fazer o melhor, sustentando a estabilidade do lar. Às vezes perco o controle. Envergonho-me das brigas em que me envolvo... convenhamos, porém, que ninguém é de ferro...

Mário Vicente suspirou, emocionado:
- Sinto falta de um relacionamento familiar sustentado por legítima afinidade. Todos olhando na mesma direção, empenhados em cultivar a paz, o trabalho do bem, a amizade, a compreensão... Seria o paraíso! Vejo-me como um retardatário, preso a compromissos decorrentes de besteiras que andei cometendo purgando meus débitos. Certamente aprontei muito!
- Espera alcançar a família espiritual?
- Claro! Hei de cumprir minhas obrigações, fazendo o melhor, a fim de merecer um retorno ao convívio de meus queridos, em estágios mais altos... Tenho convicção de que uma companheira muito amada espera por meu sucesso nas provações humanas para nos reunirmos.

Animado por seus sonhos Mário Vicente esforçava-se para superar as dificuldades de relacionamento junto à esposa e filhos.
Tolerava suas impertinências. Fazia de tudo para ajudá-lo. Exercitava carinho e compreensão.
O atendimento dos compromissos junto à família humana haveria de lhe proporcionar o sonhado reencontro com a família espiritual.
Passaram-se os anos.
Os filhos casaram, vieram netos, ampliou-se o grupo familiar, sucederam-se os problemas mas nosso herói até que conseguiu sair-se relativamente bem, acumulando méritos.
Ao completar setenta e dois anos regressou à Pátria Espiritual.
Espírita esclarecido, não teve dificuldade para reconhecer-se fora do seu escafandro de carne, amparado por generosos benfeitores.
Após os primeiros tempos, já adaptado à nova situação procurou dedicado orientador da instituição socorrista que o abrigara. Foi logo pedindo, inspirado pelo ideal que acalentava:
- Estimaria, se possível, receber notícias de minha família espiritual...
- Seus familiares estão bem, nas lutas de sempre, sofrendo e aprendendo, como todos os homens.
- Estão reencarnados? Pensei que os encontraria aqui!
- Você conviveu com eles até alguns meses atrás. Não sabe que continuam na Terra?
-Não me refiro à família humana. Anseio abraçar os entes queridos de priscas eras, e sobretudo, a amada perdida nas brumas do passado...
O mentor sorriu:
- Falou bonito, mas está equivocado, meu amigo. Sua família espiritual é aquela que lhe marcou a experiência na Terra.

Fonte: Reformador - Março de 1997
Richard Simonetti

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